Crítica: O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer)

Durante uma coletiva de imprensa no Festival de Cannes deste ano, o cineasta grego Yorgos Lanthimos (do pauleira Dente Canino, 2009), declarou que este seu novo filme, O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, Reino Unido/Irlanda, 2017), era para ser originariamente uma comédia. O diretor, entretanto, declarou também que quando os atores chegam ao set e o filme vai para a sala de edição, algo completamente novo pode surgir. E apesar de existirem alguns risos nervosos no filme de Lanthimos, seu primeiro depois do elogiado O Lagosta (The Lobster, 2015), o resultado final da produção é um fascinante e perturbador drama, que deixará o público cambaleando.

No centro do conto de Lanthimos está Steven Murphy (Colin Farrell, incrível), um dos mais conceituados cardiologistas do país, que à princípio, parece estar vivendo uma idílica existência suburbana. Sua esposa, Anna (Nicole Kidman, perfeita), também é uma médica bem sucedida, e o casal tem dois filhos, a adolescente Kim (Raffey Cassidy, de Aliados), e o mais novo, Bob (Sunny Suljic, do suspense The Unspoken). Curiosamente, Steven tem também um estranho relacionamento com um adolescente mais velho, Martin (um arrepiante Barry Keoghan, do vindouro Dunkirk, de Christopher Nolan).

Eles se encontram em uma lanchonete, e às vezes conversam à beira de um rio. Steven apresenta Martin à um colega de trabalho, como um amigo de sua filha, o que não é verdade. Martin ocasionalmente aparece na casa do casal de protagonistas para jantar, mesmo que a natureza de seu relacionamento com Steven não esteja claro para a família. Tanto para a família, quanto para os colegas de trabalho de Steven, a situação é um tanto estranha e incômoda, apesar de ninguém tocar no assunto. Afinal, por que alguém acreditaria que um homem de bom coração e pilar da comunidade como Steven, estaria escondendo algo de alguém?

A questão é que, com o passar do tempo, Martin vai se revelando cada vez mais psicologicamente perturbado. O personagem se torna cada vez mais obcecado com Steven, e Lanthimos não tem nenhum problema em insinuar que há algo de inapropriado no relacionamento que ocorre entre os dois. E é esta esquisita e nunca totalmente revelada relação entre Steven e Martin, que dá o tom dos perturbadores eventos que vem em seguida (e acreditem, minha narração a seguir não tem nenhum spoiler envolvendo o destino final do roteiro do próprio Lanthimos em parceria com Efthymis Filippou, colaborador habitual do diretor).

As coisas tomam um rumo desconcertante quando Martin aparece inesperadamente no local de trabalho de Steven, fazendo acusações e insinuando o envolvimento sexual entre ele e sua mãe (uma Alicia Silverstone praticamente irreconhecível). Porém, há um método calculista por trás dos esquemas de Martin, cujo pai faleceu devido à complicações decorrentes de uma cirurgia de coração, performada sob a orientação de Steven, que por sua vez, parece carregar um sentimento de culpa pelo ocorrido, uma vez que o doutor continua a satisfazer os pedidos cada vez mais bizarros de Martin.

E quando Steven informa Martin de que ele não tem a menor intenção de deixar sua esposa e família para recomeçar sua vida com Martin e sua mãe, Lanthimos se arrisca dramaticamente por sua narrativa. Como uma espécie de profeta bíblico com total confiança em suas convicções, Martin calmamente informa Steven que um dos membros de sua família deve morrer. E se o cirurgião não fizer a escolha de matar um deles, as mortes ocorrerão esporadicamente e fora do controle do médico. À princípio a ameaça parece completamente absurda, até que acontecimentos ainda mais estranhos e inexplicáveis, começam a acontecer com o doutor e sua família, numa sequência de acontecimentos tão bizarros, que superam até as esquisitices presentes na forte e polêmica filmografia do diretor Lanthimos.

Em muitos aspectos, O Sacrifício do Cervo Sagrado é a variação do diretor para o sensacional thriller Violência Gratuita (Funny Games), dirigido pelo genial diretor alemão Michael Haneke em 1997, e que ganhou uma refilmagem americana dirigida pelo próprio Haneke em 2007. Uma produção que consiste em um jogo de moralidade onde não há controle, nem escolhas fáceis, e muito menos final feliz.

A diferença é que enquanto Haneke brincou com a inevitabilidade da morte, Lanthimos foca em fazer com que o horror recém presenciado pelo público, permaneça na cabeça do espectador e também dos personagens em cena. O insano diretor grego não quer apenas fazer com que o público sinta repulsa, ele quer a completa devastação emocional do mesmo. O Sacrifício do Cervo Sagrado é um bem aplicado soco no estômago do espectador, que ao contrário do que Lanthimos imaginava enquanto concebia a obra, não tem absolutamente nada de engraçado.

O Sacrifício do Cervo Sagrado estreia nos cinemas brasileiros no dia 08 de Fevereiro de 2018.

3 respostas

  1. O melhor crítico do nosso pais, com uma escrita maravilhosa nos deixando curiosos por esse super lançamento do polêmico e genial diretor grego Yorgos Lanthimos, que não cansa de socar o estomâgo de quem assiste a seus filmes, um mais louco e interessante que outro.
    Parabéns Edu.

  2. bom vi hoje o filme
    e achei interessante prende a atenção e mostra bem que o que se passa nos lares só eles que sabem.
    cada familia tem suas loucuras os amis certinhos costumam ser os piores.
    o que me irritou mesmo foi não saber que por…. o moleque fez para que as crianças ficassem paralíticos ele é só um um adolescente revoltado como ele comandava eles?????
    isso não tem como explicar fora isso tem um texto interessante mostrando que tudo que fazemos de mal para alguém sempre tem retorno nada fica debaixo dos panos para sempre.

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