Lilian Schiavo: Inclusão é o primeiro passo para a transformação

Era um sábado ensolarado, um dia lindo para passear mas resolvi participar de um evento sobre diversidade e inclusão da mulher no mercado de trabalho e, após horas ouvindo depoimentos, saí de lá meio tonta, com a sensação que levei um soco no estômago, como se uma nova realidade tivesse se descortinado na minha frente.

Você convive ou conhece alguma pessoa portadora de algum tipo de deficiência? Alguém que sofreu algum tipo de preconceito causado pela etnia? Ou talvez bullying por ser obeso, idoso, diferente?

Provavelmente a sua resposta é afirmativa e você, assim como eu, acha que entende ou tem consciência do problema.

Faço parte de uma comissão de inclusão e diversidade e senti na pele a distância entre a teoria e a realidade.

Uma coisa é você olhar dados numéricos, estudar as empresas que possuem modernos programas de inclusão e discutir cases de sucesso.

Totalmente diferente é você estar na frente destas pessoas e ouvi-las relatando suas experiências pessoais, suas dores e traumas, seus pontos de vista… diferente é você se emocionar junto com elas, chorar e sentir vergonha pela omissão de socorro.

“Inclusão social é o conjunto de meios e ações que combatem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade, provocada pelas diferenças de classe social, educação, idade, deficiência, gênero, preconceito social ou preconceitos raciais. Inclusão social é oferecer oportunidades iguais de acesso a bens e serviços a todos.”

Meus filhos estudaram numa escola  onde a inclusão fazia parte da vida deles desde bem pequenininhos. Lembro que quando conseguia sair mais cedo do trabalho ia buscá-los, alguns minutos antes do sino tocar eu via as crianças portadoras de algum tipo de deficiência saindo primeiro.  Os alunos aprendiam a conviver com portadores de síndromes diversas e, sem dúvida nenhuma, isso foi determinante na forma como eles enxergam o mundo e as pessoas.

Aprender a conviver e respeitar a diversidade é o primeiro passo na transformação da sociedade, e esse passo começa na família, dentro de casa, nos exemplos que damos.

Ouvi relatos de uma cadeirante que após sofrer um acidente teve a vida transformada, passou anos se recuperando e quando decidiu voltar ao trabalho conseguiu um emprego como gerente comercial de uma empresa de cadeira de rodas. Inovou colorindo as paredes da loja, instalando uma música ambiente animada e colocando um espelho enorme para que as pessoas se vissem, ela explicou que mudar de cadeira é como comprar um carro novo, existe a possibilidade de escolher modelos que se adaptem ao seu tamanho. Ela disse que em alguns casos o cadeirante passa a se sentir  mais visível! Ela estudou artes cênicas e trabalhou em novelas, é uma moça linda, com um sorriso gigantesco que cativa as plateias onde ministra palestras sobre como conviver com deficientes no ambiente de trabalho.

Ela contou que durante a internação passou dias na mesma posição o que causou escaras que poderiam ter sido evitadas se alguém tivesse lembrado de movimentá-la e percebeu que mesmo dentro de um hospital haviam pessoas que não sabiam como cuidar de paraplégicos.

Agora, se profissionais da área da saúde às vezes erram no convívio com pessoas portadoras de deficiência imagine a quantidade de absurdos que nós cometemos por falta de conhecimento. Precisamos aprender a ouvir para aprender a conviver.

Segundo o IBGE, no censo de 2010 o Brasil possuia 45,6 milhões de pessoas com alguma deficiência, representando 23,91% da população nacional.

Segundo a Lei de Cotas (Lei nº 8213/1991), se a empresa tem entre 100 e 200 empregados, 2% das vagas devem ser garantidas a beneficiários reabilitados e pessoas com deficiência enquanto empresas com mais de 1001 empregados devem garantir 5% do número de contratados. De acordo com o Ministério do Trabalho, decorrente da Lei conseguimos um aumento de 20% na participação desses profissionais no mercado, é um começo.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº13.146/2005), baseada na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, apresenta como maior inovação o conceito de deficiência que deixa de ser uma condição estática e biológica da pessoa, mas é entendida como o resultado das interações das barreiras impostas pelo meio com as limitações de natureza física, mental, intelectual e sensorial do indivíduo. A deficiência deixa de ser um atributo da pessoa e passa a ser o resultado da falta de acessibilidade que a sociedade e o Estado dão às características de cada um, ou seja, a deficiência está no meio, não nas pessoas.  

A partir do momento em que as empresas e a sociedade perceberem que ao garantir oportunidades e acessibilidade teremos um contingente de talentos que estão sendo desperdiçados por nossa culpa. São pessoas prontas para serem inseridas no mercado de trabalho.

Basta olhar nas faculdades, escolas técnicas, organizações não governamentais que fornecem cursos de capacitação ou associações voltadas para a inclusão. Encontraremos pessoas independentes, alegres, participantes, orgulhosas por cada conquista alcançada.

Na realidade, somos nós os maiores obstáculos para que eles sejam incluídos nas empresas e na sociedade. Precisamos deixar de cumprir cotas e passar respeitar as diferenças, tenho certeza que o resultado vai ser surpreendente.

Numa visita na Fundação Dorina Nowill presenciei a velocidade, concentração e eficiência de uma deficiente visual escrevendo um livro em braille. Aliás, se você é empresário pode participar de projetos de capacitação e inclusão no mercado de trabalho, com certeza vai obter resultados em forma de lucros.

A inserção no mercado deve ser resultado de programas de inclusão e não de assistencialismo, envolvendo toda a estrutura da empresa: Recursos Humanos, gestores, CEOs e executivos  para desenvolver uma cultura organizacional de adequação do ambiente de trabalho reconhecendo que uma pessoa com deficiência é uma profissional com formação acadêmica, capacidade de liderança e potencial.

Empreendedorismo nos faz pensar em resiliência, superação, foco e resultado, então finalizo com alguns exemplos de portadores de deficiência para que você reflita sobre o seu posicionamento.

Marla Runyan, aos nove anos desenvolveu a “Doença de Stargardt” e ficou cega, o que não a impediu de ser uma incrível corredora. Foi três vezes campeã nacional dos 5000 metros, em 92 ganhou 4 medalhas na Paraolimpíadas além de ter quebrado vários recordes de velocidade. Em 2001 escreveu sua auto-biografia:”Não há linha de chegada: minha vida como eu a vejo.”

Ludwig van Beethoven, um gênio musical que se apresentou pela primeira vez para uma grande audiência aos 8 anos de idade, antes de completar 20 anos já era conhecido como brilhante pianista e compositor. A partir de 1796 começou a perder a audição, mas continuou criando sinfonias e concertos usando a vibração dos sons.

Frida Kahlo, renomada pintora mexicana, ícone do surrealismo e do universo feminino nos anos 50, contraiu pólio aos 6 anos, sofreu acidente de ônibus na adolescência, precisou fazer 35 cirurgias e nesse período começou a retratar suas dores e angústias. teve uma perna amputada e conviveu com a dor durante toda a vida. Transformou suas limitações em arte e virou um símbolo de feminismo.

Stephen Hawking, físico teórico britânico, membro da Sociedade Real de Artes, da Pontifícia Academia de Ciências, ganhou uma das maiores honrarias dos EUA, a Medalha Presidencial da Liberdade. Hawking é portador da doença neurológica Esclerose Lateral Amiotrófica, teve os primeiros sintomas quando era estudante universitário e os médicos deram um diagnóstico que ele viveria apenas mais 2 ou 3 anos.

Hellen Keller, autora, ativista política e palestrante. Era surda e cega, viajou por 39 países, fez campanhas contra a guerra e palestras sobre os direitos dos trabalhadores. Uma ativista americana, a primeira pessoa surda e cega a conquistar um bacharelado. Aprendeu a ler, escrever e falar e antes de se formar escreveu a autobiografia “A História de Minha Vida”, graduou-se em Filosofia pela Radcliffe College e desenvolveu diversos trabalhos em favor das pessoas com deficiência, participou de campanhas pelo voto feminino e pelos direitos trabalhistas. Foi membro e conselheira em relações nacionais e internacionais da American Fundation for the Blind, nomeada “Cavaleiro da Legião de Honra da França”, recebeu a “Ordem do Cruzeiro do Sul” no Brasil, o Tesouro Sagrado no Japão, o prêmio “Medalha de Ouro do Instituto Nacional de Ciências Sociais” e era membro honorário de sociedades científicas e organizações filantrópicas dos cinco continentes.

E agora?  Ainda resta alguma dúvida que vale a pena investir em pessoas com algum tipo de deficiência?

Espero que você seja um agente transformador de mudanças, que possamos juntos transformar o mundo num lugar melhor, mais inclusivo, ético e justo!

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