Crítica: Tone-Deaf (2019)

O diretor e roteirista Richard Bates, Jr., apesar de desconhecido do grande público, já possui uma carreira e tanto no currículo, que mais parece uma montanha-russa. Depois de aparecer bem na cena do horror independente em 2012, com o ótimo Excision, ele se arriscou novamente nas telonas em 2014, com o decepcionante Suburban Gothic. Ele então se redimiu em 2016 com o inteligente Trash Fire, e retorna este ano com este Tone-Deaf (EUA, 2019), um filme que é tão inconstante quanto a carreira de seu diretor. Tone-Deaf caminha boa parte do tempo sem rumo durante seus 86 minutos de duração, até chegar à um fraco duelo entre seus dois protagonistas. Trata-se de uma decepção, para dizer o mínimo, especialmente quando você sabe que Bates é capaz de muito mais.

Depois de perder seu emprego e implodir seu mais recente relacionamento disfuncional, a jovem Olive (Amanda Crew, de Premonição 3 e Evocando Espíritos), deixa a cidade para um final de semana de paz no interior, mas acaba descobrindo outros tipos de problemas. Ela aluga uma excêntrica casinha rural de Harvey (Robert Patrick, o eterno T-1000 de O Exterminador do Futuro 2), um viúvo antiquado que luta para esconder suas tendências psicopatas. Não demora para estas duas gerações completamente diferentes entrarem em atrito, no que se revela um filme de horror sobre a invasão da privacidade, que tenta criticar os bizarros climas cultural e político que existem nos Estados Unidos dos dias atuais.

No papel, Tone-Deaf soa como um tremendo filme. O material é repleto de potencial para a sátira, mas infelizmente a produção revela-se pouco esperta, engraçada ou assustadora, sendo que nunca fica claro qual das três opções Bates tentava atingir. A geração dos millenials (da qual Olive faz parte), é um alvo fácil, mas Tone-Deaf prefere optar pelas piadas mais óbvias possíveis, com o objetivo de brincar com este grupo em particular (o vício nos celulares permeia a narrativa o tempo todo, por exemplo).

O mesmo vale para o velhaco interpretado por Patrick, que é essencialmente uma versão psicopata do personagem de Clint Eastwood em Gran Torino. Frequentemente quebrando a quarta parede para ensinar ao espectador sobre a inutilidade dos jovens de hoje, Harvey passa a maior parte do filme seguindo Olive perto de sua casa ou pela cidade. Mas assim como Olive, ele é tratado como uma caricatura pelo roteiro, que toda vez que tenta fazer uma crítica social, é tão explícito que chega a doer. Às vezes o filme até arranca algumas risadas, mas a grande maioria das piadas não funciona.

Tone-Deaf também tem alguns problemas estruturais. O filme dedica seu primeiro ato para a demissão de Olive e sua eventual decisão de ficar na casa de Harvey, porém a maior parte do segundo ato é desperdiçada enquanto acompanhamos Olive na casa, comendo macarrão ou viajando depois de provar LSD (esta uma das melhores cenas do filme). Também nunca fica muito claro porque Harvey demora tanto para fazer sua investida em Olive (a razão pode ser o fato de que Bates estava guardando qualquer coisa interessante para o clímax de seu filme). Harvey comete seu primeiro assassinato no início do filme, mas depois não faz relativamente nada ao longo da produção, a não ser dar um susto em Olive utilizando uma aranha. Esta falta de ação torna o filme uma experiência sonífera. Não acontece muita coisa em Tone-Deaf.

Por sorte, Bates ainda mostra talento como diretor. O filme é muito bem fotografado e a edição é leve, fluida. Bates consegue construir um bom primeiro ato para seu filme, dando ao público uma chance de conhecer Olive e suas amigas (interpretadas por Hayley Marie Norman e AnnaLynne McCord, de 68 Kill, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli). Talvez o maior problema do filme seja mesmo compactuar com a própria protagonista, Olive. Uma pessoa insípida e egoísta, ela pouco cativa o espectador. Não estou dizendo que o protagonista obrigatoriamente precise ser bonzinho para que um filme seja considerado bom (alguns dos melhores filmes de todos os tempos têm personagens falhos e pouco amigáveis), mas o problema em si é que Olive simplesmente não é interessante.

Há até uma tentativa de adicionar camadas à personagem ao dar a ela uma trajetória de fácil identificação com o público, envolvendo um trauma em seu passado, porém a execução não funciona totalmente (inclusive, é desta tentativa que vem o nome do filme, que apresenta uma história envolvendo um concerto de piano). O mesmo acontece com Harvey, cuja única informação que o público recebe é a de que a esposa do homem morreu recentemente, e a morte da mulher funciona como o gatilho para Harvey liberar seus instintos assassinos. Bates, entretanto, não mostra a mínima disposição em explorar a psique de seus personagens mais a fundo, o que resulta em uma oportunidade de desenvolver os personagens que é completamente desperdiçada pela narrativa.

Com quatro filmes no currículo, é nítido que Bates se sai melhor quando segue suas tendências mais sombrias e parte efetivamente para o horror dentro de suas comédias de terror. Quando o negócio é contar piadas (o que faz em Suburban Gothic e neste Tone-Deaf), Bates não se sai tão bem. Ainda assim, mesmo com tantos problemas, não é um filme completamente descartável. Talvez apenas facilmente esquecível.

Tone-Deaf não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país através de sistemas de streaming e VOD.

Uma resposta

  1. Cara, eu acabei de ver esse filme e ele me deixou muito confuso quanto ao que sentir, mas na real, acho que foi como cê falou da carreira do cara, uma montanha russa. O diretor real é muito bom no visual, mas sinceramente, conduzindo a história foi bem broxante, ainda mais com aquele final. Ele quis fazer essa brincadeira macabra de Boomer vs Millenial, mas não foi muito bom, mesmo. A história simplesmente não soube se amarrar, me conduzir a algo ou me cativar por completo, mesmo. As vezes em que eu conseguia me envolver no filme eram curtas. O melhor do filme mesmo é a direção visual e o Boomer pq achei ele bem interessante, apesar do desejo de matar dele ser bem jogado. Tem coisas boas, mas não se salva assim

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