Crítica: Parasite (Gisaengchung) | 2019

Pelo menos nos últimos dois anos, a Coréia do Sul tornou-se bastante famosa graças ao K-Pop, subgênero musical surgido no país e cujos representantes são jovens cantores e dançarinos. São resumidamente, boybands ao estilo New Kids on the Block e Backstreet Boys porém sul-coreanas e também do gênero feminino. Tal fenômeno pop entretanto, mascarou o verdadeiro motivo pelo qual a Coréia do Sul vinha sendo reconhecida anteriormente no âmbito do entretenimento: Seu cinema de suspense. Praticamente uma powerhouse do gênero, o cinema de suspense sul-coreano tem, desde o início da década de 2000, lançado thrillers tão consistentes e eletrizantes, que facilmente já figuram entre os melhores do cinema mundial.

Foi dos thrillers sul-coreanos que surgiram para o mundo grandes cineastas que também ganharam projeção mundial. O mais famoso deles é Chan-wook Park, diretor da obra-prima Oldboy (2002), e de filmaços como A Criada (Handmaiden, 2016) e Sede de Sangue (Thirst, 2009). Outro grande nome é Hong-jin Na, diretor de meu thriller favorito, o eletrizante The Chaser: O Caçador (2008), e também do excepcional O Lamento (The Wailing, 2016); além de Jee-woon Kim, do nervoso Eu Vi o Diabo (I Saw the Devil, 2010) e Medo (A Tale of Two Sisters, 2003).

Dentre estes e outros bons cineastas do país que eu não cheguei a citar, meu diretor favorito é Joon-ho Bong, que mesmo tendo dirigido filmes levemente inferiores aos citados acima, ainda assim foi capaz de me marcar profundamente com suas produções, entre elas o “filme de monstro” O Hospedeiro (The Host, 2006), o suspense Memórias de um Assassino (2003), a sci-fi O Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013), e mais recentemente, em 2017, a produção da Netflix, Okja, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli. E Joon-ho Bong retorna este ano com Parasite (Gisaengchung, 2019), filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, e que se consagra como o melhor filme deste fenomenal cineasta. À propósito, Parasite foi o primeiro filme sul-coreano da história a ganhar a Palma de Ouro em Cannes.

Bastam cinco minutos de filme para perceber que as coisas não andam nada bem para a família do quarentão Ki-taek (o excepcional Song Kang-ho, colaborador habitual do diretor). Vivendo em um porão de um dos bairros mais pobres de Seul, eles roubam o wi-fi dos vizinhos e juntam papelão como forma de arrecadar algum dinheiro extra. Não é nada fácil, mas sua esposa Chung-sook (Jang Hye-jin), seu filho Ki-woo (Choi Woo-shik), e sua filha Kim-jung (Park So-dam), não desanimam. Eles apenas fazem o que têm de fazer para sobreviver e riem uns com os outros sempre que a ocasião permite. Os Ki-taek, mesmo que nunca seja dito em voz alta, aguardam uma improvável oportunidade de mudar a sorte da familia, que faz da famosa “malandragem” seu modus-operandi. Sim, Ki-taek e seu clã são golpistas, mas Joon-ho tem habilidades cinematográficas em suas mangas que garanto, farão você repensar os seus valores e a maneira como enxerga os Ki-taek.

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O esquema que vem para mudar o destino da família começa quando um amigo de longa data de Ki-taek, oferece a ele a chance de assumir seu lugar em um lucrativo trabalho como tutor. Ele está partindo para fora do país para estudar e precisa de alguém que possa substituí-lo e ao mesmo tempo não arruinar o affair clandestino que ele está vivendo com a adolescente Da-hye (Jung Ziso). Ki-taek nunca frequentou a universidade, mas como já tentou fazer o vestibular quatro vezes e fracassou em todas, ele sabe o suficiente para interpretar o papel. Da-hye é filha do poderoso Mr. Park (Sun-kyun Lee), um influente executivo, e sua família vive em uma bela e moderna mansão na parte rica de Seul. (Joon-ho faz questão de definir visualmente que a família de Ki-taek está bem no fundo da cadeia econômica da sociedade).

O que ajuda nos esforços de Ki-taek é o fato de que Yeon-kyo (Cho Yeo-jeong), mãe de Da-hye, é incrivelmente ingênua. Ela não questiona as habilidades acadêmicas de Ki-taek e logo permite que uma “conhecida” dele seja a tutora de seu filho artisticamente talentoso porém hiperativo. Na verdade, a tal “tutora” é a irmã (também golpista) de Ki-taek, que assim como o restante da família, também quer o seu lugar ao sol. Com o terreno devidamente preparado, a família Ki-taek embarca de vez em um instigante plano para inserir Ki-taek e sua irmã em posições permanentes dentro da casa de Mr. Park.

As habilidades do diretor Joon-ho são quase que inigualáveis quando o assunto é retratar um elaborado esquema de malandragem. Parasite não só é imensamente divertido como aos poucos coloca o espectador ao lado de Ki-taek e sua família, torcendo por eles. Oras, e porquê você não torceria? A família Park é esnobe e pouco valoriza a vida privilegiada que vivem. Quem liga se algum deles se machucar ao longo do caminho? Porém, quando o plano de Ki-taek de infestar a família Park parece estar indo perfeitamente bem, novas e inesperadas figuras entram em cena e complicam (e muito) o planejamento de Ki-taek, com resultados totalmente imprevisíveis.

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Falar mais alguma coisa sobre o filme arruinaria as geniais reviravoltas que Joon-ho criou neste Parasite. De uma perspectiva da narrativa, elas são nada menos do que soberbas, mas não pela maneira com que elas tecnicamente movem a história adiante, mas sim pelo modo com que Joon-ho ataca as convenções familiares e as diferenças sociais e econômicas de seu país. Em Parasite, não há um meio-termo para o qual a família de Ki-taek possa ascender. Ou você é rico, ou você é pobre, ponto final. E afinal, quando pensamos neste escopo na nossa vida cotidiana, Joon-ho não poderia estar mais próximo da verdade: Os ricos sempre pensarão, secretamente ou não, o pior sobre os menos favorecidos. O pobre existe para servir, e as necessidades dos abastados sempre virão em primeiro lugar.

Obviamente, isso não é novidade para ninguém. Mas não é sempre que um cineasta encontra uma maneira de retratar esta luta de classes em cores tão únicas, divisivas e polêmicas. Com exceção das duas crianças, praticamente ninguém no filme sai livre ou tem salvo-conduto. Todos, sem exceções, cometem algum ato hipócrita ou desprezível. É uma verdadeira balbúrdia, onde todos são responsáveis de alguma maneira. Pessoas fazem o que precisam para ter o que querem, e quando você constatar que o “Parasita” em questão talvez não seja Ki-taek e sua família, é que o grande plano de Joon-ho Bong implacavelmente ganha vida.

Parasite ainda não tem data de estreia nos cinemas brasileiros, mas deve ganhar um lançamento no segundo semestre de 2019.

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