Entre Olhares e Escolhas

Entre Olhares e Escolhas

O que a Sultana Hürrem, o Sultão Soleiman, a dopamina e as constelações familiares tem em comum?

Reflexões sobre o Amor, Poder e os Movimentos Sistêmicos:

Um pouco de romance para você!

De repente, estou sentada em um banco de madeira, em posição de oração, esperando pela entrada do mentor espiritual daquele templo com uma pequena multidão de pessoas.  E, de repente, nossos olhares se cruzaram. Algo ali foi despertado, uma curiosidade que percorreu minha mente lentamente. A voz interna, que sempre se faz presente em momentos assim, sussurrou: “Quem é ele?”

Num primeiro momento, não houve mais que olhares trocados, perguntas mentais sem resposta, dúvidas que se amontoavam. Mas, uma sensação, pairava no ar, como uma promessa ainda não cumprida. O tempo passou, dias se arrastaram, e aquele jogo de olhares se repetia. Sem palavras, sem movimentos. Apenas a troca silenciosa de uma curiosidade inexplicável e ainda não reconhecida. Na época estava mergulhada na História do Século Magnífico, estudando o feminino das mulheres otomanas, e a história de amor do Sultão Soleiman e a Sultana Hürrem.  Ele um homem de traços fortes, um ar despojado, mas com uma elegância que não podia ser ignorada. Uma aura de mistério, um magnetismo que provocava minha dopamina.

Semanas se passaram. Um simples “Oi, tudo bem?” foi a primeira frase que quebrava o silêncio. Mais semanas, até que a coragem se fez presente e ele se sentou ao meu lado e naturalmente começamos a conversar. Os bate-papos fluíam sobre transformação de vida, superação, risos e até perguntas sobre o cotidiano. Era fácil a afeição, aquela sensação de conhecer à tempos, pois havia coincidências, histórias que se entrelaçavam de alguma forma. Mas, ao mesmo tempo, algo não se encaixava na minha sensação interna. Era uma pequena sensação desconfortável, como se estivéssemos dançando em um campo minado, prestes a cair em algo maior. Então um dia, sem mais, fiz a pergunta que me perturbava: “Você é casado?”

Foi nesse momento que tudo mudou. A resposta foi clara, direta, sem rodeios: “Sou”. Nesse instante, a minha fantasia se desfez, afinal o ¨meu¨ Sultão era solteiro em meus pensamentos. Minha dopamina caiu, e restou a realidade de que estávamos, de alguma forma, sendo confrontados com nossas próprias lealdades invisíveis , escolhas e emaranhados familiares.

Entre Olhares e Escolhas

O que trago aqui para vocês não é uma história de amor, apesar que poderia ser. E deixo claro que nada aconteceu entre nós. Mas teria ingredientes interessantes para acontecer.  Trago a reflexão interna, que não se limitou apenas a um “sim” ou “não”, mas a um movimento sistêmico, algo que vai além de nossa própria vontade e desejos. Algo que toca no inconsciente coletivo, no padrão de pertencimento, hierarquia e ordem familiar. No momento em que a fantasia se desfez, percebi que ¨fui¨ ou talvez ¨fomos¨ desafiados a reconhecer o quanto estávamos conscientes dos nossos próprios emaranhados, das escolhas que fazemos e das histórias não resolvidas que ainda carregamos dentro de nós.

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E foi aí que a história de Hürrem, a sultana que conquistou o coração de Suleiman, entrou na minha mente, como um eco do que poderia vivenciar. Digo vivenciar não especificamente através deste momento, mas a vida poderia me surpreender em outros momentos. Voltando a Hürrem…  sequestrada de sua terra natal e levada como escrava para o harém, fez uma escolha. Ela se apaixonou por Suleiman, que já era casado. E, embora muitos vejam sua história como uma grande história de amor, eu vejo uma complexa rede de escolhas e destinos interligados. Hürrem tornou-se sultana, mãe de 4 príncipes e  uma princesa, mas o preço de sua ascensão foi alto — e não só para ela, mas também para o próprio Suleiman. Ela desafiou as ordens naturais de seu tempo, quebrando padrões, lutando pelo seu lugar em um sistema que não era originalmente o seu.

Nos padrões sistêmicos da Constelação Familiar, vemos tudo como  escolhas, mesmo aquelas que parecem impulsivas ou movidas por um amor arrebatador, muitas vezes carregam as marcas de lealdades inconscientes e desejos não resolvidos. O que Hürrem fez foi, sem dúvida, uma tentativa de dar certo onde algo havia falhado no seu próprio sistema familiar. Ela não foi apenas uma mulher apaixonada; ela foi uma mulher tentando reescrever sua história e encontrar seu lugar em um sistema maior — e isso é um reflexo do que todos nós fazemos, inconscientemente, em nossas próprias vidas.

Assim como Hürrem, eu me vi, por momentos, tentando compreender o meu lugar dentro de um enredo que não era meu, dentro de um sistema familiar e emocional que não correspondia ao que eu desejava para minha vida. Quando me deparo com a figura do “meu Sultão”, vejo um espelho dos meus próprios dilemas internos. Ele, com seu mistério e seu poder, representava algo maior. Mas o que realmente me atraía? Estaria eu, assim como Hürrem, tentando resolver questões não curadas de minha própria história? E se, na realidade, ele fosse mais uma figura de um sistema que não era meu, com as mesmas tensões e desconfortos que Hürrem experimentou em sua ascensão à corte do Império Otomano?

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Entre Olhares e Escolhas

O enredo é sempre mais complexo do que a simples troca de olhares, como em minha experiência inicial com o “meu Sultão”. O amor ou o desejo por algo ou alguém, como vimos na história de Hürrem, é muitas vezes alimentado por questões profundas de pertencimento e hierarquia que vão muito além da simples atração. Assim como ela, ao se tornar esposa de Suleiman, teve que navegar pelas águas turvas das ordens, hierarquia e pertencimento, eu também me vi diante de uma escolha interna — seguir em frente, com todas as implicações dessa decisão, ou fugir, deixar para trás as fantasias e os desejos não vividos.

No fundo, a questão não é apenas sobre se devemos ou não seguir o caminho que o destino nos apresenta, mas sobre quanto estamos dispostos a encarar e curar nossos próprios emaranhados familiares, nossas próprias lealdades inconscientes e as histórias que carregamos dentro de nós. Hürrem fez sua escolha, e seu legado, apesar de seus altos preços, foi um marco na história. Mas, ao olhar para o “meu Sultão”, eu percebo que, como ela, a verdadeira jornada não é apenas sobre conquista ou perda, mas sobre a cura de nossas próprias histórias e a criação de novos caminhos, com consciência e compreensão de que, antes de tudo, somos parte de algo maior, um sistema familiar que nos desafia e nos ensina, constantemente, sobre pertencimento, hierarquia  e a delicada dança entre dar e receber.

 

Para quem ainda insiste na dopamina, e se pergunta, mas e o que aconteceu com o ¨meu Sultão¨….

O vejo com olhos reais, não mais ilusórios. Continua igual á primeira vez, apenas de uma perspectiva diferente. E desejo que ele tenha um dia, A Coragem de Viver Quem Ele É.

No final das contas, talvez o melhor tenha sido mesmo o que aconteceu. O “meu Sultão” como ele era antes, solteiro em minha mente, não era mais do que um reflexo de um desejo meu, algo que se desfez diante da realidade.

Mas, como Hürrem, podemos escolher reescrever nossa própria história, seguindo o caminho da cura e da consciência, respeitando as ordens e os legados familiares que, de alguma forma, ainda tocam nossa vida, e desejando que todos os envolvidos sejam felizes.

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