Crítica: Entre Realidades (Horse Girl) | 2020

Como posso descrever este Entre Realidades (Horse Girl, EUA, 2020)? Como posso sequer começar? Esta nova produção original Netflix dirigida por Jeff Baena (Vida Após Beth, Huckabees: A Vida é uma Comédia) e co-escrita pelo próprio em parceria com a protagonista Alison Brie (das séries Mad Men e Glow), é praticamente inclassificável em qualquer gênero. A produção existe em seu próprio mundinho, misturando gêneros com resultados surpreendentemente fortes. O que começa como uma excêntrica comédia romântica rapidamente se transforma em algo muito mais estranho e perturbador.

Sarah (Brie), a “Horse Girl” do título original, é dolorosamente tímida. De fala suave e escondida atrás de sua franja, ela é excessivamente educada e agradável com todos que a encontram. Porém, Sarah não tem nenhum sistema de apoio propriamente dito. Ela não tem amigos. Ok, ela pode até ser amigável com sua colega de trabalho, Joan (Molly Shannon) quando a encontra, e sua colega de quarto, Nikki (Debby Ryan) a trata com gentileza. Mas nenhuma destas pessoas são realmente seus amigos, e Sarah passa sua vida trabalhando, visitando o estábulo para ver seu antigo cavalo, ou assistindo seu programa favorito na TV.

Quando o aniversário de Sarah chega, Nikki tem que praticamente forçá-la a se divertir um pouco, e convida o colega de quarto de seu namorado, Darren (John Reynolds), na esperança de arrumar um ficante para a solitária colega. Para surpresa de Nikki, os dois se dão super bem, e Sarah, com uma pequena ajuda de algumas substâncias controladas, consegue sair um pouco de dentro de sua concha. Porém, o que à princípio seria um novo começo para Sarah, logo desencadeia um novo conjunto de problemas. Sarah começa a ter estranhos sonhos onde se encontra em um quarto completamente branco, além de acordar em lugares os quais não tem a mínima ideia de como teria ido parar lá.

Há um histórico de doença mental na família de Sarah (o qual Brie baseou no histórico médico de sua própria família), e seria muito fácil presumir que Sarah tenha herdado tal instabilidade. Sarah porém não acredita nesta hipótese, e começa a suspeitar que algo grandioso está acontecendo em sua vida; algo com potenciais implicações sobrenaturais. Entre Realidades então introduz todos estes elementos em sua trama de maneira orgânica. A primeira porção do filme é bastante engraçada, e as cenas envolvendo Sarah e seu potencial novo namorado são bem bacaninhas. E mesmo quando Sarah começa a ficar cada vez mais confusa e paranoica, Entre Realidades mantém o bom humor. Porém não demora para que o tom do filme mude consideravelmente, tornando-se muito mais soturno e perturbador.

Brie, uma das atrizes mais belas em atividade, lida com as alterações de tom do filme com expertise. Doce e descompromissada na primeira metade do filme, a atriz surpreende e choca quando o estado mental de sua personagem começa a se deteriorar. Em duas cenas em particular, onde Sarah sofre um completo colapso nervoso no túmulo de sua mãe e quando ela elabora uma lista de teorias da conspiração para explicar seu atual estado mental, são interpretadas de maneira brilhante e genuinamente assustadora. Mesmo com ótimos personagens coadjuvantes, Entre Realidades é mesmo um show de Alison Brie, em que ela segura praticamente todas as cenas da produção sozinha.

O roteiro, à cargo de Baena e Brie, é deliciosamente ambíguo. Uma das escolhas mais espertas do texto é não entregar nada de mão beijada. Por exemplo, nós nunca ficamos sabendo realmente porque o cavalo que Sarah vive visitando não é mais dela. O que temos são apenas relances em um momento de um flashback onde uma jovem conhecida de Sarah cai de um cavalo e se fere gravemente, e sempre que Sarah está visitando o estábulo, o proprietário do local age de maneira nervosa, claramente desconfortável com a presença da garota. É apenas um detalhe, mas que acaba ganhando força justamente por estabelecer quem Sarah é, e como as pessoas ao seu redor a percebem.

Entre Realidades começa a galopar para fora da pista em seu terceiro ato, e ainda que a performance de Brie continue forte, a narrativa ao seu redor começa a entrar em colapso. Parte disso é intencional, como forma de atrair o público para dentro da cabeça de Sarah. Entretanto, quando o roteiro começa a fornecer algumas respostas para alguns de seus muitos mistérios, ele acaba deixando a desejar. Entre Realidades funciona melhor quando permanece elusivo.

Entre Realidades estreia no catálogo da Netflix no dia 07 de fevereiro.

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