Crítica: Donnybrook (2018)

Donnybrook

Um drama cru sobre pessoas desesperadas lutando para sobreviver, Donnybrook (EUA, 2018), examina o âmago do American Rust Belt, nome pelo qual passou a ser conhecida a outrora poderosa região industrial americana, hoje em completo declínio econômico, populacional e urbano. Expressando respeito por aqueles que vivem à margem da sociedade, o diretor Tim Sutton (da trilogia indie formada pelos dramas Memphis, Dark Night e Pavillion), evoca performances nada misericordiosas de sua dupla de protagonistas, os ótimos Frank Grillo (Wheelman, Beyond Skyline, cujas críticas estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli), e Jamie Bell (Billy Elliott, Jumper), que interpretam dois tipos bem diferentes de criminosos em rota de colisão. O filme exala uma aura grunge de filme B, ao estilo do pauleira Brawl in Cell Block 99, que mantém o total interesse em seus obstinados e engenhosos protagonistas. Vale lembrar que a crítica de Brawl in Cell Block 99 também está disponível aqui no Portal do Andreoli.

Ambientado no estado de Ohio arrasado economicamente, o filme traz Bell como Jarhead Earl, um ex-militar tentando criar duas crianças enquanto ajuda sua esposa doente, viciada em morfina. As drogas são um flagelo no cenário rural do filme, que é controlado pelo cruel traficante Chainsaw Angus (Grillo), e sua irmã mais nova, Delia (Margaret Qualley, de IO: O Último na Terra, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), que não encontram nenhum problema em recorrer à violência para manter seu império.

Baseado no romance do escritor Frank Bill, o filme de Sutton apresenta a Earl uma faísca de esperança em meio à toda a desolação que o rodeia: um torneio de boxe clandestino sem regras, conhecido como Donnybrook, e que garante ao vencedor a bagatela de U$100.000, o tipo de grana que poderia mudar a vida de sua família. Contudo, as decisões que Earl toma (algumas delas ilegais) para chegar ao torneio, mostram-se dramaticamente muito mais importantes do que o torneio em si, ainda que o que o espera no ringue revela-se emocionalmente e fisicamente impactante também.

Veja Também  Crítica: Seres Rastejantes (Slither)

Apesar de utilizar-se de elementos comuns nos filmes de boxe e nos thrillers envolvendo o mundo do crime, Donnybrook funciona mais como um doloroso retrato de uma comunidade que convive com uma realidade de pouquíssimas oportunidades. Tráfico de drogas, assaltos e assassinatos são lugar-comum, e o diretor Sutton adota uma desapaixonada perspectiva em relação aos foras-da-lei que sua câmera observa. O espectador logo compreende que, em um mundo sem empregos estáveis, seus residentes tiveram de aprender a ser criativos para poder colocar comida na mesa. É um cenário de total abandono, e Sutton faz questão de destacar como homens como Earl e Angus distinguem-se da população em geral. Dois sobreviventes, que vivem sem a preocupação de como os que estão de fora julgam suas ações.

No elenco, o sempre competente Frank Grillo projeta ameaça silenciosa, entregando o mesmo tipo de performance de imposição física de sua atuação nas sequências da eficiente franquia Uma Noite de Crime (The Purge), e no excelente A Perseguição (The Grey, 2011). Em comparação à maldade sórdida de Angus, Bell entrega uma performance mais sutil, no papel de um pai e marido que fez coisas terríveis, mas que considera que tais atos foram cometidos por razões honoráveis. Enquanto Angus tortura e massacra de maneira sádica aqueles que o desafiam, Earl procura sempre justificar seus atos de violência, o que nem sempre convence o espectador, mas que também não interfere no entendimento moral do filme. Na estrada que leva ao Donnybrook, acompanhado de seu filho, Earl representa uma versão mais complicada da paternidade, alternando entre a ternura e a agressividade, enquanto espera poder dar aos seus filhos uma vida melhor do que a que teve.

Veja Também  Crítica: Noite de Lobos (Hold the Dark) | 2018

O lúgubre score musical à cargo de Phil Mossman (O Universo no Olhar, A Outra Terra), garante ao filme uma atmosfera soturna e triste, por vezes até bastante reflexiva, ainda que muito do que é visto em Donnybrook é tão direto quanto um gancho no queixo. Mesmo com Sutton exagerando ocasionalmente no tom pesado e violento do filme, a produção se torna cada vez mais cativante e dramaticamente relevante, à medida em que escancara cada vez mais sua brutal realidade, e quando passamos a compreender a real urgência da situação do protagonista.

Sutton tem controle total de seu filme, o que fica mais evidente graças ao excelente elenco de apoio liderado pelo competente James Badge Dale (do thriller The Standoff at Sparrow Creek, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), no papel de um tira corrupto e patético, cujas razões para ir atrás de Angus revelam-se tão pessoais quanto profissionais. Já a estonteante Margareth Qualley, brilha no papel da irmã caçula de Angus, que possivelmente é ainda mais demente que seu irmão.

O tenso Donnybrook é um retrato duro e verdadeiro sobre indivíduos que resistem à perigosa e entristecedora realidade ao redor, e um filme que ao mesmo tempo ultrapassa a barreira do drama criminal e adentra o território do amor fraternal acima de tudo, e dos sacrifícios sangrentos que estamos dispostos a cometer por ele.

Donnybrook não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

Loading

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Compartilhe esta notícia

Mais postagens