Até quando as crianças com TEA serão vítimas de maus-tratos, bullying e deboche?

Créditos: Artmed

Como mãe de um rapaz com diagnóstico de autismo e como profissional que atende famílias atípicas, é impossível não sentir indignação. Cada nova denúncia de maus-tratos, bullying ou negligência contra crianças com TEA nas escolas me traz dor.

E, o que dói ainda mais, é saber que muitas dessas situações poderiam ter sido evitadas se as instituições simplesmente tivessem ouvido as famílias.

Em muitos casos, nossas vozes são tratadas como exagero, como se estivéssemos “vendo problema onde não existe”. Até que o problema se materializa da forma mais cruel possível.

Foi o que aconteceu em Cuiabá (MT), quando uma criança com TEA foi agredida dentro do banheiro de uma escola pública. A mãe já havia alertado sobre a vulnerabilidade do filho e a necessidade de acompanhamento especializado, mas os pedidos foram ignorados. Sem supervisão, ele ficou desprotegido e acabou violentado.

Em Lajeado (RS), outro adolescente com TEA foi vítima de bullying constante em uma escola estadual. A mãe já tinha buscado a direção várias vezes, relatando as ofensas, o isolamento, o sofrimento do filho. A resposta foi a mesma: silêncio e inércia. Só depois que o adolescente chegou em casa mais uma vez chorando, a denúncia ganhou visibilidade.

Em Guaratuba (PR), pais denunciaram maus-tratos contra seu filho com TEA em uma escola particular. O comportamento da criança mudou, os sinais de estresse ficaram evidentes, mas a escola – que já havia sido alertada sobre a necessidade de suporte – ignorou as preocupações.

Esses casos não são exceção. São parte de um padrão doloroso: famílias que gritam por ajuda e instituições que fecham os olhos, como se o sofrimento das crianças fosse invisível.

E, se já é revoltante ver escolas negligenciando a segurança dos alunos, o caso revelado em São Paulo (SP) ultrapassa qualquer limite de compreensão. Foi noticiado que duas terapeutas, profissionais que estudaram para acolher, cuidar e apoiar crianças, foram flagradas maltratando e zombando de crianças com TEA dentro de uma clínica particular.

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Terapeutas. Pessoas que deveriam ser aliadas das famílias oferecendo suporte nos momentos mais delicados. Mas, longe dos olhares das mães e pais, se transformaram em agressoras.

Os áudios divulgados são um soco no estômago.  As profissionais – que deveriam ser fonte de acolhimento – debochavam, ridicularizavam, desumanizavam. Não é só antiético. É cruel. É monstruoso.

E a pergunta que fica é: como alguém que dedica anos de estudo para cuidar pode, ao mesmo tempo, representar um risco tão grande? Esses episódios revelam um sistema falho, que ainda trata a inclusão como um favor e não como um direito.

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e a Política Nacional de Educação Especial garantem proteção, suporte e acompanhamento especializado. Mas, na prática, as famílias seguem lutando sozinhas, enquanto as instituições, públicas e privadas, só agem depois que a violência já deixou marcas.

O mais doloroso é que muitas dessas providências só chegam após a exposição pública ou a intervenção das autoridades. Em Ferraz de Vasconcelos (SP), por exemplo, a denúncia de maus-tratos contra uma criança com TEA em uma escola pública ganhou atenção após a cobrança de um deputado estadual. Mas e as famílias que não conseguem visibilidade? Que não têm acesso jurídico para cobrar seus direitos?

A verdadeira inclusão não é colocar a criança na sala de aula ou na terapia e torcer para que tudo corra bem. É garantir que ela esteja segura, acolhida, respeitada. É ouvir as famílias quando elas dizem: “Algo está errado.”

Hoje eu me término esse texto com um nó na garganta. É um misto de indignação, tristeza e cansaço. Espero que os responsáveis sejam punidos com o rigor necessário. Também desejo que as famílias sejam indenizadas, porque nenhuma criança deveria pagar o preço da negligência alheia.

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Mas, acima de tudo, clamo para que haja mais cuidado e respeito aos direitos das nossas crianças com TEA. Elas merecem e nós, familiares, exigimos a proteção que nossa Constituição e Legislação determinam.

Mesmo assim, amanhã é outro dia. Eu não vou me abater e continuarei lutando para promover um mundo melhor para o meu filho e para o seu. Conte comigo!

Se você tem dúvidas a respeito dos direitos das pessoas com autismo, me escreva! E saiba: aqui é um lugar para você se sentir acolhido! Será uma honra caminhar com você nessa jornada de acolhimento e amor.

Um beijo e até a próxima quarta-feira,
Juçara Baleki

@querotratamento

Referências:

  1. (2024). Criança autista é agredida dentro de banheiro de escola em Cuiabá. Disponível em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/video/crianca-autista-e-agredida-dentro-de-banheiro-de-escola-em-cuiaba-13369185.ghtml.
  2. Agora no Vale. (2024). Mãe denuncia caso de bullying contra adolescente autista em escola estadual de Lajeado. Disponível em: https://agoranovale.com.br/noticias/policia/mae-denuncia-caso-de-bullying-contra-adolescente-autista-em-escola-estadual-de-lajeado/.
  3. Portal da Cidade Guaratuba. (2024). Pais de Guaratuba exigem providências após maus-tratos a criança autista. Disponível em: https://guaratuba.portaldacidade.com/noticias/educacao/pais-de-guaratuba-exigem-providencias-apos-maus-tratos-a-crianca-autista-1054.
  4. (2024). Líder Rodrigo Gambale repudia maus-tratos contra criança autista e cobra rigor da lei. Disponível em: https://www.podemos.org.br/lider-rodrigo-gambale-repudia-maus-tratos-contra-crianca-autista-e-cobra-rigor-da-lei/.
  5. Metrópoles. (2024). Psicólogas maltratam e zombam de crianças autistas em clínica. Disponível em: https://www.metropoles.com/sao-paulo/psicologas-maltratam-e-zombam-de-criancas-autistas-em-clinica-ouca.

 

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