Não seria exagero nenhum dizer que Pantera Negra (2018) foi um avanço sem igual na indústria dos filmes de super-herói. Não por simplesmente trazer um herói negro às telas de cinema, mas por trazê-lo com representatividade; com elenco e produção majoritariamente afro-americana, o reino de Wakanda se consolidou como um universo cinematográfico Marvel com vida própria. Cada elemento do filme é explorado para trazer o máximo de verossimilhança possível com a grandeza de um reino africano, como os idiomas – os wakandanos falam xhosa, uma língua nigero-congolesa que, atualmente, é um dos 11 idiomas oficiais da África do Sul, enquanto os jabari falam igbo, língua proveniente da Nigéria – o figurino vencedor do Oscar de Ruth E. Carter, inspirado em diferentes comunidades africanas e fabricado com tecidos do Mali, Quênia e Etiópia, e a ambientação afrofuturista impecável. Manter o nível do primeiro filme tornou-se uma prova de fogo, ainda mais depois da trágica perda do astro Chadwick Boseman (1976-2020) que, na pele do Pantera Negra, conseguiu elevar todo o significado da história.
Felizmente, nas mãos do diretor Ryan Coogler, o segundo filme consegue, para além de apenas segurar as pontas na ausência de seu astro principal, entregar uma história tão completa quanto a do primeiro. Dessa vez, a narrativa gira em torno de Shuri (Letitia Wright) e começa com a morte do T’Challa (Chadwick Boseman) por uma doença desconhecida. Sem um Pantera Negra para protegê-los, as grandes potências europeias começam a questionar se Wakanda estaria enfraquecida, ao mesmo tempo, uma exploração em massa de vibrânio, o famoso metal que compõe a armadura do Pantera e o próprio escudo do Capitão América, começa através de minas encontradas no oceano.
É com essa exploração que surge em cena o grande vilão do filme, Namor (Tenoch Huerta), o deus serpente emplumado, governante de um reino subaquático de ascendência asteca chamado Talocan. Algo muito debatido ao longo do processo de produção do filme foi a mudança de origem do personagem, nas HQ’s, ela não é mesoamericana tal como no cinema, e teve que ser mudada justamente por se parecer muito com a história de origem do Aquaman da DC COMICS; a premissa era exatamente igual, Namor, nos quadrinhos, é filho da princesa de Atlântida com um humano. Apesar de ter recebido severas críticas, tanto pela caracterização final quanto pela mudança em si, a origem de Namor no filme ficou muito mais rica e completa que a inicial, e acabou se mostrando muito mais congruente com o próprio universo do Pantera Negra.
Além de toda a solidez narrativa, o roteiro mantém um ritmo tão cativante quanto o do primeiro, versando-se sobre o luto profundo de Shuri por seu irmão, a tentativa da rainha Ramonda (Angela Bassett) de ser forte por seu povo e sua filha apesar dos pesares, a indignação Namor com os habitantes da superfície. Cada sentimento transborda das personagens, do amor ao ódio, e é tocante perceber, em vários momentos o quanto a falta de Chadwick foi decisiva para esses sentimentos se mostrassem de forma tão verdadeira. Aliás, o filme inteiro é um grande tributo a Chadwick, e as homenagens vão desde a logo inicial da Marvel, que comumente aparece mostrando todos os heróis e com a música tema do estúdio, e que dessa vez mostra as cenas mais icônicas do ator como Pantera Negra em absoluto silêncio, até mesmo à própria cena pós-crédito.
Juntando tudo, o resultado é um filme de super-herói como poucos – lindo de se ver. A história consegue trazer a ressignificação da dor da perda tal como ela é: dolorosa e não linear. Mas talvez a parte mais comovente seja perceber que, durante toda a narrativa, tal como nas crenças de grande parte dos povos africanos, a morte não representa um final definitivo, e sim um intervalo, um final de ciclo. E assim encerra-se a Fase 4 da Marvel.
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A verdade é que a produção conseguiu ser não só um encerramento magistral para a última fase do UCM (universo cinematográfico Marvel), como também prestou uma linda homenagem ao astro Chadwick Boseman, que apesar da morte precoce, viveu uma vida lindíssima, com papéis de relevância ímpar no que toca a representatividade. Para além disso, deixou um legado majestoso, em que meninos negros do mundo inteiro também puderam se sentir grandes heróis fora das telas. Pantera Negra: Wakanda para Sempre já está disponível nos cinemas de todo o Brasil e é um tributo que vale a pena conferir.
“Ele morreu, mas não significa que ele se foi” (Rainha Ramonda; Pantera Negra: Wakanda para Sempre)
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Imagens: Foto Divulgação – Marvel