Crítica: Housewife (2017)

Em 2015, uma das grandes surpresas do horror daquele ano foi um pequeno filme turco (isso mesmo, turco!) chamado Baskin. Dirigido pelo jovem estreante Can Evrenol, Baskin foi exibido naquele ano no TIFF, o festival de cinema de Toronto, e arrancou alguns aplausos dos fãs mais entusiastas do gênero. O filme, que mostra literalmente a jornada de um grupo de policiais ao inferno, evidenciou o talento e a mão pesada de Evrenol, que não poupa seu público de todo tipo de atrocidade imaginável (e inimaginável também).

Fiquei bastante ansioso por um novo projeto do jovem diretor, apesar de desconfiar que um novo filme de Evrenol talvez não viesse a acontecer (como acontece tantas vezes com outras promessas do horror). Contudo, Evrenol volta neste 2017 com este Housewife (Turquia, 2017), filme falado em língua inglesa e que mais uma vez mostra o apuro visual do diretor, mas que se comparado ao seu primeiro projeto, acaba por ser um tanto decepcionante.

Housewife apresenta seu público à Holly (a francesa Clémentine Poidatz, do thriller Refém do Medo, 2016), uma mulher emocionalmente abalada e frágil que ao lado de seu atencioso marido, vem passando por momentos um tanto estranhos. O filme tem início com um flashback, que parece mostrar o assassinato da irmã mais velha de Holly, cometido por sua própria mãe durante um colapso nervoso. Esta terrível lembrança assombra os sonhos de Holly até os dias atuais. Mas quando a protagonista é reapresentada a alguém de seu passado, uma pessoa que se envolveu em um culto de raízes sobrenaturais, o passado e o presente de Holly se fundem em uma loucura total, transformando sua vida para sempre.

Em seu novo filme, Evrenol se apoia em imagens de pesadelo e caóticas experiências sensoriais para desorientar seu público, um recurso que lhe foi muito útil em Baskin. Entretanto, desta vez outros problemas pesam negativamente contra o filme, à medida em que Evrenol tenta imputar em sua loucura um pouco de coerência narrativa que abre muitas portas na trama, mas nem de perto consegue fechá-las.

Housewife carrega uma vibe meio “horror art-house europeu dos anos 70″, até pelo forte sotaque de boa parte do elenco, cujo inglês não é o idioma nativo. O filme é nitidamente influenciado por produções de horror dos anos sessenta e setenta, particularmente os exemplares de Mario Bava e Dario Argento (especialmente seu Suspiria), o que cá entre nós, são tremendas referências. O problema é que muito do filme é executado mais ao estilo daqueles thrillers dos anos noventa lançados diretamente para a TV, do que no estilo dos exemplares de horror gótico-barroco de Bava e cia.

Várias sequências do filme deitam e rolam no exagero da violência e da sexualidade envolvendo os personagens, bem ao estilo que Evrenol gosta e utilizou em Baskin. Essa pegada por vezes funciona dada a natureza etérea do filme, que tem batidos oitenta minutos de duração. Mas o que Housewife tem de melhor, contudo, são os excelentes efeitos de gore e criaturas, para alegria da moçada que gosta de uma tripa exposta (este que vos escreve incluído). Apesar de alguns deles serem utilizados de maneira um tanto boba e inexplicável, eles cumprem seu papel, utilizando-se de efeitos práticos ao estilo John Carpenter e seu clássico O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982) e o recente The Void (cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), filme que de certa forma homenageia justamente esta maneira “eighties” de se fazer cinema. Como espectador, é muito bom fugir do CGI de vez em quando, especialmente quando se trata de um filme de terror.

Housewife é o exemplar mais recente de uma tendência de filmes de horror que remetem à obra do mestre H.P. Lovecraft, e que já dura anos, mas que atingiu seu ápice nas últimas décadas com filmes como Do Além (From Beyond, 1986), A Hora dos Mortos-Vivos (Re-Animator, 1987), e O Filho das Trevas (The Resurrected, 1992) – todas adaptações explícitas de Lovecraft – e mais recentemente, filmes inspirados no universo de Lovecraft como o citado The Void e até mesmo o Hellboy de Guillermo Del Toro. Em Housewife, os Deuses Antigos da mitologia de Lovecraft são substituídos por monstros que habitam os pesadelos, conhecidos apenas como “visitantes” e que tem a aparência exata de como um monstro extraído da mente de Lovecraft deveria ter. Contudo, o filme tenta explicar demais sua mitologia, distraindo o espectador dos verdadeiros elementos de horror do filme.

Que Can Evrenol é um cineasta de talento, disso não tenho dúvida, e Baskin foi um tremendo filme de estreia. Mas não consigo deixar de achar que este Housewife é um passo na direção errada por parte do diretor. É quase como se houvesse história demais para pouco filme. Narradores não confiáveis costumam ser uma divertida e cativante ferramenta em thrillers, mas eles realmente só funcionam se houver narrativa suficiente para segurar o artifício, e isso infelizmente não acontece aqui. Mal posso esperar para ver o que Evrenol tem em mente para seu próximo trabalho, mas acho que talvez eu deva moderar minhas expectativas um pouco.

Housewife não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros e deve chegar ao país diretamente em serviços de streaming e VOD.

Uma resposta

  1. Por favor, você pode me dizer se este filme está disponível para download? Se sim podes compartilhar o link comigo no meu e-mail?

    Desde já agradeço

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