Fábio Muniz: Leia livros, mas sobretudo aprenda a ler pessoas!

No mês passado o meu querido amigo Tom me disse que mais importante do que ler livros, era aprender a ler pessoas. Ele tem total e absoluta razão. Aliás, é um dos exercícios que “forçosamente” tive que aprender desde que deixei o Brasil e comecei a trabalhar em ambientes multiculturais onde o idioma é apenas a pontinha do lado de fora deste imenso Iceberg.

De fato, este Iceberg tem a sua maior densidade imersa em camadas de linguagem corporal, tradições e costumes, contato ou não com os olhos, maneiras de tratar um problema, e dezenas de outras camadas não visíveis onde o aprendizado do idioma estrangeiro ou a leitura de excelentes livros como o da Sarah Lanier que provavelmente esteja disponível apenas em Inglês chamado Foreign to Familiar; A Guide to Understanding Hot and Cold Climate Cultures, não seja suficiente e tampouco seja capaz de substituir o aprendizado de ler pessoas através da sensibilidade honesta, empatia sincera, compaixão verdadeira e a disposição de ouvir atenta e intencionalmente alguém.

Talvez você me diga: “Fábio, eu não estou exposto a tantas culturas e idiomas como você, porque este tema é importante para mim? ”

Você tem razão. Eu sei disto. No entanto, é inegável que cada vez mais o fluxo de refugiados, imigrantes e estrangeiros que se deslocam por motivos de estudos, trabalho ou uma possível “aventura” fora da sua zona de conforto cresceu no mundo inteiro, inclusive em cidades brasileiras tais como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte.

Ora, este fenômeno aparentemente irreversível faz com que cidades experimentem em um grau maior ou menor um ambiente cosmopolita. Obviamente este fenômeno fez uma pausa tanto quanto tudo mais no planeta devido a situação pandêmica sem precedentes que nos acachapa nestes últimos dois anos.

Isto posto, conquanto você não viva em Toronto, Berlim, Amsterdam, Tóquio ou  New York onde este fenômeno social e global é gritantemente evidente, o fato de você lidar com outro ser humano ainda que ele seja da mesma cultura e língua requer uma capacidade extraordinária para que relacionamentos funcionem e os indivíduos possam se entender nos ambientes mais diversos e plurais tais como: trabalho, familia, clube, igreja ou associações compostas de voluntários.

De modo que, a Universidade de São Paulo não te ensinará a ler pessoas. A famosa Universidade de Harvard não me ensinará a ler os meus filhos. A tão charmosa Universidade de Oxford tampouco te ajudará a entender quando a tua esposa está prestes a perder a paciência. E que tal se falarmos do teu chefe, vizinho ou namorado? Você sabe quando a tua namorada está cansada? Você sabe quando a tua melhor amiga está com vontade de ficar sozinha e não quer ser incomodada porque não é a melhor hora de falar sobre temas um pouco mais delicados?

E mais ainda: Você sabe se ler? Você se conhece suficientemente bem para saber que às vezes é melhor dar uma voltinha antes de você “explodir”?  Você reage diferentemente quando está com fome, cansado ou dormiu pouco?

Isto dito, eu te convido a fazer esta reflexão simples hoje. Por exemplo: eu sei quando não durmo bem, pois o meu humor altera tremendamente tanto quanto o humor da minha esposa fica alterado quando ela está com fome.

Olha só. Se você passar alguns dias em casa, você provavelmente escutará uma conversa entre eu e a Johnna mais ou menos assim.

– “Fábio, você já tomou o teu café hoje”? A Johnna provavelmente me perguntará assim que perceber que eu ainda não “acordei” e mal consigo terminar uma frase ao falar com ela.

– “Claro que sim! Tomei o meu espresso macchiato!” Eu respondo, mas não com um tom de alguém que está afim de falar.

– “Fábio, quantas horas você dormiu ontem à noite. Você tomou aquele chá de camomila que faz você relaxar? ” A Johnna segue me perguntando sabendo que dormir bem faz parte da minha disciplina e tomar o meu chazinho é como se eu fizesse um “reboot” no meu computador chamado cérebro, muito mais do que apenas fechar os olhos e dormir. Porque ela sabe que se assim eu fizer, será apenas como seu eu “desligasse o meu computador”, mas vou acordar cansado.

– “Johnna, você parece que está com fome. Estou sentindo a tua energia. ” Eu lhe digo calmamente.

– “Parece que você tem razão. Estou com o meu nível de tolerância um pouco baixo”. A Johnna me responde sabendo que de fato a fome está afetando o seu humor.

Ler pessoas. Ler o cônjuge. Ler a filha que está passando por uma depressão e se esconde de tudo e de todos ainda que o seu rostinho demonstra que tudo está bem. Ler o pai que acaba de receber um resultado inesperado do seu médico e não quer comunicar a ninguém o seu diagnóstico. Ler a sua equipe de vendas que sente que a empresa está na iminência de falir. Ler…

Eu já estou terminando. O livro de Provérbios me fascina. O livro de Provérbios é atribuído ao rei Salomão. Um destes sábios provérbios diz “O coração alegre aformoseia o rosto; mas pela dor do coração o espírito se abate”.

Ora, eu sempre li muito. Hoje leio mais ainda devido ao meu Mestrado. São quase 300 páginas todas as semanas, mas não me esquecerei da conversa que tive com o meu amigo Tom e ratifico a importância das suas palavras, pois a minha própria experiência me faz humildemente reconhecer que esta trilha de ler pessoas é um aprendizado constante e contínuo que jamais me levará ao “doutorado”, mas sempre me lembrará que há sempre mais para aprender…

Aliás, infinitamente e muito mais importante do que aprender a ler os outros, eu devo aprender a ler a mim mesmo. É isto. Talvez você me pergunte: “Como eu posso aprender a ler a mim mesmo e os outros? ”

Pois bem, você sabe quando você mesmo está cansado? Você sabe quando dizer “não” como resposta para acabar não perdendo a paciência? Você sabe ler as tuas emoções para discernir a necessidade de ficar calada? Você tem consciência que chega um momento que você mesma tem que estar só e dar uma voltinha?

Na realidade, às vezes há necessidade de fazer uma leitura e entender que tomar um café com um amigo é a melhor solução naquele momento de angústia. Às vezes a escolha de estar presente é a melhor opção do que o Facebook e os vídeos do Youtube que são caminhos de evasão. Às vezes fechar os olhos, ficar em contato com você mesma e ouvir o bater do teu coração é o primeiro passo para a jornada da serenidade.

Dito isto, só assim…

E somente assim…

Conhecendo-me a mim mesmo, poderei aprender a ler e conhecer o meu próximo, a minha esposa, as minhas filhas, o meu filho mais velho, ler a vida, ler as estações do ano e aprender que nem tudo é inverno, ler a jornada do pobre, ler que nem tudo que reluz é ouro, ler e ler…

Foreign to Familiar possui um ótimo conteúdo sobre as diferenças de culturas conhecidas como “quentes” ou “frias”, “mais abertas” ou “mais disciplinadas”. A autora traz comparações regionais também: inclui a América do Sul e divide os países em regiões explicando as diferenças que percebemos entre as pessoas do Norte e do Sul. E mais ainda: escreve sobre como a personalidade de alguém é influenciada pela localização geográfica. Ora, as áreas onde a temperatura é mais quente, a tendência é ter pessoas mais abertas e amigáveis. Em contrapartida, as regiões onde há frio e tempo nublado a tendência é ter indivíduos mais depressivos e fechados. Definitivamente, é um livro que recomendo.

Para mim não existe uma melhor maneira de começar o dia. Um espresso macchiato:-) A minha esposa sabe disto. Eu também! Eu espero a tua visita em Lyon, terei o prazer de te servir um bom café! Você topa?

 

Espero que você tenha uma ótima segunda-feira!

Boa “leitura”!

Fábio Muniz

Lyon, França

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Uma resposta

  1. É preciso investir tempo pra se conhecer e muita empatia pra ler e conhecer os outros. Precisamos ser mais compreensivos cada dia mais.
    Continue escrevendo Fábio, muito bom ler suas reflexões.
    Abraço

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