Crítica: Hounds of Love (2017)

O que classifica um filme como perturbador? Geralmente, o adjetivo perturbador evoca o explícito na cabeça do espectador, que geralmente já espera algo repleto de sexo ou violência explícita. Mas nem sempre é assim.

Este ousado e polêmico Hounds of Love (Austrália, 2017), filme que sacudiu os festivais de Veneza, o SXSW e o Tribeca quando exibido, ao contrário do que se espera, não escolhe o caminho do visível para chocar suas audiências. A produção escrita e dirigida pelo jovem e estreante em longas Ben Young, mesmeriza seu público apenas na base da sugestão, e oferece um mórbido e implacável estudo de personagens, ao apresentar seu arrepiante par de protagonistas.

O par em questão é formado por Evelyn (Emma Booth, de Deuses do Egito) e John White (Stephen Curry, de Morte Súbita), um casal suburbano aparente comum. Contudo, não há nada de comum em Evelyn e John, já que ambos são uma dupla de predadores, que sequestram suas vítimas e performam todo tipo de tortura (física, psicológica e sexual) com elas. A vítima da vez é a jovem Vicki (a bela Ashleigh Cummings, de Guerreiros do Amanhã), uma estudante que após escapar de seu quarto durante uma noite para ir escondido à uma festa, acaba caindo nas mãos do casal.

À princípio, Hounds of Love parece indicar um thriller um tanto padrão sobre a relação entre os sequestradores e sua vítima. Entretanto, apesar de ainda manter esta vertente ativa em sua narrativa, o filme de Ben Young começa a realmente dar as caras quando evidencia a doentia natureza da relação entre Evelyn e John, que garanto, é de gelar a espinha.

Aos poucos, John revela-se um verdadeiro monstro controlador, que exerce um macabro domínio sobre Evelyn, que segue cegamente todas as vontades pútridas de seu marido. Contudo, é Evelyn o elemento mais imprevisível e assustador da dupla, uma mulher sem rumo e sem personalidade própria, cuja personagem funciona como um assustador coringa dentro do forte roteiro assinado por Young.

Dentro desta narrativa pesada e de tom carregado, mais do que brilham as presenças impecáveis de seu trio central de protagonistas, especialmente a impressionante e hipnotizante interpretação de Emma Booth, cuja performance não fica devendo absolutamente nada à qualquer outro psicopata que tenha sido interpretado no cinema. Em minha mais honesta opinião, Booth incorpora talvez a mais forte performance feminina nas telonas dos últimos anos. Um verdadeiro assombro!

Ambientado na Austrália do ano de 1987, a narrativa de Hounds of Love também sai ganhando com este fator, já que elimina a sempre broxante possibilidade do uso de algum aparelho celular, etc… E mesmo correndo o risco de parecer uma produção exploitation com a cara dos anos oitenta, a produção passa longe destas características, e desenvolve-se como um thriller dramático denso e profundo, o que nos dias de hoje é um verdadeiro milagre.

As más línguas, especialmente nestes dias repletos de (e perdão pela linguagem coloquial) mimimi, com certeza classificarão o filme como algo concebido e executado com o único propósito de chocar e explorar os sentimentos mais primordiais do público, que realmente fica o tempo todo com os nervos à flor da pele, especialmente em seu terço final. Mas apesar do tom apelativo da produção, que provavelmente também causará um certo furor entre a parcela feminina de seu público, dada a relação abusiva e o domínio do odioso John sobre suas companheiras de cena femininas, prefiro classificar o filme como um incômodo mas necessário retrato dos monstros que se escondem sob as carapuças mais improváveis, e das temíveis consequências de seus atos insanos e repletos da mais pura maldade.

E mesmo ambientado nos anos oitenta, Hounds of Love escancara uma verdade bastante em evidência nos caóticos dias de hoje: A de que em um mundo que abriga tamanhas criaturas horrendas, ninguém pode se dar ao luxo de ser pego.

Hounds of Love ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar diretamente ao sistema de streaming ou VOD.

https://www.youtube.com/watch?v=UNEurXzvHqE

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