Lordello: Síndicos que prevaricam por amizade com moradores

Morar no mesmo local onde se tem a função de administrar tem algumas vantagens, mas também uma série de desvantagens que podem gerar problemas crônicos.

É importante ressaltar, que a maioria dos síndicos reside no condomínio e o primeiro entrave é não deixar que a administração se torne “caseira”.

Outro fator que pode contribuir para a falta de profissionalismo na gestão é a relação de proximidade com os moradores. Muitas vezes um frequenta a unidade do outro e seus filhos são amigos, além de todos usufruirem das áreas comuns de lazer. Com isso, os laços de fortalecem.

Em uma palestra que ministrei recentemente para síndicos, um deles me abordou separadamente ao final e fez o seguinte desabafo:

Lordello, estou tendo muitas dificuldades em administrar o prédio onde moro; alguns moradores não cumprem as regras de segurança estabelecidas na convenção”.

Pedi para ele narrar um caso específico:

“No início do ano instalei biometria para controlar eletronicamente a entrada de condôminos e empregados domésticos. Mas uma moradora idosa se recusa a encostar o dedo no aparelho. Ela aperta o interfone com força e o porteiro acaba abrindo o portão principal”.

Resolvi reperguntar:

“Já falou com ela para explicar a importância de todas as pessoas cadastradas serem identificadas eletronicamente?”.

“Conversei com ela demoradamente. Ela ouviu quieta e apenas fez um sinal com a cabeça de forma positiva. Mas na semana seguinte o zelador informou que ela continuava se negando a usar o equipamento biométrico”.

Ao ouvir isso, informei que a atitude correta seria aplicação de multa à infratora. A resposta do síndico chamou a atenção:

Lordello, conheço essa senhora há mais de 20 anos. Não tenho coragem de aplicar a multa; tenho receio de perder a amizade dela e do marido”.

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Indaguei se esse procedimento era comum em sua gestão:

“Pra falar a verdade, não aplico multas aos moradores antigos; todos são amigos de minha família. Já emiti algumas multas, mas para moradores mais recentes e surtiram efeito”.

O papo estava curioso e resolvi aprofundar o assunto:

“Qual a sua profissão e aonde trabalha?”

A resposta surpreendeu:                                                       

“Sou gerente de logística de uma multinacional”.

Continuei no tema:

“Se algum subordinado com o qual tenha certa amizade cometer algum erro ou falha, você irá repreendê-lo ou vai passar a mão na cabeça?”.

O síndico respondeu sem pestanejar:

“Temos regras rígidas na empresa; não deixo passar nada em branco, senão posso ser prejudicado e até demitido”.

Resolvi dar um tratamento de choque com a seguinte colocação:

“Tenho a solução para seus problemas no prédio. A única saída, para o bem de toda coletividade, é você exonerar-se do cargo e dar chance para outro administrador fazer o que tem que ser feito para que o condomínio tenha bom nível de segurança”.

O síndico ficou um tanto constrangido, mas percebi que ele entendeu o recado. Na hora de ir embora, ele comentou:

“Obrigado Lordello pelas palavras. Minha mulher já tinha me alertado sobre isso. Não posso mais continuar administrando de forma caseira. E como não quero me indispor com amigos bacanas que tenho no edifício, irei avisar a administradora para providenciar a documentação de minha saída do cargo e marcar eleição para o cargo de síndico”.

Apesar de o síndico estar aparentemente decidido e satisfeito, resolvi sugerir uma outra solução, tão adequada quanto e que com certeza o deixou mais feliz:  

“Tenho uma alternativa para o problema que está enfrentando. Não deixe o cargo. É bastante claro seu comprometimento em fazer uma boa gestão no condomínio onde mora. Mas os moradores devem respeitar as normas internas aprovadas, senão, vira bagunça e todos acabam se vendo no direito de infringi-las. Portanto, passe essa responsabilidade de lavrar as multas para a administradora. Assim você não corre o risco de se indispor com amigos no edifício”.

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Ele gostou da ideia mas levantou uma dúvida:

Lordello, mas e se após receberem as notificações referentes às multas eles me procurarem tentando amenizar ou até mesmo cancelar as punições, como devo proceder?“

Respondi na hora:

“Seja breve, não tente dar explicações; diga apenas que a administradora do condomínio é a responsável pela emissão e cobrança das multas e que não pode interferir nessa alçada. Termine a conversa como se nada tivesse acontecido”.

Para finalizar gostaria de deixar recado a síndicos de condomínios residenciais. 

Regras e normas aprovadas devem ser cumpridas e não postergadas por qualquer motivo. Quando ocorrer um sinistro, o administrador terá que dar explicações, sempre será cobrado pelos moradores e provavelmente também por aqueles que insistem em não colaborar com à segurança coletiva.   

Portanto, ao assumir o cargo de síndico deve saber da responsabilidade que está assumindo. O exercício da função demanda extremo profissionalismo, principalmente quando vemos rotineiramente nos meios de comunicação, invasões de edifícios por crianças e adolescentes infratores, que conseguem facilmente ludibriar esquemas de segurança amadores, recheados de brechas e falhas.

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