Vivian Soares: ‘Aftersun’ emociona com enredo de filha relembrando as últimas férias com o pai

Vinte anos depois das últimas férias que teve com seu pai, Sophie (Celia Rowlson-Hall) decide assistir às gravações que fez com sua antiga filmadora dos anos 90 documentando a viagem.  Poderia ser uma simples história sobre férias de verão entre pai e filha, mas pelo olhar da diretora estreante Charlotte Wells, os recortes semiautobiográficos das memórias de uma garotinha de 11 anos se tornam uma poderosa reflexão sobre o amor, a saudade e o crescimento. Essa é a premissa de Aftersun, um comovente passeio pelas entrelinhas da recordação que expõe o primeiro grande mistério de uma menina: seu pai.

E que outro jeito de começar a abordar esse mistério, se não com uma câmera em mãos? O mais novo drama da A24 começa com o som característico de uma filmadora dos anos 90 e a primeira pessoa a surgir em tela na gravação é Calum (Paul Mescal), um jovem pai que acaba de chegar a uma pousada humilde no litoral paradisíaco da Turquia com Sophie (Frankie Corio), sua filha e cinegrafista do passeio. É na alternância de cenas gravadas nessa antiga câmera e outras gravadas em primeira pessoa através da perspectiva da menina que o espectador vai, ao contrário da protagonista, no auge de sua pré-adolescência, entendendo quem é o homem para além daquele que ela chama de pai.

Cena de Aftersun – Foto: divulgação do filme

A atuação espetacular de Paul Mescal faz com que seu personagem consiga expressar todos os seus sentimentos nas entrelinhas sem dizer sequer uma palavra sobre isso. Através de olhares melancólicos e um tanto vagos, um choro desesperado às escondidas, movimentos tensos em momentos aparentemente calmos, quem assiste vai descobrindo, junto com a própria versão mais velha de Sophie, que apesar de aquele homem tentar ao máximo ter um momento a sós feliz e tranquilo com a filha, ele não consegue totalmente.

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E toda a percepção que o espectador molda sobre esse pai é construída somente naquilo que nunca é dito. Paul Mescal se mostra um gigante da atuação ao conseguir fazer cinema em seu estado mais puro transmitindo o desespero sem trejeitos espalhafatosos, e o poder dessa atuação está sendo reconhecido pela Academia, uma vez que ele foi indicado ao Oscar 2023 de Melhor Ator pela interpretação misteriosa, sedutora e comovente que entrega nesse filme.

Outro ponto forte é a escolha do olhar infantil para narrar a história, porque ele revela, não só o saudosismo da personagem principal daqueles tempos em que ela via a vida em tons coloridos, alegres e suaves junto de seu pai, mas também sua incapacidade de perceber o quanto ele sofria lutando contra os próprios demônios. Ainda que seus conflitos pessoais transpareçam em alguma medida, o misterioso personagem tenta, ao máximo procurar pequenos escapismos para conseguir sorrir e não estragar a viagem, seja dançando em momentos aleatórios, seja fumando um cigarro escondido.

A incapacidade de esconder por completo sua agonia dá a tônica do filme, aliada ao processo de crescimento da própria Sophie, que luta para encontrar um espaço em um tempo em que ela já não se sente mais uma criança, mas também não se sente uma adolescente. Talvez esse seja o ponto mais crucial dessa relação, ainda que o amor entre os dois seja muito tangível, o pai, em sua individualidade, nunca poderia deixar sua dor transparecer para a menina; a filha, na sua, estava preocupada demais crescendo para entender sequer que o homem alegre que ria com ela poderia sentir alguma dor.

Cena de Aftersun – Foto: divulgação do filme

Ingressar no labirinto de memórias dessa personagem é, ao mesmo tempo que sentir a alegria de tempos mais simples, tranquilos e divertidos, mergulhar na profunda tristeza que a compreensão adquirida com o amadurecimento traz. Com tudo isso, os fragmentos de memória dessa menina e de sua versão adulta se mostram, na verdade, uma carta de amor e saudade, um questionamento em aberto que, talvez, nem mesmo a diretora do filme consiga responder. O resultado é um drama completo e nada simples de decifrar.

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É realmente cruel ver a direção de Wells, tão repleta de nuances, verdade e sensibilidade, ficar de fora da categoria de Melhor Direção na premiação mais importante do mundo do cinema. Ainda que esnobada, a diretora entrega um trabalho magistral que exala ternura e arte. Aftersun faz rir, pensar, é provocativo e caminha longe da zona de conforto. Sem fórmula pré-moldada ou grandes rodeios, apenas o sentimento de uma filha por seu pai.

O filme pode ser assistido nas plataformas MUBI e Amazon Prime Video e vale cada segundo pela história tão única que conta.

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Imagens: Foto divulgação do filme Aftersun

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