Crítica: Terra à Deriva (The Wandering Earth) | 2019

Terra à Deriva

Como o cinema é surpreendente! Há algumas noites atrás, me peguei completamente envolvido ao assistir esta aventura de ficção-cientifica onde um talentoso elenco de origem chinesa (todos falando em mandarim, é claro), interpretam um time de astronautas que tenta evitar que a Terra se choque com Júpiter (!). Após a inusitada experiência, fiquei sabendo que Terra à Deriva (The Wandering Earth, CHI, 2019), foi um tremendo sucesso de bilheteria em seu país de origem, rendendo mais de $300 milhões só na sua semana de estreia e cerca de $600 milhões até esta crítica ser escrita, e também obtive conhecimento de que a onipresente Netflix adquiriu o filme para distribuí-lo em seu sistema de streaming. Ou seja, eu não estou sozinho em minha opinião de que The Wandering Earth é um dos melhores e mais divertidos blockbusters que vejo em anos.

À princípio, a trama do filme soa familiar (e absurda). Duas equipes de astronautas lutam para salvar a Terra anos após seus governantes a transformarem em uma espaçonave, para que assim o planeta pudesse escapar da destruição que seria causada pela iminente morte do nosso sol. A primeira equipe é na realidade uma dupla: o queixo-quadrado Peiqiang Liu (Jing Wu) e seu companheiro cosmonauta Makarov (Arkady Sharogradsky). O segundo time é um pequeno grupo de exploradores liderados pelo briguento filho de Peiqiang, Qi Liu (Chuxio Qu) e seu animado parceiro Duoduo Han (Jinmai Zhao). Estas equipes passam boa parte do tempo, respectivamente, enfrentando MOSS, uma espécie de HAL 9000 chinês que está localizado em uma remota estação espacial e prejudicando o andamento da missão; e explorando um planeta Terra coberto pelo gelo em veículos all-terrain roubados (alguns destes veículos remetem aos do filme O Vingador do Futuro, principalmente os tanques que trazem brocas gigantes em sua composição).

Mas enquanto o diretor Frant Gwo e seu time de roteiristas misturam o livro do escritor Cixin Liu no qual o filme é baseado, com elementos dos filmes-catástrofe do cinemão americano como Armageddon (Michael Bay, 1998), O Dia Depois de Amanhã (Roland Emmerich, 2004) e Sunshine: Alerta Solar (Danny Boyle, 2007), eles também sintetizam tal mistura de uma maneira visualmente dinâmica e emocionalmente envolvente, que diferencia o filme de seus primos ocidentais, e o estabelece como um grande e genuíno exemplar da ficção-cientifica.

Ao invés de construir a história em cima de um herói solitário rodeado de coadjuvantes, Terra à Deriva distribui generosas doses de bravura para todos os personagens, cujos intérpretes incluem nomes bastante famosos do cinema chinês, como o astro de ação Jing Wu e o comediante Man-Tat Kg, além das novas estrelas Chuxio Qu e Jinmai Zhao. O roteiro, escrito a seis mãos, nunca valoriza apenas um herói, e nem mesmo usa um vilão como bode expiatório da trama (leia-se Matt Damon em Interestelar).

O filme valoriza demais o tema do trabalho em equipe, e o faz de maneira que supera a barreira das diferentes gerações. Tanto Peiqiang quanto Ng (atores que geralmente fazem papéis sérios nos filmes cômicos do superstar chinês Stephen Chow), são tratados com reverência por serem mais velhos e mais experientes, o que justifica a forte fibra moral de seus personagens. O entrosamento entre os veteranos e os astronautas mais jovens rendem maravilhas ao filme.

Terra à Deriva é visualmente maravilhoso, mais “bonito” do que a maioria dos blockbusters americanos, principalmente porque dá ao espectador espaço para respirar e admirar belíssimas tomadas de uma Terra distópica. Apesar de Gwo e seu time terem dado vida à sua expansiva visão do futuro com a ajuda de alguns estúdios de efeitos-visuais, incluindo a fortíssima Weta Workshop, eles de alguma forma conseguiram mesclar suas muitas influências de maneira ousada e estilosa, de forma que apenas cineastas como James Cameron e Steven Spielberg já conseguiram anteriormente.

Os criadores de Terra à Deriva ainda conseguem inserir vida nova nos clichês do gênero. Gwo e cia tomam um tempinho a mais para exibir seus raios-laser, controles de direção e juntas hidráulicas nos veículos e nos trajes espaciais, de forma que pareçam únicos. E de fato, desde a modesta sci-fi Prospect (cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), eu não via um cuidado tão grande nestes tipos de detalhes. Além disso tudo, a narrativa também explora de maneira detalhada o efeito do stress emocional da missão nos astronautas, e dos obstáculos naturais que os personagens devem superar enquanto tentam solucionar dilemas cientificamente bastante críveis (todos eles verificados pela Academia Chinesa de Ciências). Terra à Deriva pode não ser o próximo 2001: Uma Odisséia no Espaço, mas é tudo o que 2010: O Ano em que Faremos Contato deveria ter sido (e olha que eu gosto bastante do 2010).

Já se passaram umas duas semanas desde que vi este Terra à Deriva, e eu ainda me pego pensando em como o filme é bom. Não consigo me lembrar de outro blockbuster recente recheado de efeitos-especiais e de atmosfera tão vertiginosa, especialmente se levar em conta o espírito aventureiro de seus realizadores e sua atenção aos detalhes. Terra à Deriva veio para dizer que o futuro está aqui. E trata-se de um belo e perigoso futuro, simplesmente de abalar os nervos.

Terra à Deriva estreia no catálogo da Netflix no dia 30 de Abril.

4 respostas

    1. Olá Daniel, eu assisti ao filme em uma sessão especial fechada, não foi através de arquivos da internet. Não saberia te apontar onde encontrar as subs.
      Obrigado pela visita!

  1. Tinha visto algumas noticias referentes ao sucesso de bilheteria e fiquei mais curioso agora ao ler sua critica.
    Como atualizacao… a Netflix divlugou a estreia do filme no catalogo brasileiro para 30 de abril

  2. Gênero tão usado por norte-americanos, mais do que refeito, reimitado e levado às alturas pela equipe deste filmaço, é, sem sombra de dúvida, inusitado, grandioso, ótimo nas imagens todas, divertido e auspicioso como tratamento audacioso em Sci-fi dentre todos os inúmeros Blockbusters já lançados. Certamente, quase 10!

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