Fábio Muniz: Vamos bater um papo?

Acabo de chegar. Estou na área…

Se me derrubar, é pênalti!

É o meu primeiro bate-papo com você.

Posso me apresentar? Vamos tomar um café?

Puxa, eu me esqueci que estou em Lyon, na França. Os cafés estão abertos, mas não está permitindo ficar dentro do estabelecimento, ou seja, temos que comprar um bom capuccino e caminhar enquanto conversamos e tomamos…

Você trouxe a tua máscara? Caso contrário, não te deixarão entrar.

Bom. Pelo menos é melhor assim do que o lockdown que vivemos no ano passado onde não podíamos sair de casa sem autorização. Uma loucura. Você pode imaginar ficar em casa com duas crianças correndo, pulando, chorando…

Não quero nem lembrar. Foi duro!

De qualquer forma, na minha opinião a França tem feito um bom trabalho. Os hospitais não estão mais saturados e as taxas de COVID estão diminuindo.

Talvez você não concorde comigo. Tudo bem.

Eu respeito a tua opinião. Eu te entendo….

Eu sei. Eu sei…

Calma.

Não quero perder a chance de te conhecer.

Espero que as nossas diferenças na questão do COVID não criem “pré-conceitos” ou “pré-julgamentos” entre nós antes mesmo de nos apresentar…

O café ainda está de pé? Não te assustei com a minha opinião sobre o COVID, né?

Eu estou de acordo. Parece que a gente não pode falar sobre o COVID nestes dias. Melhor eu parar? Você tem Facebook? Eu também.

De fato, o Facebook se tornou uma das plataformas sociais mais agressivas que temos. Parece que por lá todo mundo se tornou doutor, filósofo, psicólogo…

Enfim, nos tornamos gladiadores nas arenas virtuais. Você não acha?

Pois bem, pelo menos esta é a maneira como eu tenho sentido a energia que vaza nestas lutas “facebookianas” que não nos levam para lugar nenhum. Ninguém ouve ninguém.

– “Ouvir!!?” Talvez alguém me diga.

– “Sim, ouvir. Você conhece este verbo?” Eu perguntaria.

– “Que verbo é este? Eu nunca ouvi falar!”

Na realidade, eu não me importo se alguém pensa diferente de mim. Eu acredito que apesar de…podemos seguir sendo amigos, podemos praticar uma escuta ativa, pois ela é muito mais do que ouvir. A escuta ativa tem a ver com a empatia, compaixão, deixar o outro terminar de dizer o que pensa, não interromper, se colocar no lugar do outro como se fora ele mesmo sentindo a dor e a aflição dele ou dela. Você não acha que deveria ser assim?

Aliás, deixo voltar à minha apresentação.

Olha só. Cresci e nasci entre os bairros do Brás e Moóca na cidade de São Paulo. Tenho muitas saudades das famílias espanholas, portuguesas e italianas. O meu nome é Fábio porque tenho descendência italiana. A minha familia vem de Nápoles. O meu sobrenome é Muniz porque o papai do meu avô nasceu na Ilha da Madeira. Conquanto ele tenha nascido na Ilha da Madeira, ele não era jogador de futebol como o Cristiano Ronaldo…

De fato, eu acredito que ele era alfaiate tanto quanto o vovô era alfaiate em São Paulo quando trabalhava para a familia Matarazzo.

Eu dizia que sou de São Paulo. Eu cresci em São Paulo também, mas fui fazer trabalhos voluntários e estudar em Toronto por um período. Depois passei 6 anos em Barcelona trabalhando e estudando. Foi difícil morar sozinho, aprender uma nova cultura, fazer o meu Máster em Marketing, etc. Até que conheci a minha esposa, Johnna, na Bélgica. Você sabe onde Napoleão perdeu a sua última batalha?

Pois é. Foi em Waterloo…

Ele perdeu a batalha, mas eu ganhei a minha:-)

Conheci a minha esposa exatamente no palco da última batalha de Napoleão, Waterloo, porém nos casamos em Chicago porque é a cidade onde ela nasceu, e depois moramos 4 anos na Flórida porque a sua família se encontra em Tampa…

Bem, a história é longa. Ela se parece mais um quebra-cabeça de culturas, cidades e países. Depois a gente segue com este “puzzle”. Vou direto ao assunto, pode ser?

Sou cidadão americano e brasileiro. Posso votar nos dois países.

Espera um pouquinho…

Não vá embora! Eu não falei para quem eu voto, votei ou votarei…

Puxa. Nem começamos a falar…

Está bem. Eu entendo.

Eu sei. Eu sei…

Calma.

Eu evito falar com a maioria dos meus amigos sobre COVID e política também. E você? Que pena, né? As coisas parecem estar mais complicadas do que eu pensei. Qualquer assunto parece ser motivo de divisão, ideologia, intriga, conflito, quem pode mais, quem pode menos, quem tem mais…

É verdade. Você tem razão. Nos tornamos seres humanos complicados.

Pelo menos nisto estamos de acordo…

Aliás, eu e a minha esposa pensamos da mesma forma politicamente. Estamos de acordo. No mínimo nós dois. Que bom! Pelo menos isto. O lockdown francês foi difícil, mas acho que nem o COVID e nem a situação política brasileira-americana serão motivos de um divórcio entre nós.

Você sabe que as taxas de violência doméstica e divórcios cresceram assustadoramente desde o início da pandemia? Que horror.

Infelizmente tem sido assim.

Posso te falar uma coisa? Eu estou feliz hoje! Mas cansado…

Vou dormir um dia sim, outro não às 3h da manhã. Lembra que eu falei da minha descendência e família?

Pois bem, italiano é a minha língua preferida. A França tem a reputação de uma culinária impecável e “chic”, mas eu não troco um prato de spaghetti por nada…

“E dá-lhe porco, e dá-lhe porco. Olê, olê, olá!!”

O Andreoli é palmeirense. Puxa…

Será que posso escrever isto?

No passado quando eu assistia o Luiz Andreoli no Globo Esporte, os jornalistas não falavam sobre as suas preferências futebolísticas. Depois, passou a não ser segredo nenhum. Todo mundo sabia que o Roberto Avallone era palmeirense, o Flávio Prado, são paulino, o Chico Lang, corintiano, Milton Neves, santista…

 

Aliás, o Palmeiras quase me matou do coração no jogo de volta contra o River Plate. Você assistiu? Queria assistir somente o primeiro tempo, pensei que seria moleza, fiquei com tanta adrenalina que fui dormir às 4h da manhã.

Esta “garotada” quer me matar. Ao invés de ter assistido o jogo com um queijinho e vinhozinho francês, tive que tomar dose dupla de chá de camomila…

E o mundial? Você acompanhou o jogo ontem?

Que pena, né? O BI-campeonato mundial do Palmeiras ficou para o ano que vem…

Eu sei. Eu sei…

Calma.

Eu tenho muitos amigos corintianos, santistas e são paulinos.

Você acha que o Palmeiras nunca foi campeão mundial?

É verdade. Não existia o mesmo torneio da FIFA que temos hoje, mas era outro, outro nome, mas ele era também internacional.

Ora, é isto que importa. Afinal de contas, o Palestra ganhou ou não de outros clubes internacionais? Ganhou até da Juve!! Foi assim que me disseram. Eu não estava lá em 1951. Eu ainda não tinha nascido…

“Olê, Pooorco! Olê Porcoo!”

Está bem. Está bem…

De fato, as coisas podem ser vistas por outros ângulos.

Para você o Palmeiras não tem mundial, para mim ele tem. Não tem problema nenhum, eu te respeito, eu te entendo, isto não vai ser motivo para a gente se inimizar. Pelo menos da minha parte. A minha vovó que era italiana e palmeirense sempre me dizia, “Quando um não quer, dois não brigam”.

Será que a gente pode terminar este café? Ou as diferenças já se tornaram exacerbadas…

Já sei. Eu também aprendi, “Fábio nunca fale de política, futebol e….

Eu sei, os três tabus.

E, religião…

Ainda somos amigos?

Que bom. É mesmo?!! Você topa um outro café?

Que maravilha!

Então, na próxima segunda-feira nos vemos por aqui? Que legal! Será um prazer.

Posso te dizer uma última coisa. Já estou terminando..

Olha só. Diante de um momento de tanta polarização e “antipatia gratuita”, eu vejo toda hora pais ficarem contra os seus filhos. Eu vejo toda hora, maridos boicotarem as suas esposas. Eu vejo toda hora amigos de décadas deixando de se falar devido a tudo isto que um dia vai passar….

Dito isto, mais importante do que o Palmeiras, é a minha jornada construída com um amigo corintiano que conheço desde sempre.

Mais importante do que Trump e Biden, mais importante do que as ideologias políticas serem defendidas com unhas e dentes, e sobretudo, mais importante do que esta polarização gritante existir, são os muitos cafés que tomamos juntos com alegria, doçura no olhar e singeleza de coração.

Mais importante do que saber se eu, ou você, somos “detentores” da verdade, o amor sempre vence o ódio independentemente da cultura, credo religioso, idioma e nacionalidade, status social e nível educacional. O amor é amor em qualquer lugar, povo, língua ou nação. O amor é mais do que um sentimento, é uma decisão. O amor é mais do que um paixão, é uma escolha. O amor é mais do que se oferece nas telas “hollywoodianas”, pois ele é um caminho a ser percorrido com momentos de pausa e reflexão.

Podemos começar estes encontros de pausa e reflexão às segundas-feiras?

Obrigado por me dar a oportunidade de me apresentar.

Aliás, pode deixar que eu pago este café. Afinal, assim que funciona entre amigos:-)

Até a próxima segunda! Beijão.

Fábio Muniz

Lyon, França

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Imagens: Arquivo Pessoal do Colunista.

3 respostas

  1. Grande e Nobre Amigo Fábio.
    Que ótimo te reencontrar por aqui.
    Desde os tempos de Barcelona que eu não absorvia os seus conteúdos, e foi muito prazeroso saber que você está escrevendo uma coluna para um veículo brasileiro; e melhor ainda é gerir os seus conteúdos sempre produzidos com muitíssima qualidade literária, ideológica e intelectual.
    Votos de uma longa e exitosa caminhada por aqui Fabão, pq o importante é: ESTAR JUNTOS…
    Forte Abraço, desde o coração do Brasil.

  2. Que bom, conversa leve e amigável, demonstrando como se começa a respeitar o diferente, o próximo, mesmo que distante, Brasil ou França.
    Que venham as próximas conversas, e os próximos cafés, torcendo pra que logo logo, estejamos presencialmente juntos.

    Abraços,

  3. Gostei muito das palavras, hoje em dia de fato o mundo está muito polarizado e com tantas brigas desnecessárias.
    Mas como disse, o amor sempre vence o ódio.
    Adorei o café! Até a próxima!

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