Crítica: Ocupantes (Occupants) | Entrevista com a roteirista Júlia Câmara

Há alguns dias, tive a oportunidade de conferir em primeira mão o thriller sci-fi Ocupantes (Occupants, EUA, 2015), um dos destaques do Rock Horror in Rio Film Festival 2018, em que o cinema fantástico caminha de mãos dadas com a boa e velha vibe do Rock n’ Roll. O evento acontece em Niterói (RJ) entre os dias 04 e 08 de abril, e o filme chega como um dos favoritos na categoria Longa de Terror. Serão exibidos ao todo 35 filmes inéditos, oriundos de 17 diferentes países.

O aspecto mais bacana em torno deste Ocupantes, pelo menos para nós brasileiros, é que o filme apesar de ser norte-americano, conta com um roteiro escrito pela brasileira Júlia Câmara, também cineasta, nascida e criada em São Paulo. Hoje vivendo em Los Angeles, Júlia escreveu e dirigiu vários curtas premiados, além de ter roteirizado a ficção-científica Área Q (Gerson Sanginitto, 2011), e o road movie Angie (Marcio Garcia, 2013).

Neste Ocupantes, dirigido por Russ Emanuel (do drama Chasing the Green, 2009), Júlia conta a história de Annie (Briana White), uma documentarista que ao lado do marido, Neil (Michael Pugliese), decidem fazer um documentário mostrando como eles reagem à um mês sem ingerir qualquer tipo de comida que não seja saudável. Para transmitir o procedimento via internet, o casal instala câmeras por toda a casa, sem nem sequer imaginar que estas mesmas câmeras começam a capturar uma versão paralela do próprio casal. Versão esta que aos poucos, passa a ameaçar suas vidas.

Vencedor de 42 prêmios em eventos internacionais, incluindo indicações nos importantes Los Angeles Cinema Festival, Berlin Sci-Fi FilmFest, New York Film Festival, e o Shriekfest Horror Film, Ocupantes é de fato executado com bastante criatividade. Apesar de beber na já saturada fonte do estilo found-footage, a produção remete àqueles bons e velhos episódios da série Além da Imaginação (The Twilight Zone), onde uma situação cotidiana ganha contornos que habitam o fantástico e a fantasia.

O roteiro de Câmara trabalha muito bem este aspecto da narrativa, e é seu roteiro, inclusive, a maior qualidade da produção, que deixa transparecer seu baixo orçamento em diversos momentos. Seja nos poucos efeitos-especiais ou mesmo no elenco, que apesar de esforçado deixa a desejar, principalmente Pugliese, cujo carisma não acompanha a beleza e a presença em cena de White. Quem também dá as caras em um papel secundário é o esquecido Robert Picardo, presente em produções de destaque na década de noventa, como Viagem Insólita (Innerspace, 1987) e Gremlins 2: A Nova Geração (Gremlins 2: The New Batch, 1990), ambos dirigidos por Joe Dante.

Apesar dos problemas, o filme ainda consegue dar certa relevância à questão de se tomar a decisão para se levar uma vida saudável, e creio que Câmara intencionalmente utiliza o tema de maneira metafórica (ou nem tanto) para evidenciar os efeitos de tal dieta no corpo e na mente, e seu filme pode até ser considerado o primeiro “Vegan Horror” do cinema, isso se não considerarmos o clássico podreira O Ataque dos Tomates Assassinos, é claro.

Brincadeiras à parte, Ocupantes é cinema inventivo feito na raça, fator que sempre deve ser levado em conta, especialmente pelo roteiro bem trabalhado pela roteirista brasileira, e por se tratar de uma alegoria sci-fi com pitadas de horror. À título de curiosidade, fiquei sabendo que entre outros projetos, Júlia trabalha atualmente no roteiro de uma sequência do filme. Fico curioso sobre o que pode pintar por aí.

Ocupantes será exibido dia 07 de abril no Rock Horror in Rio Film Festival, em sessão especial com a presença da roteirista Júlia Câmara, a quem tive a oportunidade de entrevistar esta semana, e cuja entrevista você confere logo abaixo do trailer:

ENTREVISTA: Júlia Câmara

Prestes a desembarcar no Brasil para a exibição especial de Ocupantes no Rock Horror in Rio Film Festival 2018, a roteirista brasileira Júlia Câmara concedeu com exclusividade algumas palavras para o Portal do Andreoli. Confira!

P.A.: Assistindo ao filme, senti uma vibe bem ao estilo do clássico seriado Além da Imaginação (The Twilight Zone) na produção. Gostaria de saber se houve alguma influência não propriamente do seriado, mas no geral, se algum material influencia seu trabalho como roteirista e diretora.

J.C.: Eu adoro Além da Imaginação. Com certeza a série é uma fonte de inspiração para mim. Assim como Tales From The Crypt (Contos da Cripta) e A Quinta Dimensão. Depois que vir morar nos EUA eu comecei a assistir Star Trek: Voyager, então foi mais do que especial poder trabalhar com Robert Picardo. Eu amo ficção científica e o Ocupantes é o meu segundo longa neste gênero. Eu procuro assistir tudo que eu puder achar neste gênero, com certeza. As histórias que eu gosto de contar normalmente começam com uma ideia de um personagem que consegue o que sempre quis, muitas vezes o impossível, mas isto sempre tem consequências inesperadas, nem sempre positivas. O que eu mais curto de ficção cientifica é a oportunidade de falar sobre questões humanas quando com elementos fantásticos.

P.A.: Como foi esta sua mudança para os EUA e quais os maiores desafios que você enfrentou antes de produzir seu primeiro trabalho por lá?

J.C.: Eu vim para os EUA fazer faculdade. Meu primeiro longa nos EUA foi o Área Q, que também é ficção cientifica. Todos os longas que eu fiz até agora foram ou coproduções Brasil-EUA ou produções completamente americanas. O maior desafio, até hoje, é sempre achar alguém que acredite no projeto tanto quanto você, ou que confie no seu trabalho. Foram praticamente dez anos até o meu primeiro longa sair. Tive que ouvir muito não, e correr muito atrás de contatos e pessoas que pudessem investir no meu trabalho.

P.A.: Você participou ativamente das filmagens da produção? Algum aspecto que você gostaria de destacar nesta colaboração com o diretor Russ Emanuel?

J.C.: Eu trabalhei bastante com o Russ e com o nosso produtor, Howard Nash, na fase de desenvolvimento do roteiro. Deu para perceber logo no começo que tínhamos uma visão muito parecida de como a história deveria ser contada. Eu acabei a última versão do roteiro no dia 18 de abril de 2014. No dia 27 de abril a minha nasceu, então enquanto a equipe trabalhava na pré-produção, eu estava completamente dedicada à minha pequena. Em setembro as filmagens começaram, e eu estava ainda em licença maternidade. Mas fiz questão de ir visitar o set algumas vezes. Eu acabei até levando a minha filha, que tinha uns cinco meses na época, comigo. Para mim estar no set é sempre uma chance de poder aprender um pouco mais. Principalmente se não estou no set como diretora. Foi muito bom ver o processo do Russ de dirigir atores, lidar com a equipe e construir um ambiente de trabalho muito profissional e eficaz. Depois do filme feito, Russ e eu tivemos a chance de realmente nos conhecermos já que levamos o filme para várias convenções como a San Diego Comicon, Rose City Comicon e Phoenix Comicon. O Ocupantes também passou em vários festivais de cinema nos EUA, então nós embarcamos juntos na turnê mundial Ocupantes, indo para várias cidades diferentes e participando de palestras e entrevistas. Foram nesses eventos todos que a ideia de uma sequência para o Ocupantes surgiu.

Júlia (esq.) ao lado do diretor Russ Emanuel e dos protagonistas Briana White e Michael Pugliese

P.A.: Quais você acha que são os motivos que impedem o Brasil de ter uma indústria ativa dos gêneros horror e ficção-científica?

J.C.: Os gêneros de terror e ficção cientifica sempre foram meio vistos como menos nobres do que drama. Infelizmente esta é uma realidade meio mundial. Mas os fãs desses gêneros são muito fieis e procuram material e cineastas que apostam no gênero. É sempre uma batalha em qualquer país para estes gêneros serem levados a sério. Talvez agora com o sucesso e prestígio de Get Out (Corra!, cuja crítica você pode conferir aqui no Portal do Andreoli), os filmes desses gêneros comecem a ser mais respeitados. A verdade é que eles fazem sucesso no mundo inteiro. Existem uma linguagem meio universal do terror e ficção cientifica que transcende diferenças culturais. Mas é difícil para os críticos aceitarem que estes filmes têm valor artístico.

P.A.: Esta dificuldade em produzir no Brasil foi um dos motivos que a fizeram tentar a sorte nos EUA? Quais as principais diferenças entre estes dois mercados?

J.C.: Quando eu vim para os EUA as oportunidades de fazer cinema no Brasil eram quase inexistentes. Eu vim para estudar cinema e fui aprendendo e apanhando por aqui. Existe dificuldade de produzir um filme sempre, acho que em qualquer país, por isso tendo a escrever filmes que possam ser feitos com orçamentos mais baixos. Acho que uma das grandes diferenças entres os dois mercados é o tamanho. A quantidade de filmes e séries de televisão que são produzidas nos EUA é muito maior do que no Brasil. O Brasil também não tem a tradição que os cineastas independentes criaram aqui nos EUA de fazer um filme acontecer com um orçamento praticamente zero. Apesar de agora eu querer me concentrar em projetos maiores, eu curto muito o estilo Do It Yourself de fazer cinema.

P.A.: Vi que você está trabalhando atualmente em uma sequência de Ocupantes. O que esperar desta continuação?

J.C.: A história e o universo de Ocupantes 2 são bem maiores que do primeiro filme. Com certeza vai ser um desafio bem maior do que o primeiro filme foi. Vou responder à questão feita no final do primeiro filme e revelar um outro universo paralelo. A sequência vai ter mais Robert Picardo, algo que os fãs de Star Trek têm pedido muito. Tem novos personagens e uma exploração maior das questões morais de interferir com outros universos.

2 respostas

    1. Trata-se de um filme bem interessante. Simples e bem executado.
      Obrigado pela visita e pelos comments, querida.
      Volte sempre ao Portal do Andreoli.

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