César Romão: Princípio Maninho

Maninho era ainda jovem quando começou a vender sorvetes na praia da Riviera, em Bertioga, litoral de São Paulo. Não demorou muito, já tinha um trailer sofisticado com petiscos e bebidas. Casou-se, teve um belo filho. O garoto cresceu, cursou administração e fez pós-graduação em economia, tudo custeado pelo Maninho. Após a formatura foi passar uns tempos com o pai, antes de viajar ao exterior para fazer seu MBA e iniciar seu trabalho em uma multinacional, como um brilhante Talento Humano.

Maninho continua simples, mas seu comércio de praia ficou muito famoso pela qualidade e atendimento que sempre ofereceu aos clientes. Depois de um feriadão daqueles, onde falta até ar na praia para respirar, Maninho hiper feliz com o movimento da semana, vai para casa e resolve conversar com o filho sobre negócios.

–  Sabe filho, disse Maninho, meu negócio na praia anda muito bem, conversando com amigos que possuem restaurantes e comércios pelos arredores, pude perceber que meu faturamento é bem maior que o deles, estou pensando até em expandir este trabalho, instalando mais alguns trailers em locais estratégicos da praia da Riviera, fazer um pouco mais de publicidade, investir em novos equipamentos para a cozinha do trailer, enfim, dar uma guinada e expandir este negócio. Você poderia dar sua opinião como administrador, economista e futuro Master Business Administration?

– Bem pai, acho que talvez ache um pouco estranho aquilo que vou dizer, porém seu entusiasmo em expandir o negócio pode não ter o resultado esperado. Veja bem, disse o filho: as coisas estão muito ruins nestes novos tempos, o índice de desemprego está aumentando, muitas empresas fechando as portas, a economia agora está se voltando para o e-bussiness – temos um crescimento muito variável e instável em nosso PIB – somente negócios com muita estrutura de marketing podem progredir hoje neste mercado. Não se pode expandir um negócio hoje sem investir num departamento de Recursos Humanos e no Desenvolvimento de Talentos, aliando-se às novas convergências de tecnologias disponíveis.

– E ainda digo mais! O Sr. sabia que o Brasil responde atualmente por 40% do movimento em dinheiro gerado a partir de transações de comércio eletrônico na América Latina? Sabia também que em 1999, esse valor correspondeu a mais de US$ 599 milhões em toda a região. Os últimos relatórios apontam que as empresas estão investindo entre US$ 10 mil e US$ 8,5 milhões para implementar e gerenciar seus sites de comércio eletrônico. E que cerca de 90% das entrevistadas acreditam que seus investimentos começarão a retornar a partir de 2002. E olhe que não sou eu quem está dizendo. Essa pesquisa consultou 170 grandes empresas que atuam no segmento B2C (business-to-consumer) e B2B (business-to-business) e abordou questões sobre desempenho de vendas, processos de logística, infra-estrutura, promoções e alianças. Segundo a empresa que fez a pesquisa, as empresas que atuam no comércio eletrônico B2C ainda se destacam das que realizam transações eletrônicas entre empresas. Portais como Ponto Frio, Siciliano, Submarino e Amway já identificaram falhas no processo e estão investindo para aprimorar sua atuação em logística e na oferta de formas de pagamentos… então, pai, o Sr. sequer tem um site de seu negócio…

– Site filho?!? Não entendo essas expressões todas que você disse!

– Ter um site hoje, pai, é ser imortal no mundo globalizado, é estar na trilha da empresa digital, expondo seu produto local de maneira global. Sabe pai, o Sr. não tem nenhum processo de qualidade implementado em seu negócio, não é certificado por nenhuma norma ISO – fica difícil assim praticar a Tese do Produto voltado ao Cliente. Nenhum negócio hoje pode arriscar a se expandir sem uma profunda e detalhada pesquisa de mercado, onde se detectará nichos e focos de consumo.

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Hoje todo empresário precisa ter noção clara de reengenharia, endomarketing, coaching, networking, callcenter, além de outras premissas administrativas básicas senão jamais sobreviverá nesse mercado. Então, guarde um pouco mais de dinheiro e no lugar de fazer essa desastrada expansão, invista em alguma franquia já consagrada aqui na região, na área de alimentação, como um McDonald’s ou talvez uma Pizza Hut… Eis aí um investimento com apoio de organizações consagradas. Pai é preciso mudar, inovar, o Bill Gates afirmou que se não nos tornamos obsoletos, os nossos concorrentes vão fazê-lo e aí não teremos mais chance neste ágil mercado. Veja: este seu trailer está superado pai, assim como aquela máquina de escrever, aquela vitrola e discos de vinil que o senhor tem em seu quarto…

–  Puxa filho, eu nunca podia imaginar que tudo isso é necessário para expandir um negócio nesta era digital, como você disse aí…

Maninho ficou impressionado com o conhecimento do filho e, ao mesmo tempo dentro de si, viu-se condenado àquele trailer pelo resto da vida, sem poder colocar em prática suas ideias que, segundo seu filho, não teriam efeito neste novo universo mercadológico do digital, globalizado, talento, ISO, virtual…

Dois dias depois da conversa com o filho, Maninho volta ao trabalho no trailer. Como de costume, foi ao mercado abastecer sua cozinha. Porém, dentro do mercado, já meio desanimado, não escolheu as verduras com seu senso de exigência como era comum, foi “catando” sem muito se preocupar, resolveu comprar refrigerantes mais baratos, apenas uma marca de cerveja, uma cachaça mais baratinha para as suas tradicionais batidas e, ao invés de pedir para sua esposa fazer sua famosa deliciosa massa de pastel, resolveu comprar uma marca barata daquelas congeladas. No açougue, pediu carne de segunda mesmo e a salsicha “da mais baratinha”. Resolveu não ir mais três vezes por dia à padaria para ter pãozinho fresquinho no trailer e comprou pães de fôrma, daqueles disponíveis nas gôndolas… Economizou nos seus tradicionais molhos, comprando daqueles prontos. Até o seu mais famoso, com pedaços de tomate, descobriu que no mercado havia um do mesmo tipo e que saía mais barato e dava menos trabalho.

Abriu seu trailer no sábado pela manhã num lindo dia de sol, ainda com as palavras de seu filho na mente: é ele tem razão, este negócio aqui vai ficar difícil mesmo, posso até fechar antes do que imaginava…

Até o seu cumprimento aos clientes naquele dia já não era tão empolgante. Na primeira batida que pediram, ele nem se preocupou com a dose, pôs açúcar demais e o cliente reclamou e não pagou…

Ao final do dia, o seu mais tradicional sanduíche recebeu várias críticas e houve até quem dissesse ao Maninho: “Sabe de uma coisa Sr.? Agora eu entendo porque o McDonald’s faz sucesso! É porque ninguém sabe fritar um bife neste país…”

 Logo lembrou das palavras do filho: “É, bem que meu filho disse que este tal de McDonald’s é bom…”

Sua venda de cervejas, naquele dia, caiu. Ele só tinha comprado uma marca e nem se preocupara em colocar a máquina do chopp para funcionar. Isso porque Maninho tinha a única máquina de chopp em toda praia da Riviera e, naquele final de semana, nem repôs os barris…

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Quando chegou em casa, sentou-se com o filho e disse:

-Sabe filho, acho que você estava certo! Hoje eu me lembrei de tudo você disse! Tive um dia horrível: os clientes realmente estão mais exigentes; o movimento caiu e teve gente até que disse que não vai mais ao meu trailer e vai àquele tal de McDonald’s… Acho que vou precisar mais de seus conselhos antes que meu negócio quebre…

Nunca se deve perder o entusiasmo pelo trabalho que executamos.

O sucesso de Maninho sempre esteve naquilo que ele tem de melhor, no pouco que sabe e faz muito bem feito. Acreditar que devemos sepultar nossas melhores inspirações profissionais por causa da chegada deste novo mercado, é antecipar um resultado que nem está computado a fazer parte de nosso desempenho.

Conheço vendedores que hoje não saem para vender, porque não têm um notebook, mas são ótimos vendedores e, por darem mais importância à tecnologia que devem carregar, sepultam suas competências de atuação.

Muitas pessoas me escrevem dizendo que sonham escrever um livro, mas não possuem computador. Como se o livro precisasse de um computador para sair de suas mentes e corações!

Então eu me pergunto:

– Será que Pelé deveria ter esperado o computador para planejar suas jogadas?

– Será que Roberto Carlos deveria ter esperado o estúdio digital para gravar seu primeiro disco?

– Será que Airton Senna, ainda quando criança, não deveria ter aceito seu Jeep de lata para correr e esperar por um Mini-Bug?

Escrevi meu primeiro livro à mão, na caligrafia. Se fosse esperar pelo computador A Semente de Deus, teria alguns anos a menos ou talvez nem tivesse nascido.

Ler notícias na Internet é espetacular, mas caminhar até o Jornaleiro ainda é legal…

Comprar pela Internet é espetacular, mas ir a uma padaria é uma delícia…

Mostrar nosso potencial pela tela do notebook ao cliente é sofisticado, mas convencê-lo pelas nossas palavras é um delicioso desafio…

Entregar flores pelo virtual é moderno, mas comprá-las na floricultura e colocá-las na mão da pessoa é fenomenal…

Alie as novas tendências de mercado e tecnologias às suas competências, mas nunca sepulte as suas competências em função das tendências de mercado e tecnologias.

O mercado sempre terá espaço para bons carregadores, motoristas, mecânicos, sapateiros…

Navegar é preciso e importante, mesmo nas ondas mercadológicas, mas sobreviver como pessoa neste mar de mudanças e avanços é fundamental à nossa essência de seres agregados e emocionados.

 

Ah! Só para contar a vocês o final da estória:

O filho de Maninho fez seu MBA, trabalhou na multinacional, mas perdeu a vaga, pois não conseguiu aprender chinês (daqueles métodos de aprender dormindo em 3 dias) mesmo sendo um Talento. Ficou muito estressado, ganhou uma úlcera e poucos amigos, assim como um sistema nervoso abalado. Quase perdeu a esposa e cansou de ver seu bebê no quarto através de uma webcamera instalada no seu escritório do exterior. Voltou para o Brasil e se você quiser vê-lo, hoje ele está servindo no trailer do Maninho, na Riviera de Bertioga, e sua primeira atitude como CEO do trailer foi colocar o seguinte luminoso:

Aqui não somos um trailer globalizado, nem estamos na era digital, mas possuímos os melhores e-petiscos, e-batidas, e-sanduíches, e-chopp e e-atendimento do mundo.

Trailer do Maninho

 Cesar Romão

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Imagem: Freepik

 

 

 

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