Crítica: Halloween (2018)

Halloween

Este Halloween (EUA, 2018), é o décimo-primeiro filme da franquia. A terceira cujo título original é Halloween e a segunda sequência direta do filme original dirigido pelo mestre John Carpenter em 1978. Confesso que não gosto nem um pouco dessa coisa de ignorar as sequências e recomeçar a franquia à partir de determinado filme. Fica a impressão de que todo o tempo que o espectador passou em frente à tela assistindo as sequências não foi nada além de tempo perdido. O que diga-se de passagem não deixa de ser verdade, porque com exceção dos medianos Halloween II (Rick Rosenthal, 1981), a sequência/reboot Halloween: O Início (Rob Zombie, 2007) e Halloween H20 (Steve Miner, 1998), filme que inclusive se propôs a trazer de volta a atriz Jamie Lee Curtis para encerrar a franquia de vez, os filmes da saga são realmente medíocres.

Ignorando completamente a existência dos citados Halloween II e Halloween H20, as chamadas “sequências diretas” do original, o diretor David Gordon Green (de filmes tão díspares quanto a dramédia Prince Avalanche (2013), a comédia escrachada Segurando as Pontas (Pineapple Express, 2008) e o drama verídico O Que Te Faz Mais Forte, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), foca no rescaldo do original de 78 e explora as consequências do trauma. Como o ataque de um psicopata pode realmente afetar tanto vítima quanto perpetrador? Por quanto tempo tal ataque poderia se perpetuar e envenenar gerações inteiras?

Laurie Strode, a sobrevivente do filme original, nunca foi realmente a estrela de Halloween. Jamie Lee Curtis se tornou estrela depois do sucesso do filme, mas o filme de Carpenter nunca se preocupou exatamente em explorar a personagem, mas sim em explorar a relação entre o assassino mascarado Michael Myers, e seu psiquiatra e perseguidor, Dr. Samuel Loomis (o grande Donald Pleasence, falecido em 1995). De certa forma, o fraco Halloween II dirigido por Rob Zombie foi o único filme da franquia a explorar a fundo a experiência de Laurie como uma sobrevivente. Mas neste novo Halloween, Green finalmente entrega a Laurie seu merecido momento.

Definitivamente, o retorno de Curtis ao papel de Laurie, exatos 40 anos depois do filme original e 20 anos depois de Halloween H20 (ok, vamos esquecer este daqui), não é apenas para faturar um bom cachê. A atriz entrega uma performance crua e emocional que a transforma no coração do filme. Os terríveis efeitos de seu traumático encontro com Myers continuam a abalar profundamente sua vida, como também a vida de sua filha Karen (Judy Greer, da comédia Wilson, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), e de sua neta Allyson (Andi Matichak). Green consegue a façanha de expressar esta difícil relação não só através do diálogo, mas também através da ação e concepção visual. Para quem esperava um Halloween somente assustador, vai se surpreender com a carga emocional do filme.

É claro que o trauma não existe sem o elemento que o causa, e Halloween revive o assassino silencioso Michael Myers de maneira extremamente eficiente. Desde a arrepiante sequência de abertura até sua inevitável fuga, Michael está genuinamente assustador, mais devido ao que ele não faz do que propriamente o contrário. Por um surpreendentemente longo período de tempo, ele nem sequer usa sua tradicional máscara, mas sua figura envelhecida, fotografada de maneira que seu rosto nunca fique inteiramente visível, não é menos intimidante. E uma vez que a iconografia de Michael é restaurada em toda sua glória, Green cria um slasher movie repleto de suspense, que remete ao estilo do mestre Carpenter enquanto utiliza-se de ferramentas do cinema de horror moderno. Sua direção é impactante, repleta de sustos criativos e nunca gratuitos, o que reflete-se em um terceiro ato nervoso onde Laurie e Michael finalmente confrontam o legado daquela noite ocorrida há quarenta anos.

A qualidade visual e sonora do filme mantêm a exata mistura de brutalidade e sutileza que fizeram o filme original (e seu assassino) tão aterrorizantes. O design de som é pesadão, complementado por um destruidor score musical co-composto pelo próprio Carpenter, que combina o inesquecível tema original com um material novo e ainda mais sombrio. A sempre incômoda máscara despida de emoções usada por Michael envelheceu e rachou durante as décadas que se passaram, e seus métodos assassinos também se transformaram. Michael agora é um animal, que destroça corpos em um nível totalmente novo. Ao contrário de seus “pares” Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, a franquia Halloween nunca foi propriamente reconhecida pelo seu nível de gore, mas aqui, Green mostra uma face brutal de Michael sem precedentes. Algumas das mortes chocam pela quantidade de sangue; outras, pelo puro aspecto inumano de sua execução.

Como a maioria das sequências que envolvem um “legado”, este Halloween carrega nos ombros o enorme peso do sucesso atemporal do filme original. Entretanto, Green trabalha o material com imenso respeito pelo trabalho de Carpenter, e o filme funciona como uma sequência e também como uma homenagem que fica evidente desde a sequência de créditos iniciais, onde uma abóbora podre “desapodrece” de trás pra frente e implica a ressurreição de uma franquia morta. O filme faz observações inteligentes sobre si mesmo e seu lugar no cinema de horror. Referências aos outros filmes da série – e há menções a praticamente todos eles, mesmo o subestimado terceiro filme que não trazia Michael Myers na trama – são reveladas através do design e/ou fotografia, e tampouco são tratadas como piadinhas, mas sim como subversões de expectativa.

Da mesma forma, as observações auto-reflexivas sobre o gênero dos slasher movies estão enraizadas nos personagens. Eles discutem sobre o “mito” de que Michael seria irmão de Laurie; discutem se alguém esfaqueando uma pessoa hoje em dia ainda seria assustador, dado o momento violentamente caótico que vivemos em 2018, e rola até uma brincadeira sobre a famosa relutância de Curtis e Carpenter em retornar à franquia que é tão sutil que não chega nem a ficar claro se a piada foi intencionada de tal maneira.

Muito similar ao que Jordan Peele fez no thriller Corra! (Get Out, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), Green conjura terror, emoção, esperteza e comédia tudo de uma vez só. E é neste último elemento que a voz do co-roteirista Danny McBride (um de meus atores favoritos e que aqui acumula as funções de intérprete e roteirista), pode ser ouvida com ressonância. As piadas nunca interferem no objetivo primordial do filme, e oferecem um necessário alívio pontual ao público.

É claro que este Halloween nunca irá superar a definidora experiência cinematográfica foi o filme original. Tive, por exemplo, uma certa resistência em aceitar a conclusão moderadamente ambígua do filme, que serve a ideia de que, para os sobreviventes, não há realmente um final para a saga do Halloween. O que já era de se esperar, afinal estamos falando de um filme que carrega uma franquia de quarenta anos nas costas, cuja bagagem não se encerra da noite para o dia.

Entretanto, o Halloween de David Gordon Green é facilmente o melhor desde o original de John Carpenter, adicionando profundidade, emoção e confiança a uma franquia que geralmente se equilibra na corda bamba. Pelos padrões de hoje, este Halloween talvez seja um filme ainda mais “completo” do que o original, apesar de sua total dependência do mesmo. Há muito a ser dito sobre a simplicidade do filme de Carpenter, porém, esta sequência traz muito mais acontecendo por baixo da máscara.

Halloween estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de outubro.

Confira abaixo o novo tema musical do filme “The Shape Returns“, co-composto pelo próprio mestre John Carpenter, e mais abaixo, o trailer do filme.

3 respostas

  1. Eu já quero ver todos os filmes, especialmente o Halloween! Sinceramente os filmes de ação não são o meu gênero preferido, mas devo reconhecer que Sobrenatural: A Última Chave superou minhas expectativas, e acho que é um dos melhores filmes de terror. Adorei está história, por que além das cenas cheias de extrema e efeitos especiais, realmente teve um roteiro decente, elemento que nem todos os filmes deste gênero tem.

  2. Otima critica , me deu mais vontade ainda de assistir. Gosto muito da franquia e sua critica me fez ficar mais ansioso ainda para assistir no cinema .

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