Bom dia meus amigos queridos,
Eu estou no trem.
A minha viagem parte da linda cidade de Lyon para a poderosa cidade de Avignon que se tornou o centro de poder do Cristianismo na Idade Média.
Lyon tem uma história da Igreja singela, poderosa, mas infelizmente desconhecida.
Lyon carrega capítulos de páginas da história que poucos sabem e poucos contam.
Histórias de fé e coragem. Histórias de comunidade e singeleza.
Lyon nos mostra as pegadas de 48 cristãos que foram martirizados no ano 177 da era cristã simplesmente porque escolheram viver a simplicidade dos ensinamentos de um homem chamado Jesus.
Nestes últimos 6 anos eu já devo ter explicado sobre tais pegadas carregadas de amor, bondade e coragem para centenas de pessoas que nos visitam em Lyon.
Ora, em Lyon tal história de Jesus de Nazaré tem a ver com a igreja orgânica, sem paredes e muros, sem hierarquias e privilégios de cardeais e bispos. É uma igreja sem diplomas e certificados teológicos. É uma igreja perseguida e que era um movimento apolítico, mas foi percebido como um movimento político durante o Império Romano.
Fábio, qual foi a razão de tal percepção equivocada? Você me pergunta.
Pois bem, os chamados cristãos, “Cristinhos”, pois assim eles eram chamados de uma forma pejorativa, olhavam para Jesus e o chamavam de “Kyrios”, palavra grega que significa senhor ou master, terminologia designada única e tão exclusivamente para o “César da vez”, a saber, o Imperador Romano durante os primeiros séculos.
Portanto, o movimento dos discípulos de Jesus que era apolítico se tornou político e de profunda perseguição por parte do César da vez.
Jesus, filho de José, o carpinteiro.
Jesus, filho de Maria, uma jovem cheia de fé e sem nenhuma pretensão de poder.
Jesus das narrativas dos Evangelhos, e que carrega uma história cheia de princípios do Evangelho na cidade de Lyon, nada tem a ver com o Jesus de Avignon.
Você sabia que houve na história um período de tanta corrupção, de tanta ostentação política, tanta loucura militar em nome de Deus, tanta busca insaciável de poder que tínhamos DOIS papas? Isto mesmo!
Um papa em Avignon e outro papa em Roma. Ambos exigiam o direito de serem reconhecidos como papas verdadeiros.
Aliás, a história se complexifica tanto que surge um TERCEIRO papa em Pisa durante este período conhecido como Cisma do Ocidente. Isto mesmo!
Um papa em Avignon, outro papa em Roma e um terceiro papa em Pisa. Todos eles exigiam o direito de serem reconhecidos como papas verdadeiros.
Nesta semana eu falarei à um grupo que vem dos Estados Unidos de uma história que parece não ter muito a ver com a mensagem singela de paz trazida pelo homem de Nazaré. Você já percebeu isto pela coluna de hoje?
Não é a toa que depois de tanta loucura em nome de Deus a partir do centro da Cristandade nos séculos XIV e XV tendo Avignon como capital deste centro de poder econômico, político e religioso da Europa, o que vem na esteira da história é a Reforma Protestante no século XVI, é a Guerra dos 30 anos no século XVII que basicamente fora um conflito entre Católicos e Protestantes.
Não é à toa que na esteira da história destes conflitos, desembocamos nas margens da Revolução Francesa o século XVIII. E já na esquina dos nossos dias, na mesma esteira, não é à toa que ficamos cara a cara com a Primeira Guerra Mundial, seguida subitamente pela Segunda Guerra Mundial no século XX.
E mais ainda, durante os mesmos séculos XIV e XV, centenas de famílias, milhares de crianças, mães solteiras e velhos gritavam nas ruas e nas praças estreitas das ruas medievais de Avignon pela misericórdia de Deus entendendo que a peste bulbônica que visitava milhares de casas, e leitos de hospitais era uma punição de Deus devido à loucura papal e busca de ostentação e poder que a tal Igreja que representava Deus na Terra possuía.
Eu poderia seguir e falar da Guerra dos Cem Anos que se imiscuiu com ambos os eventos na Europa e convergiu com as mesmas loucuras papais decididas em Avignon.
Pois bem, você já percebeu que eu tenho muito a dizer para este grupo que já está em Avignon. Mas, o que eu e você temos a ver com isto se vivemos em São Paulo, Tóquio, Rio de Janeiro, Lisboa, Toronto ou Califórnia?
Em primeiro lugar, é fácil concluir que a Europa se tornou um dos lugares mais pós-cristãos do mundo no século XXI quando se faz a leitura de trás para frente da história.
Em segundo lugar, as palavras do francês Blaise Pascal fazem ecos nos meus ouvidos quando ando pelas ruas estreitas que me levam aos mesmos edifícios da Idade Média em Avignon que foram locais de tanto poder e decisões em nome de Deus.
Pascal dizia, “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. No entanto, o homem criou Deus à sua imagem”.
Isto posto, eu vejo toda hora o homem projetando em Deus um “Deus” cheio de juízo, um “Deus” furioso, um “Deus” implacavelmente impaciente, um “Deus” de espadas e guerras, um “Deus” que tem a cara da ostentação gananciosa do ser humano, um “Deus” que tem a cara daqueles que matam e brigam pelo poder e fazem de tudo pela busca indomável da suposta fama.
Este “Deus” é o “Deus” da Igreja na Idade Média. Este “Deus” e mensagem está presente em Avignon. Deus nos livre deste “Deus”!
Para ter um “Deus” assim, é melhor ser ateu.
Pense nisto.
Fábio
Avignon
Respostas de 4
Wow! Que texto interessante.
Querida Loriete,
Sempre bom ver você por aqui.
É verdade. A história é interessantíssima e se auto-explica.
Um beijo grande pra você. Até a próxima.
Fábio
Muito interessante! Meu tetravô Laurent Gouget e seus ancestrais nasceram em Avignon. Infelizmente o sistema religioso implantado a partir de Roma divorciou-se tão profundamente das raizes da fé apostólica que nem a reforma protestante conseguiu resgatar seus fundamentos.
Querido Helio,
Eu não sabia que você tinha laços com a França, e sobretudo, com Avignon. Que bacana!
Eu concordo com você. Eu sou um destes indivíduos que analiso a história e vejo este divórcio e distanciamento das raízes do Evangelho também.
Muitos movimentos tentaram fazer este resgate e viagem de volta. Há reforma foi um deles, mas ficou aquém e abaixo do que seria este retorno à simplicidade do Evangelho e da fé dos primeiros séculos antes do movimento Constantiniano.
Investigue os movimentos do Pietismo na Alemanha, depois de Lutero, e a Devotio Moderna, dos Irmãos da Vida em Comum que foi um movimento na Holanda no século XIV. São lampejos também desta tentativa de resgatar a fé dos primeiros séculos.
Um forte abraço.
Fábio