Arieli Margiotta: Dose de antiamor

Era quarta, se não me falha a memória, por volta de 15:00 aqui em São Paulo, precisamente na região de Interlagos, quando eu pegava o que seria meu quinto ou sexto Uber da semana. E se tem algo que eu gosto é de conhecer gente, e em particular motoristas da Uber. Estranho fascínio.

Entrei no carro, o praxe de sempre, apresentações breves, informações sobre o local de destino e eis que me deparo com uma espécie de copo gigante preto com o seguinte pedido: “Me ajude a casar, grato pela caixinha”.

Eu segurei a minha ironia e a piada, então docemente perguntei ao rapaz, que teria um pouco mais que a idade do meu filho mais velho, o que significava aquele objeto. Ele sorriu e disse que quer casar até o final do ano, e então resolvi apelar para a bondade dos usuários da Uber.

Não bastasse isso, ele então contou tudo sobre a tal noiva, seu amor, seu fascínio, sua certeza de ter escolhido bem… Enfim, gente apaixonada é cega, chata e deliciosamente divertida, mas de verdade aquela narrativa me causou inveja, muita inveja.

Eu então resolvi me calar frente àquele menino que poderia ser meu filho e só observei atenta as pupilas dele, sim, porque pessoas apaixonadas tendem a ter pupilas dilatadas, e isso é clinicamente comprovado. Naquele momento, eu tive olhos que só imaginavam e pude perceber o quanto imaginamos sem enxergar.

Fui arrebatada pela história romântica daquele rapaz que muito provavelmente nunca na vida sofreu os dessabores do amor, os fracassos das separações, as portas que se fecham na cara e as cenas de terror típicas do fim de uma relação, especialmente quando tem traição no meio ou no fim, a ordem não alteram as mágoas.

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Obviamente tive vontade de contar as mazelas da vida adulta, mas algo me constrangeu, talvez a inocência do diálogo-monólogo e o amor que de fato ele sentia pela sortuda noiva. Passei cerca de 18 minutos no carro ouvindo um estranho, jovem, apaixonado e bem humorado.

Ahhh segue a pergunta, o que aprendi?

Aprendi aquilo que o poeta Drummond aconselhava: Convive com teu poema antes de escrevê-lo.

Certamente eu estava mais alcalina, sem acidez, tenho a tendência de olhar o outro com frescor.

Segurei a minha língua afiada para não contar as 350 histórias que tenho de desilusões amorosas. Naquela hora fui só ouvinte, um pouco mãe e tive a nítida impressão que ainda sou uma romântica incurável.

Para castigar o coração da mama aqui, no rádio do carro do rapaz tocava uma bela canção sertaneja, de rasgar o coração, por sorte ou azar, cheguei ao meu destino a tempo de não desmoronar na frente dele, segurei o choro que era um misto de raiva de mim mesma com emoção por ver que ainda tem amor em SP e evidentemente a inocência da juventude é uma benção.

Acho que estou precisando me apaixonar…

Beijos com o suspiro de quem ainda acreditada em Romeu e Julieta.

Até a próxima semana com amor ou sem.

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Uma resposta

  1. Tenho alguns amigos que são motoristas de UBER por força maior… é a crise…. mas muitos ja contaram as histórias dos seus passageiros, engraçadas, românticas, ácidas, bonitas, ruins, feias…e por ai vai… AINDA EXISTE AMOR SIM é só procurar… e podem com certeza emocionar qualquer um.

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