O goleiro não está num daqueles bons dias. Um ou outro companheiro até tenta aliviar o mal-estar por causa das bolas defensáveis que não defendeu com um meio-abraço. Mas aí o juiz marca pênalti.
― Sobrou pra mim.
Garoto da base consegue, pela primeira vez, a chance de começar a partida como titular. Tá dando o sangue no jogo, o suor, as lágrimas ― que não dê câimbras, por favor! Mas nada de conseguir fazer gol. Intervalo e substituições. Quem sai?
― Sobrou pra mim.
Media training não faz o milagre da desinibição frente às câmeras de televisão. O mais inibido dos inibidos aponta golaço e, de repente, despontam um repórter e um microfone à sua frente, cheios de histórias sem fim, que parecem perguntas.
― Sobrou pra mim.
O gramado tem mais terra do que grama e a chuva que cai no horário do jogo tá brincando de esconder jogador. O uniforme branco também esconde a numeração escura, porque rolar no barro que se formou até que ficou divertido. O roupeiro que o diga.
― Sobrou pra mim.
Treinador está há meia dúzia de rodadas sem vencer. Já trocou meia dúzia de jogador meia dúzia de vezes. Já deu explicação em coletiva, em reunião, em treino. Já pediu cara nova, já deu a cara pra bater, já deu carta branca. Já cedeu posição na tabela. Para a diretoria, já deu o que tinha que dar e vão dar adeus.
― Sobrou pra mim.
Lá no mês de abril, quando começou o Brasileirão, todos os clubes já tinham conhecimento da tabela. Já sabiam quando iriam jogam com quem. Só não
sabiam que, quando chegasse agora em setembro, no segundo turno, iriam ter que enfrentar o campeão Flamengo, hoje com sete vitórias seguidas, líder absoluto do campeonato. Entre tantos outros pesares, lutando pra mudar de ares e sair da zona de rebaixamento, nem o Mineirão salvou o Cruzeiro.
― Sobrou pra mim.
Agora, vocês todos outros, olhem a tabela. Já olharam? Aguenta, coração. Não penses, Inter, que estás livre. A próxima rodada é tua. É Flamengo no teu caminho. E no Maracanã. Só pra te lembrar.
― Sobrou pra ti.
