Crítica: Luz (2018)

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Mais um exemplar do Phenomena Festival 2018, festival que celebra o cinema fantástico e que neste ano é realizado de 26 de outubro a 04 de novembro em Paraty e São Paulo, este Luz (ALE, 2018), filme escrito e dirigido pelo estreante Tilman Singer, não é uma pedida de fácil digestão. Assim como o revolucionário The Laplace’s Demon, outro filme exibido no festival e cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli, Luz exige bastante de seu espectador. Nada convencional, Luz não é um filme para todos os públicos. O filme de Singer queima devagar, quase ao ponto do insuportável, é só se revela em sua verdadeira forma pouco antes dos créditos finais começarem a rolar. Mas não sem antes colocar seu público em uma espiral repleta de horrores psicotrópicos, onde som, visão e design operam em conjunto causando constante desconforto no espectador.

A bela Luana Velis protagoniza o filme no papel da personagem-título, Luz Carrara, que ganha a vida como motorista de táxi. Ela acabou de sofrer um acidente de carro, e caminha atordoada rumo à uma delegacia de aspecto arruinado. Bertillon (Nadja Stübiger, de Parkour, 2009), lidera a investigação; Dr. Rossini (Jan Bluthardt), atua como psiquiatra/interrogador, e Olarte (Johannes Benecke), como o tradutor/técnico de som. Luz senta-se à frente deles. Rossini a hipnotiza. E enquanto Luz revive os eventos daquela fatídica noite, seus observadores tentam descobrir a verdade em torno do desaparecimento de Nora Vanderkurt (Julia Riedler), a passageira de Luz na hora do acidente. E o que exatamente eles descobrem? Algumas respostas… e uma entidade demoníaca que vem caçando Luz durante toda sua vida.

O filme carrega uma sensação claustrofóbica, já que 75% da ação ocorre dentro da sala onde ocorre a sessão de hipnose. A produção então intercala as sequências onde Luz é “interrogada” pelo Dr. Rossini, que a manipula como quiser, com as cenas que retratam os eventos anteriores. A voz do doutor ecoa em um rádio imaginário dentro do “carro” de Luz, que na sala é replicado na forma de cadeiras enfileiradas. Velis imita todos os movimentos necessários para operar um táxi, desde operar o câmbio até o movimento de abaixar as janelas manualmente. Luz pode até estar sentada em frente à um microfone e um espelho retrovisor falso, porém a carga sensorial da situação permite uma total imersão, em que as memórias de Luz começam a transformar a sessão de hipnose e também o filme. É de fato um belo truque operado pelo diretor Singer, literalmente transformando o nada em um cenário tão relevante quanto qualquer outro. Vale ressaltar também o belo trabalho de Velis “operando” o táxi imaginário.

É claro que o filme não pode focar apenas na protagonista recontando seu acidente durante uma simulação hipnótica, então a narrativa de vez em quando volta à noite do acidente em questão, despejando mais algumas pistas sobre o que teria realmente ocorrido entre Luz e Nora, que como a trama em dado momento revela, foram colegas de escola. Rossini começa a se infiltrar nas nebulosas visões de Luz, para tentar separar o que é real do que pode ser apenas alucinação de sua “paciente”, ao mesmo tempo em que certos detalhes envolvendo o próprio doutor e a vítima desaparecida começam a surgir ao longo da trama.

O filme se sai melhor quando Singer mergulha de cabeça na penitenciária mental e nas experiências mentalmente suprimidas de sua protagonista. O início do filme é devagar e se arrasta bastante, o que pode irritar o espectador menos inclinado à este tipo de produção. Longos, estranhos silêncios permeiam mesmo as ações mais mundanas, e até a trilha-sonora transmite uma sensação incômoda. Contudo, o filme pode ser considerado um exemplar do novo horror arthouse, cuja fotografia e cenários compõem uma produção visualmente atraente. E Singer não se importa em abandonar o espectador perdido entre as pistas do que pode realmente ter acontecido em torno de Luz. Quando o bicho finalmente pega na meia hora final do filme e as coisas começam a fazer sentido, Luz não decepciona o fã de horror.

O elenco, apesar de desconhecido para o grande público, é excelente, e a raivosa performance de Jan Bluthardt se sobressai, especialmente nos momentos finais do filme, onde ele guia Luz em direção à seu “destino”. Velis também está ótima, assim como Benecke, que no papel do técnico de som que assiste à tudo de dentro de sua cabine à prova de som, representa o espectador, que revela-se aterrorizado e sem respostas quando o inferno começa a correr solto no local. Chega a ser um alívio descobrir que alguém está tão perdido quanto o público nesta situação toda. Luz apresenta alguns dos momentos mais sinistros que vi no cinema em 2018, uma vez que o filme por diversas vezes não se importa em justificar as ações de seus personagens e cujo roteiro ascende o material para uma experiência de nível experimental que desafia as fronteiras cinematográficas.

Resumindo este Luz em uma frase, trata-se de um insano mergulho nas águas do horror não-convencional, que vai ficando cada vez mais louco e mais forte a cada nova descoberta da trama. É horror em seu estado mais puro, onde um demônio no sentido mais literal da palavra persegue sua vítima de maneira incessante, com pinceladas que vão desde o cult Corrente do Mal (It Follows, 2014), até o pouco conhecido The Blackcoat’s Daughter (2015). Bem longe do mercado dos lançamentos comerciais, Luz é um existencial quebra-cabeça satânico que apesar da demora em pegar no breu, oferece uma nova e assustadora ótica ao horror moderno.

Luz não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas como mencionei, o filme é uma das atrações do Phenomena Festival 2018, que acontece de 26 de outubro a 04 de novembro em Paraty e São Paulo, e do qual sou membro do júri oficial.

https://www.youtube.com/watch?v=-mNnw1z9fnM

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