Crítica: Dragged Across Concrete (2018)

Dragged Across Concrete

A violência no cinema sempre me fascinou. Então, nem preciso dizer o quanto apreciei o filme de estreia do diretor S. Craig Zahler, o western canibal Rastro de Maldade (Bone Tomahawk, 2015), onde o bigodudo Kurt Russell mais uma vez interpreta o homem da lei, desta vez no encalço de um grupo de brutais índios canibais que sequestraram uma garota da cidade. O filme seguinte de Zahler então, Brawl in Cell Block 99 (cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), é um verdadeiro deleite para o fã de uma boa porradaria, onde um destruidor Vince Vaughn passa como um rolo-compressor por cima de seus antagonistas para salvar sua família.

No clímax deste novo thriller escrito e dirigido por Zahler, um dos personagens que está prestes a ser metralhado profere seus últimos comentários: “Isso é um tanto excessivo.” Mas é claro que é, afinal, quem viu qualquer um dos filmes citados acima entenderia facilmente a ironia do comentário; para Zahler, um tiroteio é brincadeira de criança, e o termo “excessivo” não chega nem perto de resumir o que ele está acostumado a infligir em seus personagens e em seu público. Tanto Rastro de Maldade quanto Brawl in Cell Block 99 estabeleceram Zahler como um habilidoso fornecedor de filmes movidos pelo ímpeto de seus determinados personagens, imersos em um cenário de violência desoladora e absoluta.

Com este seu terceiro filme, Dragged Across Concrete (CAN, 2018), Zahler parece tentar a mesma abordagem, porém com um formato ligeiramente mais acessível ao grande público, com resultados mistos. Por si só, trata-se de um eficiente drama criminal, que tem na sua sensacional dupla de protagonistas um tremendo diferencial. Mel Gibson (um de meus atores preferidos desde sempre e ele próprio um entusiasta da boa e velha violência), e Vince Vaughn (repetindo a dobradinha de Cell Block 99 com o diretor Zahler), garantem um peso ímpar à favor da produção, mas quem esperava uma progressão no trabalho do diretor pode se desapontar um pouco, uma vez que alguns dos diálogos soam um pouco forçados, assim como o fatalismo, muito presente nos filmes anteriores de Zahler.

Brett Ridgeman (Gibson), e Anthony Lursasetti (Vaughn), são dois escolados “tiras” que conhecem a cena criminal da cidade como poucos. Quando a dupla prende um dos maiores traficantes do local, eles conseguem impedir que uma enorme quantidade de drogas chegue às ruas. Mas a maneira violenta com que Ridgeman efetuou a prisão do traficante acabou sendo filmada por um transeunte, e a dupla de policiais é suspensa pouco tempo depois. Para Ridgeman, essa foi a gota d’água. Chegando aos 60 e com uma ficha disciplinar que o impediu de ser promovido na carreira, ele se encontra falido e vivendo com sua família em uma área barra-pesada da cidade, onde sua filha adolescente inclusive já foi atacada. Eles precisam se mudar, e rápido.

Ridgeman então decide que ele tem direito a uma “compensação justa”, e convoca Lursasetti a se juntar à ele num plano que envolve ficar na tocaia de um conhecido criminoso da cidade, até que surja a oportunidade de roubá-lo. Zahler então adiciona à mistura o picareta Henry Johns (Tory Kittles, da série Colony), recém-saído da cadeia e também com uma família para sustentar. Johns e um amigo juntam-se a uma gangue que planeja roubar um banco, liderada exatamente pelo mesmo homem que que está sendo observado pelos protagonistas. Nem os tiras, e nem Henry, têm noção do quão eficientes e impiedosos os criminosos da tal gangue são.

Dramaticamente, o filme tem seus pontos altos durante as cenas da tocaia, em que Gibson e Vaughn trocam diálogos com extrema naturalidade e ácido senso de humor. A vivência de Ridgeman evoca a amargura do policial veterano, o que contrasta com a jovial boa-natureza de Lursasetti. Para variar, Gibson é um show à parte, num papel que lhe cai como uma luva, em que o ator transmite o desapontamento e o desespero de seu personagem, além de um profissionalismo nato. A obsessão de Ridgeman em calcular a porcentagem de êxito em cada uma de suas ações é muito engraçada, e os frios olhos azuis de Gibson continuam impactantes como sempre.

Quem aparece muito bem também é a revelação Tory Kittles, no papel do ex-criminoso que na realidade nunca deveria ter entrado no mundo do crime em primeiro lugar. Sua esperteza acaba por extrair o melhor de todos ao seu redor, numa performance calma, comedida e carismática do talentoso ator. Já Vaughn está competente como sempre, numa interpretação segura e natural, num papel bem mais leve do que seu colossal Bradley Thomas de Brawl in Cell Block 99. Mas Zahler, é claro, também exercita o que faz de melhor: destilar a violência em todas as suas cores, como no momento em que uma mulher tem sua mão explodida, numa outra cena onde uma mulher é sequestrada e humilhada de maneiras horríveis, e até uma sequência onde uma evisceração é performada.

Se a duração do filme é um tanto excessiva (147 min.), a culpa é de algumas cenas supérfluas, incluindo a introdução de uma personagem sem tanta importância interpretada por Jennifer Carpenter (também do citado Brawl in Cell Block 99), e também de algumas cenas envolvendo a preparação dos assaltantes para o roubo ao banco onde a tal personagem trabalha. Fica a impressão de que Zahler imaginou-se criando todo um universo criminoso em seu filme, mais ou menos o que Michael Mann fez em sua obra-prima Fogo Contra Fogo (Heat, 1995). Apesar dos bons momentos, Dragged Across Concrete não chega nem perto disso. Falta a intensidade demonstrada pelo diretor em seus filmes anteriores, o que resulta em um thriller policial eficiente, mas cujo resultado final carece de um punch mais forte. Principalmente o filme sendo de quem é.

Dragged Across Concrete ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros.

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