Bedran – Produção de Arte na TV Globo: Carros de cena

“Diga-me em que carro andas e te direi quem és.” Mais do que um meio de transporte, carros e veículos de cena definem o personagem e ajudam a Produção de Arte e o Roteiro a identificarem sua personalidade e características. Quase como uma peça do seu guarda-roupa, o veículo de cena está intimamente relacionado ao sujeito, ao ator em seu papel.

Tome-se como exemplo recente, o exuberante BMW C4 cor-de-rosa, conversível, com faróis de cílios postiços de Fedora Abdala (Tatá Werneck) na novela “Haja Coração”, 2016.  Haveria carro melhor que definisse o “conjunto da obra”?

Ou o ambientalmente correto, inovador tecnológico e sustentável, o modelo Tesla S, uma das primeiras marcas a produzirem carros elétricos, propriedade de Jonas Marra (Murilo Benício) em “Geração Brasil”, 2014, que descreve perfeitamente o lado de executivo empreendedor do Vale do Silício do personagem, entusiasta pelas novidades da tecnologia, carros esportivos, e também simpatizante às causas ambientais.

Uma correspondência inteligente, eficaz e adequada do personagem ao seu veículo, exige um trabalho minucioso de pesquisa por parte do Departamento de Produção de Arte, que, juntamente com os Contrarregras de Veículos, precisam encontrar os modelos existentes no mercado e seus fornecedores.

Novelas cujas tramas se desenvolvem em outros países, quando gravadas em terras brasileiras, trazem consigo o agravante dos veículos terem de corresponder aos modelos internacionais.

Parece ser uma tarefa simples, mas nem sempre os carros fabricados no exterior são encontrados aqui. A reprodução de um carro de polícia americano (América, 2005) ou de Madri ou Istambul (Salve Jorge, 2013), exige a manufatura de peças e adaptações que vão além da pintura.

Border Patrol, “América” , 2005

 Diciclo adaptado para a polícia da cidade cenográfica de Istambul, “Salve Jorge,” 2013

Carro de Polícia de Madri, “Salve Jorge”, 2013

A título de exemplo, examinemos a novela “Caminho das Índias”, 2009.  Para retratar o caótico trânsito de veículos, animais e bicicletas das ruas das cidades indianas, a Produção de Arte precisou investir na produção de tuc-tucs, motos, lambretas, riquixás, táxis, ônibus, caminhões, e veículos de personagens típicos do país com o complicador da direção ser invertida, ou seja, na mão direita.

Os tuc-tucs,  pequenos táxis sobre motos, comumente usados hoje como transporte de serviços, não eram produzidos naquela época no Brasil. A equipe de Produção de Arte os encomendou do zero de uma oficina de São Paulo, que adaptou e construiu as carrocerias em cima de lambretas, com o motor modificado para não atrapalharem os diálogos das cenas devido ao barulho alto. Depois de uma bela pintura e caracterização, dando vivência e envelhecimento, os modelos ficaram idênticos aos originais.

O táxi modelo Hindustan Ambassador, o ônibus de transporte coletivo da cidade, e o caminhão de carga, fora os nove veículos de figuração que por ali circulavam, foram convertidos em uma oficina mecânica especializada para funcionarem, mesmo que cenograficamente, com o volante no lado direito. Os motoristas de cena também receberam treinamento para dirigirem na mão inglesa. Após o trabalho de pintura-arte, envelhecimento, aplicação de adesivos e inscrições no alfabeto Hindi, mais as placas copiando as originais, o resultado final ficou impecável.

Táxi Hindustan Ambassador, “Caminho das Índias” 2009

Ônibus, “Caminho das Índias” 2009

Caminhão de Carga, “Caminho das Índias” 2009

São inúmeras as adaptações e personalizações de veículos pela Produção de Arte, para se adequarem aos seus personagens.

Lembram-se do “Ogromóvel” dos personagens “Cabeção” (Sérgio Hondjakoff) e Mau Mau (Cauã Haymond) de Malhação (2000/2005)? O carro, que por si só já era um personagem, era tratado como um filho pelos atores, que o usavam para conquistar as “gatinhas” da trama.

E da Jubiraca do mascate Mamed (Yunes Chami) da novela “Araguaia”, (2011), uma espécie de mercado ambulante?

Jubiraca do Mamed “Araguaia”, 2011

E os carros do ˜Gran Circo Tenório” da mesma novela?

“Araguaia”, 2011

Inesquecível também é a cena em que o personagem Sol (Déborah Secco) se esconde no painel de um carro para conseguir cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos na novela “América”, 2005.

Já novelas de época, são um capítulo à parte.  Os pitorescos e raros veículos do passado, trazem charme e veracidade cênica às cidades cenográficas. As dificuldades de se trabalhar com eles, temperamentais que são, que por várias vezes enguiçam no clímax da cena, não são nada comparadas à contribuição que trazem ao universo dos “tempos que se foram”.

Carro de Romeu, “Eta Mundo Bom”, 2016

Seja com Tieta (Betty Faria), chegando de volta ao Agreste em sequência memorável (“Tieta”, 1980), ou na bifurcação na estrada da vida encontrada por Afrânio (Rodrigo Santoro) dirigindo seu conversível em “Velho Chico”, 2016, ou nos inúmeros pontos de parada que Bino (Stenio Garcia) e Pedro (Antônio Fagundes) passaram em “Carga Pesada”, (1979_1981; 2003_2007), uma coisa é certa: os carros de cena marcam a sua presença.

“Tieta”, 1980 — Cena completa:  http://gshow.globo.com/webseries/videos/v/tieta-volta-para-o-agreste/3633664/

“Velho Chico”, 2016

“Carga Pesada”

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Na semana que vem, continuaremos com o assunto veículos de cena, abordando também motos, barcos, trens, etc. Até a próxima!!!