Crítica: The Stand – Série Completa (2020)

Esta é a primeira vez em quase cinco anos como colunista de cinema aqui do Portal do Andreoli, que falo sobre uma série de TV. O motivo que me levou a escrever esta crítica é simples: A Dança da Morte (título em português da obra) é meu livro favorito do meu escritor favorito, o mestre Stephen King. Publicada em 1978, a epopeia definitiva sobre o embate entre o bem e o mal escrita por King já tinha portentosas 823 páginas. Em 1990, King relançou a obra revista e ampliada para um total de 1308 páginas, e é esta versão que me transformou em um então fã mirim de King, além de ser uma obra literária a qual revisitei várias vezes ao longo da vida.

Em 1994, a rede CBS bancou uma ousada e grandiosa minissérie em quatro episódios baseada no livro, com um forte elenco de nomes como Gary Sinise, Molly Ringwald e Rob Lowe, entre outros. A direção ficou à cargo de Mick Garris, que ao longo da carreira dirigiu várias obras de King para o cinema e TV, como o horror Sonâmbulos (1992), a minissérie O Iluminado (1997), e o eficiente thriller Montado na Bala (2004), entre outros. O roteiro da série foi escrito pelo próprio King, mas isso não foi suficiente para tornar a série mais do que apenas mediana. Revendo a minissérie recentemente, é nítido que a produção está pesadamente datada, especialmente nos efeitos-visuais e no sentimentalismo quase insuportável. Porém, confesso que sou fã da série, mesmo que reconheça que muito deste apreço se deve à minha memória afetiva.

Desde o início dos anos 2000, muito se falou sobre uma nova versão desta que é uma das mais amadas obras de King. Durante muito tempo, foi falado que esta nova versão seria lançada nos cinemas, com nomes como Ben Affleck, Matt Damon e Julia Roberts no elenco. Aos poucos a história foi sendo esquecida, até ser eliminada da lista de produções vindouras de Hollywood. Anos depois, com a chegada da era de ouro da TV americana e suas séries de cada vez maior qualidade, A Dança da Morte voltou a interessar os produtores relacionados à TV e serviços de streaming, até que finalmente, Josh Boone (diretor de filmes como A Culpa é das Estrelas e Os Novos Mutantes) e Benjamin Cavell (roteirista de séries como Justified e SEAL Team), abraçaram o projeto e finalmente o tiraram do papel. Nasceu esta The Stand (EUA, 2020-2021), série que infelizmente, falha em adaptar a essência da história de King, conseguindo ser inferior à adaptação anterior.

Para quem não conhece a história, The Stand traz uma ideia simples, porém de desenvolvimento complexo, cuja fundação da trama ressoa mais forte nestes tempos de Covid-19. Um vírus de laboratório escapa de uma instalação militar e elimina 99,9% da população mundial, através de uma supergripe incontrolável que é batizada de Captain Trips. Os sobreviventes passam então a ser “convocados” por duas forças completamente opostas: O Bem, personificado por Mãe Abigail (Whoopi Goldberg) uma senhora negra de 108 anos de idade, e o Mal, personificado pelo sinistro e egocêntrico Randall Flagg (Alexander Skarsgard, de Noite de Lobos). Através de sonhos premonitórios, os sobreviventes são atraídos na direção destas duas figuras. Enquanto que os sobreviventes chamados por Mãe Abigail se concentram em Boulder, no estado do Colorado, e tentam reerguer a vida em sociedade, os novos súditos de Randall Flagg se concentram em Las Vegas, agora chamada de Nova Vegas, um verdadeiro antro de perdição. O plano de Flagg e seus seguidores não inclui exatamente recomeçar uma nova sociedade, mas sim destruir completamente a comunidade formada em torno de sua nêmesis Abigail, e assim reinar absoluto em uma Terra pós-apocalíptica.

Resumidamente, The Stand narra a batalha derradeira entre o bem e o mal, e obviamente, Mãe Abigail e Randall Flagg são canais para que o poder divino e o poder satânico, respectivamente é claro, se manifestem para os sobreviventes. Tanto no livro quanto na minissérie de 1994, a melhor parcela da história está em sua metade inicial, que acompanha justamente a proliferação do vírus e o fim de praticamente toda a raça humana. E é aí que esta versão começa a desandar. Boone e Cavell, na pior da decisões possíveis, investem em um vai-e-vem narrativo que mostra simultaneamente o início da disseminação da praga, e a vida dos personagens sobreviventes já no pós-epidemia, no decorrer do confronto que está prestes a ser deflagrado entre os escolhidos de ambos os lados. Ao tomar esta decisão, Boone e Cavell eliminam boa parte do impacto da história e do suspense, já que quando a trama chega nos finalmentes, pouco foi construído em torno dos personagens e fica difícil uma identificação com eles. E acreditem, são MUITOS personagens.

O próprio King disse que quando escreveu o livro, quase enlouqueceu com o desenvolvimento de um número enorme de personagens, tanto principais quanto secundários. Em The Stand não é diferente, já que a série tem inacreditáveis 125 personagens com algum diálogo na série. The Stand vive e morre em seus personagens. Alguns são muito bem construídos, como o protagonista Stu (James Marsden) e a jovem Frannie (Odessa Young, de Assassination Nation), que mais adiante na trama formam um casal cujo destino é de enorme importância para o futuro da raça humana. Personagens secundários como Glen Bateman (Greg Kinnear, de Missão no Mar Vermelho), Nadine Cross (Amber Heard) e Harold Lauder (Owen Teague, do thriller I See You), também são bem desenvolvidos e interpretados. Inclusive, é de Teague a melhor performance da série, no papel de um jovem problemático cuja trajetória ao longo da história toma um rumo sombrio e trágico.

Contudo, diversos personagens vitais para a trama são terrivelmente desperdiçados, como a própria Mãe Abigail, tão bem retratada por Ruby Dee na série de 94, e que aqui nunca é tratada com o respeito que merece. Chega a dar dor no coração ver uma personagem tão boa e interpretada por uma atriz tão talentosa, ser relegada aos confins do roteiro. O mesmo pode ser dito daquele que talvez seja o nome mais famoso do elenco, Ezra Miller, que interpreta o maluco pirotécnico Trashcan Man. Mesmo aparecendo em poucos episódios (apenas três dos nove), seu personagem em nenhum momento ganha as camadas que tinha no livro, sem falar na péssima, PÉSSIMA atuação de Miller, que passa a maior parte do tempo gritando feito um idiota e babando em cena. Mas esta abordagem equivocada de Miller em torno do personagem não é só culpa do ator. Boone e Cavell nunca acertam no tom da série. A narrativa vai de zero a cem incessantemente, numa verdadeira montanha-russa histriônica que ao invés de excitar, cansa e irrita. O próprio Randall Flagg também sofre com a alternância de tons, tanto que Skarsgard brilha em certos momentos, e soa medíodre em outros. Aqui, definitivamente, a culpa não pode ser colocada nas costas do ator.

Durante a exibição da série, muito se falou sobre o episódio final, que seria escrito pelo mestre King em pessoa. King declarou que havia escrito uma nova conclusão, diferente do livro, e que era algo que ele há muito queria fazer. A questão é que nem mesmo King conseguiu escapar do lugar-comum. A ideia em torno do episódio até era boa; uma forma de encapsular a guerra entre o bem e o mal de forma mais íntima e diretamente ligada à dois personagens-chave da série. A ideia porém não funciona como deveria, mesmo apesar do esforço do elenco. A sequência final do episódio, por si só, é simplesmente vexatória.

The Stand tem algumas referências bem bacanas, seja ao trabalho de King no livro, ou principalmente relacionadas à série de 94. O próprio Mick Garris faz uma ponta, além de canções da trilha-sonora, como a sensacional “Don’t Fear the Reaper”, da banda Blue Oyster Cult, que está presente na excelente abertura da série anterior. É curioso e ao mesmo triste, observar que esta The Stand não traz uma sequência memorável sequer. Elas estão presentes aos montes no livro, e mesmo a série de Garris, datada e com tantos defeitos, traz várias sequências que são inesquecíveis para o fã da obra, como a citada abertura, a sequência ao som de “Don’t Dream It’s Over”, da banda Crowded House, que toca enquanto são mostradas imagens do fim do mundo, e a investida final dos discípulos de Mãe Abigail, que embarcam em uma caminhada sem volta ao território de Flagg. Esta The Stand é uma série apocalíptica que nunca soa derradeira. É uma série sobre a luta entre o bem e o mal mas que nunca nos faz realmente torcer pelos mocinhos. É uma série baseada na maior obra literária do mestre Stephen King, mas que nunca faz jus ao material no qual é baseada. Uma pena.

The Stand está disponível nas plataformas digitais.

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Imagens: CBS All Access e Paramount +.

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