Conhecida como uma heroína trágica dos tempos modernos, Lucrezia Borgia, filha de um dos papas mais corruptos da igreja Católica, ficou conhecida como uma assassina de maridos, cruel e detestável.
Mas seria sensato recriminar as atitudes de Lucrezia, sem antes conhecer a sua história?
Naquela época, estamos falando de 1480, era muito comum na Europa, as mulheres terem o direito de terem amantes, especialmente entre a sociedade italiana e francesa. Jovens como Lucrezia eram obrigadas a casar com homens que nem sequer haviam conhecido. Por isso, muitas delas procuraram o consolo em outros braços, onde poderiam encontrar o amor e companheirismo que não encontravam no leito conjugal. Não sei se concordarão comigo, mas a trajetória da moça não foi nada fácil.
Nascida em 18 de abril de 1480, em Subiaco, perto de Roma, Lucrezia era filha de Giovanna dei Cattanei, amante do cardeal Rodrigo Borgia, que se tornaria o papa Alexandre VI.
Foi criada pela mãe e com nove anos, encaminhada para a casa de Adriana di Mila, uma viúva da nobreza, para receber uma educação erudita e também para ser preparada para casar. Como a maioria das moças aristocratas da época, Lucrezia seria dada em matrimônio a um fidalgo, auxiliando alianças políticas para sua família.
O primeiro pretendente de Lucrezia pertencia à umas das mais poderosas dinastias de Milano, os Sforza.
A epopeia da jovem, começa com seu casamento em 1493 com Giovanni, filho de Costanzo Sforza I. Lucrezia tinha apenas 13 anos.
Porém, em seu primeiro casamento, era pouco mais que uma adolescente, provavelmente sem qualquer experiência sexual. Dizem que os cônjuges passariam os dois primeiros anos do casamento vivendo separadamente.
A união entre os noivos duraria pouco tempo, já que o papa Alexandre VI e seu filho Cesare Borgia pretendiam usar a jovem Lucrezia em um novo acordo matrimonial. Mas para que isso ocorresse, era preciso se livrar do marido da moça, Giovanni Sforza, que se recusava a aceitar o divórcio.
Contrariado, Giovanni declarou, perante todos, que Lucrezia mantinha relações incestuosas com o próprio irmão e o pai. Essa atitude sem dúvida, deve ter irritado o irmão de Lucrezia, Cesare Borgia, conhecido como pouco tolerante. É possível dizer que Cesare teria motivos de sobra para assassinar Giovanni, e assim vingar sua honra e a de sua família. Entretanto, ocorreu um fato que manchou a reputação de Lucrezia: ela saiu grávida de seu primeiro casamento, mas não de seu marido. A situação se torna ainda mais embaraçosa quando nos confrontamos com o fato de que a anulação do casamento com Sforza se deu com base na provável não consumação e “impotência” do marido. Se Giovanni não podia gerar filhos, então como sua mulher apareceria grávida pouco depois da morte do mesmo, estando ela enclausurada num convento?
Nesse caso, a dúvida: Lucrezia só poderia ter um amante, mas quem? Dizem que seu amante era um jovem chamado Perotto, um espanhol com quem ela mantinha relações ainda enquanto seu primeiro casamento estava em processo de anulação. O filho de Lucrezia, chamado Giovanni, conhecido como “infante Romano”, foi criado como filho do papa, para acalmar os ânimos da sociedade escandalizada. Quanto ao pai biológico da criança, soube-se que foi morto a facadas pelo irmão de Lucrezia, Cesare.
A história, por sua vez, tem se mostrado muito cruel com a memória de Lucrezia, culpando-a pela morte do marido e do amante. Na verdade, ela não passava de um peão no jogo de alianças diplomáticas de seu pai e irmão. Como a família Borgia sempre foi muito mal vista pela aristocracia dos estados italianos, devido às suas pretensões expansionistas e militares (como bem ressalta Maquiavel em O Príncipe), então é de se supor que parte desse ódio seria transferido para ela.
Em 1498, ainda com boatos sobre sua maternidade, ela foi entregue em casamento a Alfonso Biscegli, também assassinado pelas mãos de Cesare Borgia, em 1500.
Lucrezia ficou profundamente abalada com a morte de seu marido, e se pôde ver seu desespero, que a levou a refugiar-se por um tempo no convento de São Domini. Alexandre VI esforçando-se em recuperar a afeição da filha, e de mostrar ao futuro marido de Lucrezia, que ela era capaz de governar […] entregou a sua filha a direção dos negócios da Igreja (AZEVEDO et al., pags. 3-4).
Esse trecho traz uma passagem bastante peculiar sobre a vida de Lucrezia e da própria história do catolicismo: em 1501, enquanto Alexandre VI estava ausente, deixou sua filha na chefia dos assuntos da igreja em vez de um cardeal suplente. Pela primeira vez em séculos, uma mulher se sentava do trono de São Pedro, para o desespero dos clérigos e sacerdotes.
Afonso D’Este, filho do duque de Ferrara foi o último dos maridos da jovem (os dois se casaram por procuração em 30 de dezembro de 1501). Apesar dos casos extraconjugais envolvendo ambos, é possível dizer que foi uma união relativamente estável e muitos filhos do casal sobreviveriam à posteridade. Obtendo o título de duquesa de Ferrara, Lucrécia teve a oportunidade de mostrar o quanto podia ser útil politicamente ao marido. Ainda de acordo com Azevedo (et al.).
“Lucrezia Borgia entrou para história como uma mulher má, envenenadora de seus maridos, mas a história contada pelas correspondências da época mostra uma mulher bem diferente. Além de ser linda e delicada como a Santa Catarina de Pinturicchio dos aposentos dos Borgia, há relatos de que quando governou Ferrara em ausência de seu marido, ela foi justa proibindo discriminações contra os judeus, aplicando severas penas aos que as descumprissem” (AZEVEDO et al., pag. 4).
Após a morte de Alexandre VI, em 1503, a família Borgia perde seu poder. Lucrezia, mesmo após todos os acontecimentos, viveu uma vida tranquila, até morrer prematuramente, pouco tempo depois do parto de sua última filha com Afonso D’Este, em 24 de Junho de 1519, tendo somente 39 anos de idade.
Os séculos se passaram e, no entanto, a figura de Lucrezia continuou a ser depreciada por uma série de romancistas. Até hoje a cultura popular reconhece-a pela bela mulher que portava um anel em cujo interior abrigava a “Cantarella” (famoso veneno dos Borgia). Se isso é verdade ou não, só o tempo dirá, e quem sabe poderá enfim, livrar Lucrezia de suas acusações e retratá-la como uma mulher forte, vítima da vontade dos homens que a rodeavam.
Na semana que vem, volto com muito mais curiosidades dessa Itália Nostra!
Referências Bibliográficas:
AZEVEDO, Daniela Grillo de; Et al. Lucrécia Bórgia: sua Imagem no renascimento e na contemporaneidade. 2007 – Último acesso em: 14 de Março de 2013.
Lucrécia, o “veneno” dos Bórgia : Renato Drummond Tapioca Neto
Respostas de 3
Caramba! Que imbróglio…Mesmo naquela época a sociedade já não era lá essas coisas. Boa história, mais um pouquinho da fantástica cultura italiana.
Muito bom Rosangela.
Interessantíssimo o costume da época e retratado de forma brilhante.
A série “Os Borgias” da está visão, reforçando a relação com seu irmão.
Na verdade a verdade ficou apenas nas cartas e contos tradicionais das vilas italianas, algumas exaltando, outras difamando.
Rô, que beleza de aula! Gostei muito ou melhor, adorei. Obrigada e bjs