Crítica: Girl on the Third Floor (2019)

É cada vez mais difícil encontrar novas maneiras de assombrar uma casa. E este Girl on the Third Floor (EUA, 2019), horror independente que fez sua estreia no Festival SXSW deste ano, nem sequer tenta fazê-lo. É um filme que explora as vertentes mais clássicas do gênero, bem ao estilo da atemporal história A Maldição da Residência Hill (The Haunting of Hill House), escrita por Shirley Jackson em 1959, e adaptada diversas vezes para o cinema e TV. Girl on the Third Floor segue a batida porém sempre eficiente narrativa do protagonista com um trauma do passado que se muda para uma grande e antiga mansão que carrega um segredo sombrio, e então se vê frente à frente com uma força maligna que desperta seus próprios demônios adormecidos.

Ao invés de forçar os limites da narrativa, Girl on the Third Floor utiliza a previsibilidade para gerar suspense, atraindo o público por cada passo da inevitável queda de seu protagonista, e trabalhando em cima de prenúncios e sustos através de simples efeitos práticos. Bolinhas de gude e campainhas nunca foram tão sinistras, acreditem. Contando uma boa e velha história de fantasmas de maneira focada e trabalhada lentamente, o roteirista e diretor estreante Travis Stevens escreveu o roteiro baseado na própria casa onde a produção é filmada, onde supostamente teriam havido relatos de assombrações reais. Como sempre, não dá para saber se isso realmente é verdade, mas que ajuda a vender o filme, ah isso ajuda.

Don Koch (interpretado pelo ex-lutador profissional de luta-livre Phillip “CM Punk” Brooks, de Rabid, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), é um alcoólatra em recuperação em plena crise de meia-idade e cuja esposa, Liz (a bela Trieste Kelly Dunn, da série Banshee), está grávida. Don está desempregado e ainda se recuperando de alguns problemas com a lei, e mesmo com sua esposa sustentando a ambos com seu próprio e bem-sucedido negócio, Don lida diariamente com a frustração, e decide comprar uma casa meio derrubada nos subúrbios e se mudar para lá com o intuito de reformá-la. Mas apesar de seus esforços, o encanamento continua a despejar uma gosma fedida através das torneiras e que às vezes escorre através até das paredes, e bolinhas de gude aparecem do nada em armários e ao lado da escada.

Como se isso não fosse suficiente para colocar uma pulga atrás da orelha de Don, seus novos vizinhos e até o atendente do bar onde ele às vezes passa para tomar uma, o avisam que “aquela casa é problema”, e não demora para tais avisos começarem a fazer sentido para o público, e também para Don, quando uma misteriosa e sedutora mulher começa a aparecer ao redor da casa, e após uma única noite com ele, ela se recusa a ficar longe do local. Ao mesmo tempo, as reformas de Don continuam revelando cômodos escondidos e passagens secretas, que remetem ao aterrorizante e misterioso passado da casa.

A narrativa de Girl on the Third Floor tenta conciliar os clichês que envolvem “reformas em casas assombradas” (vistos recentemente na excelente adaptação da citada história de Shirley Jackson que foi ao ar como uma minissérie na Netflix adaptada por Mike Flanagan), com um subtexto envolvendo a abalada psique de Don, cujos problemas começaram muito antes de sua decisão de reformar a casa. Li alguns comentários sobre o filme que situaram a produção sob termos como “masculinidade tóxica”, “empoderamento feminino” e “feminicídio”, hoje palavras tão em alta nas discussões e nas redes sociais. Nonsense. Girl on the Third Floor é na realidade um terror onde a casa assombrada da vez funciona como uma analogia de todas as pressões que o homem moderno precisa enfrentar e que muitas vezes vem a sucumbir devido a elas. A casa se aproveita de suas fraquezas, levando-o à arrogância, ao direito constituído, e eventualmente perdição.

A conclusão de Girl on the Third Floor pode chocar algumas pessoas, já que o filme quase levanta mais questões do que fornece respostas. Porém, o filme também oferece catarse, dado o alto nível de tensão que vai se acumulando ao longo da narrativa. Ao invés de ser apenas uma desculpa para colocar o personagem em um local assombrado, as reformas de Don realmente ocupam grandes porções do filme — se um dia você precisar consertar um buraco em uma parede de drywall, por exemplo, Girl on the Third Floor é um tutorial até que bacaninha — e a podridão fundamental e sobrenatural da casa já fica evidente logo nos primeiros minutos da produção, bem antes de descobrirmos o que realmente há de errado com ela. Esta podridão estabelece as fundações do que se revela um fenômeno progressivamente esquisito, que leva à um clímax surreal e grotesco.

Assistir aos metódicos consertos efetuados pelo protagonista na casa funcionam também como uma forma do público se conectar com Don, que pode até ser um safado, mas ainda assim ganha a simpatia do espectador. Brooks o interpreta de maneira realista e carismática; um cara durão mas que demonstra suas inseguranças, que se encaixa mais como uma figura trágica do que propriamente um esquisitão prestes a receber o castigo que merece.

Este carisma de Don torna Girl on the Third Floor uma obra com mais nuance do que parecia à princípio. Independente de qualquer questão extra-campo envolvendo o periclitante momento em que vivemos hoje como sociedade, como homens e como mulheres, o filme funciona como um terror de primeira. Graças a uma excelente trilha-sonora, alguns excelentes e sutis truques visuais, e uma boa dose de jump scares que assustam mesmo quando não surpreendem, Girl on the Third Floor é tão arrepiante quanto deveria ser.

Girl on the Third Floor não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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