Adereços (ê). S.m. pl. 1. Cin. Teatr. Telev. Acessórios cênicos de indumentária ou decoração. Aderecista [ De adereço + ista ] S. 2 g. 1. Pessoa que adereça. 2. Cin. Teatr. Telev. Especialista que cria e executa os adereços. (Aurélio, 1999, p.51).
Se eu fosse definir os “aderecistas” na televisão, assunto da coluna de hoje, diria que são formiguinhas trabalhadeiras, criativas e invisíveis, que executam trabalhos mágicos num estalo de dedos. São parte fundamental dos processos dos Departamentos de Criação: Arte, Figurino e Cenografia. Hoje, especificamente, nos concentraremos nos aderecistas da Produção de Arte.
É um trabalho que muitas vezes não é reconhecido merecidamente. Como um exército disciplinado, comprometido, eficiente e organizado, mas também criativo, os aderecistas executam grande parte do backstage da produção dos objetos de cena e decorativos.
São tantas as suas funções, que não cabem em um só parágrafo, quiçá uma única coluna. Provavelmente, o assunto será dividido em várias delas. Passearemos pelas atribuições dos aderecistas detalhada e lentamente, como quem aprecia as obras de arte em um museu (sem exageros, alguns trabalhos são verdadeiras obras-primas). Espero que apreciem esta viagem inventiva, fértil e engenhosa.
Comecemos por uma tarefa básica, rótulos, examinando cenas triviais do nosso dia-a-dia como um café-da-manhã, por exemplo. Marcas comerciais não podem aparecer gratuitamente nos programas de televisão. Como vimos em colunas anteriores, são criadas marcas fictícias, que na mão dos talentosos Designers, são manipuladas e transformadas em logotipos e suas aplicações.
Em um exemplo mais prático, analisemos uma caixa de suco “Del Valle”. Esta marca conhecida não poderia ser vista em cena, a não ser que participasse de ações de merchandising. Os Designers, em vista disso, criam rótulos ou tapa-marcas para que cenografemos a caixa de suco. Na indústria da vida real, este processo é feito por máquinas de produção em larga escala (pedido mínimo geralmente em torno de 8.000 peças iguais). Mas uma novela não utiliza esta quantidade toda durante todos os meses de gravação. O processo, então, é feito manualmente. E os responsáveis pela sua execução são os aderecistas.
Em todo o começo de produção de um programa de televisão, centenas de produtos alimentícios são cenografados para o uso nos mais diversos cenários. Outros, são feitos de acordo com o surgimento de novas e específicas marcações de cena. Certamente, o telespectador não percebe a existência desses produtos, de tão perfeitos que são. É aí que reside a “magia televisiva”. Aliados a um Design Gráfico primoroso, produtos impecavelmente cenografados, complementam e dão veracidade às cenas, sem atraírem atenção para si. Observem a comparação abaixo:
Cena de café-da-manhã de “Malhação, Seu Lugar no Mundo”2015. Na foto inferior, os produtos cenografados estão destacados, diferentemente da primeira foto, onde passam despercebidos.
Imaginem quantos produtos já foram artesanalmente criados na história da “telinha”! Vejam a quantidade de latinhas e garrafinhas de suco produzidas para a montagem do cenário “Cantina do Colégio Leal Brazil”(com Z mesmo), de Malhação, Seu Lugar no Mundo” 2015.
Separação de material preparado para primeira montagem do cenário “Cantina, Colégio Leal Brazil”. Malhação, Seu Lugar no Mundo” 2015.
O cenário acima em gravação. Camila (Manuela Llerena) e Glauco (Bruno Montaleone). “Malhação, Seu Lugar no Mundo” 2015.
A rotulagem das latas pode ser feita tanto por inteiro (primeira foto abaixo), ou por recorte (segunda foto). Reparem:
Latas de bebidas energéticas cenografadas para “A Lei do Amor” 2017.
Latas de refrigerante produzidas para “Malhação, Seu Lugar no Mundo” 2015. O fundo permanece o mesmo. Recortes de vinil adesivo são aplicados somente onde estão as marcas a serem escondidas.
E já que estamos no departamento de bebidas, por que não examinarmos também as garrafas de água, cerveja e vinho? O processo é semelhante.
Garrafas de bebidas produzidas para “Velho Chico”2016 e “I Love Paraisópolis”2015
Para festas e eventos, a quantidade produzida é enorme. Muitas vezes, reciclam-se as garrafas, e o trabalho do aderecista se estende também ao acabamento em papel laminado dourado ou prateado que esconde a rolha e envolve o gargalo dos cascos.
Garrafas de espumante produzidas para “Velho Chico” 2016.
E já pensaram na produção em série quando o cenário é um mercado, padaria ou loja de conveniência de posto de gasolina, por exemplo? São centenas de rótulos e embalagens. Mock-ups de isopor ou papelão muitas vezes substituem os alimentos comestíveis verdadeiros, para que não haja desperdício do material do cenário. O trabalho dos aderecistas, nestes casos, é dobrado.
Chocolates produzidos em isopor e rotulados para a loja de conveniência do Posto de Salete, “A Lei do Amor” 2017
Balas, chicletes e chocolates produzidos em isopor e rotulados para a loja de conveniência do Posto de Salete, “A Lei do Amor” 2017
Biscoitos e barras de cereal produzidos em isopor e rotulados para a loja de conveniência do Posto de Salete, “A Lei do Amor” 2017
Mercado de “Malhação, Seu Lugar no Mundo” 2015.
Lembrem-se que, na maioria das vezes, cada rótulo impresso é recortado um a um na tesoura, e adesivado à embalagem com o uso de fita dupla-face ou cola spray, dependendo do material.
Latas de produtos cenografadas para “Salve Jorge” 2013 e “Malhação, Seu Lugar no Mundo” 2015.
A criação do designer pode também permitir que os rótulos sejam impressos em uma gráfica, em vinil adesivo já recortado (como vimos em algumas das latinhas de refrigerante). Isto reduz a dificuldade e tempo do trabalho pela metade. Mas nem todos os layouts, materiais e orçamentos possibilitam este recurso.
Lata adereçada com recortes de vinil adesivo impressos em gráfica. “Malhação, Seu Lugar no Mundo”, 2015
Na semana que vem, continuaremos com mais atribuições do trabalho dos aderecistas. Estamos apenas esquentando os motores, pois muitas surpresas virão. Até lá!
