Crítica: Incident in a Ghost Land (Ghostland) | 2018

Em 2008, vivi uma das experiências mais incômodas de minha trajetória como cinéfilo. A experiência foi uma sessão do thriller Mártires (Martyrs), um dos mais fortes e torturantes exemplares do cinema francês, que pouco tempo após seu lançamento, já cravou seu lugar como um dos filmes mais perturbadores de todos os tempos, e também passou a integrar o movimento New French Extremity, vertente do cinema francês que desde o início dos anos 2000, pega pesado na violência explícita. Para quem quiser conferir, eu falei um pouco do movimento em minhas críticas dos filmes Vingança (Revenge) e A Invasora (Inside), que você pode conferir aqui mesmo no Portal do Andreoli.

Mártires foi dirigido pelo cineasta também francês Pascal Laugier, que devido à repercussão que o filme causou no boca a boca e no burburinho da internet, recebeu o convite para trabalhar no cinemão hollywoodiano. Sua única experiência na terra do Tio Sam entretanto, o confuso O Homem das Sombras (The Tall Man, 2012), foi uma massiva decepção, e Laugier acabou sumindo da cena cinematográfica. Eu mesmo cheguei a cogitar que o diretor e roteirista talvez não retornasse ao trabalho. Mas, ainda bem que eu estava errado em minhas suposições.

Seis anos depois do fracasso de O Homem das Sombras, Laugier retorna às telas e suas origens do horror francês com este eletrizante Incident in a Ghost Land (Ghostland, FRA/CAN, 2018), filme vencedor do Festival de Cinema Fantástico de Gérardmer, e que parece realmente colocar a mão pesada de Pascal de volta ao radar do bom cinema de terror.

Depois da morte de sua tia, a abatida Colleen (a cantora e atriz francesa Mylène Farmer), sua filha mais velha, Beth, que é bastante conservadora e encontra sua paz escrevendo histórias, e a mais nova, Vera, que é bem mais extrovertida e confiante, herdam a casa da falecida. Logo na primeira noite do trio em sua nova casa, a tragédia chega batendo à porta, quando um grupo de assassinos invade o local, forçando Colleen a lutar para salvar as vidas de suas filhas. Como resultado, a trágica noite acaba por afetar as personalidades das garotas para sempre.

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Dezesseis anos se passam, e enquanto que Beth (Crystal Reed, da série Gotham), se transformou em uma famosa autora de livros de terror com uma vida perfeita e uma família amorosa em Chicago, Vera (Anastasia Phillips, da série Reign), por outro lado, ainda luta com o trauma que ela vivenciou, e seu estado mental é bastante delicado. E quando uma circunstância acaba reunindo Beth à sua mãe e irmã na mesma casa em que passaram a fatídica noite, e onde Colleen e Vera ainda vivem, eventos bastante estranhos começam a acontecer no local, mostrando que o pesadelo de dezesseis anos atrás ainda não terminou.

Com seu corajoso e desolador Mártires, Laugier se estabeleceu como um forte nome do horror francês, digno de ser reverenciado. Com este Incident in a Ghost Land, ele está de volta com um estouro, e mais uma vez mostra o infinito escopo de seu talento. O roteiro, à cargo do próprio Laugier, é afiado e preciso, sem desperdiçar um minuto sequer de seus batidos 91 minutos de duração. As performances são fortes, especialmente a de Emilia Jones (do western Brimstone, cuja crítica você também encontra aqui no Portal do Andreoli), no papel da jovem Beth, e que com certeza é um jovem talento a ser observado. Laugier também mostra ter amadurecido como realizador, e o estilo visual de seu filme realmente se destaca.

É interessante observar também como Incident in a Ghost Land segue exatamente a mesma estrutura de Mártires, sem deixar de ser impactante; assim como no citado filme de Laugier, este Incident in a Ghost Land tem início com uma sequência de abertura de arrepiar a medula e de fazer ferver o sangue do espectador. Em seguida, Laugier “cozinha” seu público durante uns trinta minutos de sua narrativa, preparando o terreno para em seguida inserir um terço final que escancara a mão pesada e dolorosamente sádica do diretor, que sabe como ninguém judiar de seu público e de suas personagens femininas. Assim como em Mártires e no decepcionante O Homem das Sombras, são as mulheres quem protagonizam (sofrem) e triunfam dramaticamente neste novo pesadelo cinematográfico de Laugier, que consiste em mais uma porrada no estômago oriunda do cinema de horror francês.

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Resumindo, o fantasmagórico Incident in a Ghost Land conquista o público de imediato, seja pela brutalidade hipnotizante de sua sequência de abertura, ou pelo seu universo que transita entre o real e o imaginário, que prende o público na cadeira. Laugier instala um clima próprio e raramente visto no cinema: ambientes ao mesmo tempo familiares e estranhos, que incluem até uma revisita à história de Joãozinho e Maria que transformará para sempre a maneira com que você entende a fábula infantil. Violência insuportável, loucura, família… em um cenário de pesadelo digno dos cantos mais escuros da mente de um diretor sem medo de traumatizar seu público. Perder este Incident in a Ghost Land é um crime.

Incident in a Ghost Land ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar aos país diretamente através de serviços de streaming.

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