Finalmente chegou a vez de Leigh Whannell. Idealizador ao lado de James Wan das franquias Jogos Mortais e Sobrenatural, e diretor do recente Upgrade, o (ainda) jovem cineasta já conhece bem como Hollywood funciona, e apesar de já ter conquistado o sucesso, faltava a ele seu primeiro grande hit em carreira solo. Sob os banners da Universal e da Blumhouse Pictures, Whannell conquista de vez seu terreno como grande nome em Hollywood com esta sua versão atualizada de O Homem Invisível (The Invisible Man, AUS/EUA, 2020), história baseada na clássica sci-fi de H.G. Wells e que aqui ganha um remake moderno e incrivelmente perturbador da versão cinematográfica lançada no longínquo ano de 1933.
Esqueça também o guilty pleasure O Homem Sem Sombra (Hollow Man), thriller protagonizado por Kevin Bacon e dirigido por Paul Verhoeven em 2000; o filme de Whannell foca sua narrativa em Cecelia Kass (a excelente Elisabeth Moss, das séries Mad Men e The Handmaid’s Tale), uma vítima de abuso que está tentando seguir em frente após o suposto suicídio de seu violento namorado, o cientista Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen, da série A Maldição da Residência Hill). Enquanto Cecelia enfrenta sérias dúvidas com relação ao suicídio de Griffin, ela descobre que ele deixou para ela a quantia de 5 milhões de dólares sob a estranha exigência de que ela não pode em hipótese alguma vir a ser diagnosticada como “mentalmente incapaz”. Porém, quando estranhos eventos começam a ocorrer em torno dela, ela passa a reforçar a ideia de que Griffin não só não está morto, como seus abusos alcançaram níveis novos e e ainda mais cruéis. Cecelia então embarca em uma perigosa e enlouquecedora jornada para provar à sua família e seus amigos que Griffin está vivo, mesmo que isto venha custar sua sanidade e até sua vida.
Como já deu para perceber, Whannell aborda de maneira hábil experiências reais do horror que as mulheres vivenciam como vítimas de abuso por parte de pessoas que as conhecem, e também sobre o quão difícil é para uma mulher provar sua denúncia, especialmente, quando aborda-se o prisma de um homem invisível que abusa de seus poderes. É certamente uma abordagem incômoda à um dos assuntos mais pertinentes dentro da sociedade atual, que ressoa com força junto ao espectador.
O Homem Invisível é a mais recente tentativa da Universal em recomeçar seu universo de filmes de monstros, seguindo a rápida extinção de seu Dark Universe, que teve início com aquele fraquíssimo A Múmia, estrelado por Tom Cruise e a bela Sofia Boutella em 2017. Porém, não espere por nada grandiosamente exagerado aqui, graças a Deus por isso. O filme de Whannell é muito mais maduro e íntimo, menor em escala e infinitamente mais tenso. Sem a obrigação de conectar seu filme a nenhum outro (como era a intenção da Universal para os eventuais filmes de seu finado Dark Universe), Whannell só precisou se preocupar em entregar um bom filme. E ele conseguiu. Isso não quer dizer que seus personagens talvez nunca acabem por juntar suas forças em algum momento no futuro, porém, esse não é o foco no momento.
Trabalhando neste escopo menor e mais adulto, Whannell oferece o que sabe fazer de melhor: Terror.
O Homem Invisível é tenso do início ao fim, e o suspense em dados momentos chega a ser insuportável, como na cena em que Cecelia encara uma cadeira vazia em seu quarto, convencida de que seu namorado falecido (ou invisível) está sentado nela. A cena se estende por alguns minutos, e é construída e executada de maneira primorosa e aterrorizante. Whannell declarou que seu filme foi fortemente influenciado pelo trabalho do diretor Roman Polanski, especialmente seu O Bebê de Rosemary e O Inquilino, apesar do filme claramente ser uma sci-fi de horror ambientada em um futuro próximo, e não um suspense de natureza clássica.
Ao invés de trabalhar seu homem invisível como o protagonista da trama, Whannell transformou seu personagem-título no vilão do filme. O antagonista de sua própria história. Por se tratar de uma ficção ambientada no futuro, o diretor optou por uma abordagem bem mais real e moderna do que a do antigo filme de 1933. Portanto, esqueça os casarões da Era Vitoriana, poções e os óculos flutuantes. As implicações psicológicas decorrentes do ato de NÃO se ver alguém em determinado local, apesar da noção de que sim, há alguém ali, é sempre intrigante, e assim como o recente Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), O Homem Invisível é um filme de terror que ocorre e se desenrola na luz. A produção ainda marca uma grande evolução no trabalho de Whannell como diretor, o que pode ser comprovado quando assistimos ao seu recente thriller sci-fi Upgrade (cuja crítica também está disponível aqui no Portal).
Contudo, grande parte do bom resultado final deste O Homem Invisível se deve ao trabalho de sua protagonista, a excepcional Elisabeth Moss. Sua interpretação remete ao maravilhoso trabalho de Nicole Kidman em Os Outros, onde o público acompanha o mergulho inexorável de uma mulher em direção à loucura. Sua atuação evoca a intrigante ideia de alguém que acredita 100% em algo absolutamente impossível, desafiando as convenções da sociedade e batendo de frente com todos que estão ao seu redor. O filme pode até se chamar O Homem Invisível, mas o show aqui é de Moss, que transforma a “ausência” física do personagem-título em algo ainda mais forte e assustador.
Talvez a melhor maneira de desfrutar deste O Homem Invisível seja não encará-lo como um filme de horror propriamente dito, mas sim como um thriller sci-fi com algo a dizer sobre os conturbados aspectos sociais que enfrentamos hoje. A ideia de ser invisível e ainda ser capaz de destruir a vida de alguém é intrigante e carrega relevância. Eu por exemplo, acabei por me identificar com a ideia de que o filme tem uma curiosa conexão com a maneira com que as redes sociais vêm sendo utilizadas, onde pessoas “invisíveis” se escondem por trás de avatares com o único intuito de machucar indivíduos ou causar rebelião. Anyway, talvez seja apenas viagem de minha parte.
De qualquer forma, independente de qualquer analogia pela qual você prefira enxergar este O Homem Invisível, tenha em mente que trata-se de um mega-eficiente exercício de tensão. Mesmo perdendo um pouco de sua força em sua meia-hora final, a construção do mistério central e a dinâmica de pavor que se desenvolve sobre as costas da personagem de Moss, são mais do que suficientes para deixá-lo grudado na cadeira. É como dizem por aí: É na sugestão, e não no que se vê, onde reside o verdadeiro terror.
Fonte das Imagens: Reproduções do Filme ”O Homem Invisível” fornecidas por Eduardo Kacic.