Fábio Muniz: Acordo, e tudo “dá errado”…

Bom dia meus amigos queridos,

Você já acordou alguma vez com o “pé esquerdo?”

Ora, eu cresci ouvindo esta expressão. Na linguagem popular levantar “com o pé esquerdo” significa que o indivíduo acordou de mau humor, ou no mínimo, tudo o que ele tem feito desde que acordou parece dar errado.

Ele acorda atrasado, vai tomar café e se dá conta que o café acabou, vai tomar banho, a água está gelada, vai passar a roupa, queima a gravata. E mais ainda: pega um trânsito horroroso e chega atrasado no trabalho…

Que azar! Parece que seria melhor não ter saído de casa…

Enfim, imagine se você fosse este indivíduo…

Como você responderia para a vida? Como você trataria as pessoas no teu entorno se o teu dia começasse desta maneira desastrosa?

Pois bem, eu já vivi esta cena dezenas de vezes…

Por exemplo: Quem me conhece sabe que eu falo em público independentemente do tamanho do tal público, cultura e região geográfica. No entanto, eu ainda me lembro quando na frente de quase 200 pessoas há uns 20 anos, “me deu branco” e eu tive que entregar o microfone…

Quer ouvir um outro exemplo?

Tudo estava dando errado, o meu dia estava sendo dificílimo, e eu estava na iminência de terminar os meus últimos capítulos do livro que eu trabalhava e escrevia ao longo dos 6 últimos meses todas as manhãs…

De repente, um botão errado e centenas de páginas, “delete”…

Eu fiquei tremendo naquela sala do Starbucks de Fujisawa por 15 minutos. Cancelei o meu encontro de trabalho que tinha naquela tarde. E me lembro que por quase 3 dias não consegui pensar em outra coisa…

No começo da semana passada eu cuidadosamente deixei a bateria do meu microfone para carregar.  O objetivo era trabalhar no dia seguinte, pois estou fazendo gravações em Português para um Canal do Youtube sobre a história da Igreja na Europa.

Pois bem, o “dia seguinte chegou”…

De modo que eu deixei a Sophia na escola, peguei um trânsito indizível, atravessei a cidade, estacionei o carro, peguei o metrô, cheguei no anfiteatro romano para gravar, e percebi que o microfone não estava funcionando…

Voltei no dia seguinte, comecei a gravar com o tal do microfone, e percebi que a minha câmera estava dando problemas sérios de memórias e tive que parar o projeto…

Posso te contar uma situação que aconteceu comigo e com a Johnna quando morávamos no Japão?

Eu demorei uns 3 meses para superar o trauma e a ira. Eu demorei uns 3 meses para “esquecer”, rir e contar aos meus amigos o que tinha acontecido…

Foi mais ou menos assim. Eu havia trabalhado em diversos projetos por semanas. Dormido pouquíssimo. Um estresse tremendo…

E, finalmente, programei uma viagem para ir ao sul do Japão, descansar, desconectar, relaxar…

Havia planejado cruzar lindas pontes vermelhas com o estilo nipônico que é possível encontrar somente na terra do sol nascente. Havia planejado entrar em templos antiquíssimos, visitar montanhas, respirar o ar puro e tomar um banho quente nas conhecidas “onsens” japonesas…

– “Fábio, hoje eu dirijo porque você está muito cansado nestes dias. Apenas, relaxe.” Disse a minha querida esposa.

– “Obrigado, Johnna.” Eu respondo e observo que ela está colocando a localização final no GPS.

Pois bem, após duas horas de viagem, chegamos a uma localização que não se parecia com nada daquilo que eu havia planejado.

– “Johnna, eu não encontro a ponte vermelha.” Eu olho para a minha esposa com uma expressão assustada.

– “Talvez esteja lá em cima. Perto daquele templo!!” A Johnna me responde enquanto começa a subir uma montanha enorme, onde havia um templo budista desabitado no “meio do nada” e “do coisa alguma”…

Quando eu a vejo, ela está sentada, olhando para o GPS, colocando a mão na cabeça, e o seu rosto se torna pálido como o rosto de um fantasma, e então, olha para mim e diz: “Fábio, eu dirigi duas horas para o norte ao invés de dirigir duas horas para o sul”.

Isto dito, eu seguiria com uma lista de “azar” e “pé esquerdo” quase que interminável…

Porque estas coisas acontecem somente comigo?

Eu sei que estou falando com você porque estas coisas não acontecem somente comigo. Elas acontecem com você. Elas acontecem comigo. Elas acontecem com qualquer ser humano que vive debaixo do sol. É inevitável.

Eu posso planejar muito bem, mas isto não significa que não vai chover. Eu não controlo o tempo.

Eu posso estudar muito bem, mas isto não significa que eu não ficarei doente um dia antes de fazer a minha prova final.

Eu posso economizar muito bem, mas isto não significa que a bolsa de valores nunca quebrará.

A vida é imprevisível. A vida nos ensina que controlamos muito pouco…

A vida nos ensina que controlamos “quase nada”, ou até mesmo, “nada”…

“E o que aconteceu com as tuas férias no Japão, Fábio?”

Eu já disse que demorei uns 3 meses parar rir daquela situação com a Johnna, e fazer uma piada sobre o fato dela ter dirigido duas horas para o norte ao invés de dirigir para o sul.

Naquele mesmo dia, a Johnna me disse que deveríamos ensinar a nossa pequena filha Sophia a superar aquele “equívoco”. Portanto, deveríamos dirigir duas horas, passar em frente da nossa casa, e dirigir outras duas horas, ou seja, as outras duas horas seriam, eram e foram, as duas supostas horas do trajeto inicial, e então, chegaríamos na tão sonhada “férias frustradas”…

Assim fizemos. Ela dirigiu por seis horas.

“E o que aconteceu com o teu livro, Fábio?”

Vamos lá. Eu te conto…

Depois de 3 dias onde havia pensando em desistir do meu livro, eu comecei a pensar na cultura japonesa, e como esta civilização milenar tem sido um exemplo de superação. Aliás, é inacreditável ver um país que estava em cinzas destruído por tsunamis e bombas nucleares ser o que hoje ele é.

Isto posto, eu reuni forças e comecei a reescrever, reescrever centenas de páginas…

Consegui superar a frustração, o desespero…

No processo fui me inspirando, finalizei a conclusão e publiquei o livro nos Estados Unidos.

“E afinal, você gravou ou não o tal do video, Fábio?”

Sim. Voltei. Pela terceira vez. Fui novamente ao anfiteatro romano e com 4 graus de temperatura, eu finalmente, fiz a tal gravação…

Você pode imaginar o tamanho da minha frustração no primeiro dia ao ver o microfone que carreguei na bateria e que não estava funcionando? E no segundo dia? Quem diria que eu teria um problema de memória no meu telefone…

De qualquer forma, no dia seguinte, no terceiro dia, eu inexplicavelmente acordei com força e vontade de perseverar…

“E Fábio, como você superou a frustração do “me deu branco?”

Não foi fácil. Mas não desisti. Venci o medo. Venci o trauma…

Me lancei. Voltei. Me preparei.

Pensei que jamais falaria em público novamente. Pensei que jamais voltaria a encarar uma audiência ainda que fosse de 5,10 ou 50 pessoas.

Na realidade, eu não tenho fórmulas para ensinar. Eu não tenho receitas para passar. Eu não tenho dicas mágicas para te encorajar. Eu não tenho segredos para fazer você não desistir. Todavia, eu posso te dizer que é possível respirar fundo. É possível olhar positivamente para o cenário ainda que ele seja um dos mais caóticos e desastrosos cenários que você já viu. É possível aprender com os erros e rir com as burrices. É possível perseverar e reconstruir um lindo castelo dos escombros.

Eu espero que você viva este ano cheio de energias e sonhos, mas se em algum momento, em alguma estrada, em algum capítulo, você se equivocar, você enxergar a vida se tornando vazia, cheia de pedregulhos e espinhos, uma jornada cinzenta ao invés de uma jornada colorida e florida…

Apenas pare, respire profundamente antes de reagir instintivamente, responda quando você tiver lúcido.

Talvez você terá que por de lado o projeto por um dia inteiro…

Talvez você terá que fechar os olhos e desligar o computador…

Talvez você terá que olhar para a tua filhinha e brincar com ela para se distrair…

Talvez você deverá fazer um chá, ir para a cama e dormir mais cedo…

No dia seguinte sem estar “com os nervos à flor da pele”.

No dia seguinte com a consciência adulta e mais serena você tomará decisões.

No dia seguinte com os pensamentos e a lógica prontos para funcionar…

Você verá que basta ao dia o seu próprio mal e que sempre contamos com a misericórdia e a graça de um novo dia, de uma nova manhã de um novo pôr do sol.

 

Fábio Muniz

Collonges-au-Mont-d’Or

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Imagem:  iStock e Frepik

 

7 respostas

  1. Essa te deletar por engano hein Fabio?? Me deixou com os nervos a flor da pele, kkkk. Mas como falou, respirar fundo e tentar se acalmar!Ja tive algumas experiencias de dias ruins, Mas nada como um novo amanhecer!

  2. Olá Loriete,
    Que bom ver você neste espaço!
    Espero que você nunca “delete” nada, mas se acontecer, certamente você se lembrará deste texto.:-)
    Aproveite os teus últimos dias na França. Em agosto nos veremos na Flórida.
    Se cuide!
    Fábio

    1. Mon amie Fabio.
      É sempre muito bom ler seus textos
      Você tem toda razão
      É só respirar fundo e deixar o momento do stress passar.
      Não acredito que foi no nosso Starbucks de Fujisawa que nos encontramos quase todos os dias que você deletou seu trabalho.
      Um abraço meuquerido
      Sempre nos ensinando.

  3. Filho já passei porisso centenas de vezes. Mas um certo dia,entendi que faz parte das nossas vidas.

    Enfim…tudo coopera para o nosso bem…e sempre seremos um aprendizado
    .até BREVE!

  4. Super texto, meu amigo. Cada frase colocada aí merece uma discussão em separado. Acho que você resumiu um grande problema dos humanos. Grandes lições sobre como começar de novo. No final, viver é muito perigoso…, como escreveu o meu conterrâneo no melhor livro que a humanidade leu e lerá.

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