Lilian Schiavo: Nós e os robots

Muito se tem falado sobre as profissões que desaparecerão no futuro e confesso que fiquei muito apreensiva com a possibilidade de ser trocada por uma máquina.

Você já foi apresentada ao sr. Chatbot? Certamente você já conversou com ele diversas vezes e nem percebeu. São os assistentes virtuais e seu nome deriva da junção das palavras chat e robot. Os modelos mais sofisticados utilizam inteligência artificial e são ferramentas muito utilizadas para responder e passar informações aos consumidores.

São funcionários que nunca descansam, não tiram férias, nem precisam de intervalos para cafés ou refeições, nunca faltam ou ficam doentes.

Com o avanço da tecnologia, tarefas repetitivas podem ser facilmente executadas por máquinas que também são capazes de cálculos matemáticos e aplicação de fórmulas.

Mas existe algo que é inerente ao ser humano, sua capacidade de sonhar.

Por isso, todas as profissões que exigem criatividade continuarão a existir, assim como continuarão a existir artistas das diversas áreas, compositores, poetas, escritores, arquitetos, pintores e visionários.

Faço parte de um comitê de cultura que tem um circuito literário, nós nos encontramos mensalmente e a discussão gira em torno de um determinado livro. Já falamos sobre a Malala, o Diário de Anne Frank, a Cinderela Chinesa e desta vez o livro escolhido foi “No seu Pescoço”, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

Você deve estar pensando quantas pessoas saem de casa para participar de uma discussão sobre um livro que trata da sensação de estranhamento ao imigrar para outro país, do sentimento de não pertencimento, dos conflitos oriundos de diferenças religiosas ou étnicas. No nosso caso esse número de mulheres é tão grande que chegou uma hora que tínhamos ocupado todas as cadeiras e mesas do local escolhido.

Observo as integrantes do grupo chegando para a reunião e imagino que cada uma delas abriu mão de alguma coisa para estar presente. Algumas deixaram a família, outras saíram do trabalho e vieram direto para o encontro, tem também aquelas que cruzaram a cidade para chegar e gastaram horas no trajeto, mas  agora que estamos todas juntas podemos abrir nossos corações e fazer uma reflexão sobre nossas vidas.

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Somos de todas as cores, classes sociais, religiões, partidos políticos e crenças. Somos tão diferentes umas das outras e ao mesmo tempo tão iguais, defendemos uma bandeira de paz, respeito e harmonia.

Representamos várias associações femininas, viemos de diferentes países, profissões e culturas. Sentamos numa mesma mesa para abrir uma discussão sobre a condição da mulher, seus medos e dores, compartilhamos nossas experiências pessoais, contamos e ouvimos como é viver em outro continente, com outro idioma e outros costumes.

Desta vez convidamos uma sul africana que começou falando em português, mas conforme os sentimentos vieram à tona eu a vi buscando as palavras na sua língua natal, confirmando que certas coisas devem ser ditas em nossa língua mãe, é uma volta ao passado, um retorno às origens.

Tivemos também a presença da conselheira do centro cultural africano que chegou paramentada com suas vestes típicas e sua disposição para somar na luta contra todas as formas de violações e indiferenças, ela fala sobre o povo pobre, preto e periférico e traz uma realidade diferente da que vivenciamos nos centros urbanos, escutamos seu relato e conhecemos sua percepção da sociedade.

No dia seguinte, ela me manda uma mensagem agradecendo o convite e define numa palavra como se sentiu: honrada! Ela diz que participar de uma conversa com outras mulheres líderes num ambiente gentil e cortês foi gratificante.

Uma doutoranda veio conhecer o grupo para falar sobre um livro que foi considerado maldito nos anos 60 mas hoje está voltando ao mercado em decorrência da atual situação sócio-econômica do Brasil, ela gostaria de indicar este livro para nossa próxima reunião. Chegou tímida e conforme ouvia as opiniões se transformou numa eloquente defensora de seus ideais.

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Uma senhora canadense, de cabelos brancos e uma postura imponente prestou atenção em tudo que acontecia e para dizer a verdade achei que talvez ela não estivesse confortável com o livro escolhido, apesar de estar presente em quase todas as reuniões foi a primeira vez que a vi pedindo para comentar o que leu e ao ir embora disse que tinha gostado muito. As aparências enganam!

A Fernanda, minha amiga e  produtora teatral, aterrizou literalmente no evento, chegou direto de uma viagem para nos contar sobre sua próxima peça, a  verdadeira história da Leopoldina, uma mulher admirável, inteligente, culta e hábil estrategista política. Já assisti outras produções dela e conheço a excelência do seu trabalho, o cuidado com os detalhes, a sensibilidade e genialidade em tudo que faz.

Lembrei de um dos contos do livro em que a personagem se encontra no meio de uma rebelião e para se proteger é confinada com uma senhora muçulmana, elas estabelecem uma relação de amizade, de sororidade, uma protege a outra, pois suas vidas estão em risco, então percebem que foram educadas para se hostilizarem, mas agora que estão ali, frente a frente, perceberam que não há nenhuma razão que as impeça de serem amigas.

Assim somos nós também, quando dividimos nossas histórias aumentamos nossas esperanças no futuro,  quando sentamos juntas demonstramos respeito, entendemos que podemos pensar diferente, ter escolhas antagônicas, visões divergentes e mesmo assim podemos viver em paz.

E porque comecei esse texto falando dos robots? Porque por mais que a tecnologia avance, duvido que um robot aprenda a escrever, sentir e criar.

As máquinas poderão ocupar diversos postos de trabalho, mas jamais aprenderão o que temos de mais importante, nossa capacidade de sonhar, amar e perdoar!

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