Crítica: The Laplace’s Demon (2017)

The Laplace's Demon

Ao lado do thriller Cam (cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), este The Laplace’s Demon (Itália, 2017), figura como um dos melhores filmes do Phenomena Festival 2018, realizado de 26 a 28 de outubro em Paraty, e de 01 a 04 de novembro em São Paulo. Tive a honra de ser convidado para compor o júri oficial do festival, e dentre tantos novos exemplares do cinema fantástico inscritos na premiação, o filme dirigido por Giordano Giulivi (diretor sem maiores referências), parece habitar um mundo à parte, dada sua natureza e concepção original e inusitada.

Já não é de hoje que as imitações e a falta de originalidade do horror moderno me incomodam profundamente (leia-se remakes, torture-porn, found footage, etc.) Já vi tanta coisa dentro do gênero que fica difícil não me encantar quando algo tão incrível e criativo como The Laplace’s Demon aparece na minha frente. Ao mesmo tempo, tenho plena consciência de que o filme não é para todos os públicos. Trata-se de uma produção intelectual, que aborda e discorre sobre tópicos como o livre-arbítrio e o mundo mágico da matemática, enquanto se aprofunda na ciência de se tentar prever o comportamento humano.

O filme apresenta ao público sete cientistas, todos trabalhando para a mesma empresa. Eles estão em um barco, comandado pelo experiente capitão Alfred (Simone Moscato), com o objetivo de participar de um experimento sob a avaliação de um certo Professor Cornelius. Naturalmente, nenhuma destas pessoas conhece o tal professor, mas por curiosidade a obrigação, eles acabam topando a empreitada. Eles chegam até uma cavernosa e misteriosa mansão, cuja única saída é um elevador trancado, recebem algumas pistas através de uma fita VHS, e mais importante, uma detalhada maquete em escala da própria mansão, onde peças de xadrez representam cada um deles. A questão é que as tais peças de xadrez movem-se dentro da mini-mansão em tempo real e em concordância com o movimento dos hóspedes que elas representam. Tal cenário coloca os cientistas participantes em um jogo repleto de mistério, perigo e desaparecimentos, onde a inteligência e a sagacidade para o jogo de cada um deles, pode significar a diferença entre a vida e a morte.

A tagline no pôster do filme diz que “Você acreditará que um homem pode voar”. Há inclusive uma ótima sequência em que acontece uma discussão sobre o tema, mas curiosamente, me peguei pensando mais sobre a própria proposta do filme, que pode ser resumida em; “Você acreditará que assistir pessoas observando peças de xadrez pode ser uma verdadeira aula de suspense”. E é a mais pura verdade. Quando as coisas começam a acontecer, e os personagens passam a refletir os movimentos das peças no modelo, o espectador verá muito pouco dos eventos reais representados pelas peças de xadrez. O filme coloca o espectador assistindo as peças de xadrez se movendo e também as reações dos personagens que estão fazendo o mesmo: assistindo as peças se moverem. Deu pra sacar???

Se alguém me dissesse que este seria o conceito central do filme e que o mesmo seria capaz de levar o público ao limite do suspense (e de sua cadeira), com certeza eu chamaria essa pessoa de louco. No entanto, aqui estamos. Fica bem nítido que os cineastas por trás de The Laplace’s Demon são fãs do clássico Desafio do Além (The Haunting), suspense dirigido por Robert Wise em 1963. A fotografia em preto e branco, a utilização de múltiplos personagens em vários níveis de uma mesma cena, e o famoso “quanto menos você souber, mais assustador será”, tudo parece remeter ao antológico citado trabalho de Wise, tudo com muito respeito.

Houveram momentos (vários, inclusive), em que me peguei completamente absorto e empolgado com o filme, como há muito não me acontecia. Um destes momentos é quando o grupo descobre um quadro escondido. A sequência inteira é absolutamente insana, mas tão bem feita, que é impossível conter a empolgação e não se maravilhar com a execução do diretor Giulivi. Há também uma reviravolta (o famoso plot twist) no final, e ainda que não tenha sido exatamente um choque, foi um momento divertido… até se tornar algo excelente. Giulivi (também responsável pelo roteiro), leva o público em uma direção, para em seguida revisitar um breve momento do início do filme e puxar o tapete do espectador, concluindo o filme de maneira absolutamente perfeita e chocante. Bravo!

O elenco é ótimo, apesar de não trazer nenhum nome conhecido, e o filme não gasta tempo no desenvolvimento dos personagens. Entretanto, quando o espectador se conscientiza de que o foco do filme está no enredo e nas suas intrincadas estruturas, conhecer tais personagens torna-se irrelevante. O que não quer dizer que eles não sejam interessantes. Giulivi e companhia estão mesmo envolvidos em guiar e manipular o público para que vejam e foquem no que aqui acaba sendo mais importante: as maravilhosas reviravoltas do filme.

O filme apenas demora um pouquinho para engatar a quinta marcha, talvez devido ao idioma ser o italiano na maior parte do tempo (com tantos filmes norte-americanos sempre é um pouco complicado se aclimatar ao assistir um filme com outro idioma que não seja o inglês), e também pelo fato do filme ser concebido em um preto e branco altamente estilizado. O espectador comum precisará de alguns minutos para se ajustar ao filme, mas uma vez que o público se acostuma à estes aspectos, as coisas começam a se aquecer, e nada mais impede a jornada da produção que se torna algo realmente espetacular. O filme exala suspense o tempo inteiro, e mesmo que em determinados momentos o que vem à seguir não seja segredo para ninguém, tanto público quanto personagens não conseguem evitar a sensação de contínua ansiedade.

Sem exagero algum de minha parte, The Laplace’s Demon é uma pequena obra-prima a ser descoberta, uma aula cinematográfica que envolve manipulação, estilo, suspense de roer as unhas e enredo estruturado de maneira impressionante. Não perca este por nada!

The Laplace’s Demon não tem previsão de estreia no Brasil, mas conforme comentei, o filme é um dos destaques do Phenomena Festival 2018, que acontece em Paraty e São Paulo de 26 de outubro a 04 de novembro.

Uma resposta

  1. Achei o trailer bem interessante, como se fosse uma espécie de Sin City, situado numa casa sinistra. Fiquei curioso pra ver esse filme, porém não encontro em lugar algum.

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