Crítica: A Mula (The Mule) | 2018

The Mule

Atualmente e já há um bom tempo, a lenda viva Clint Eastwood ocupa o posto de meu diretor favorito. De meus dez filmes preferidos de todos os tempos, Eastwood dirigiu dois deles: as obras-primas Os Imperdoáveis (The Unforgiven, 1992) e Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), sem falar em pelo menos mais um punhado de obras dirigidas de maneira magistral por este eterno cineasta que este ano completa 88 anos de vida.

Porém, é preciso admitir que com exceção de Sniper Americano (American Sniper, 2014), o cinema do mestre Clint não é mais o mesmo de mais ou menos dez ou quinze anos atrás. Apesar de eu ter gostado bastante de filmes como Jersey Boys: Em Busca da Música (2014) e Sully: O Herói do Rio Hudson (2016), ambos os filmes não foram muito queridos pela crítica quando lançados, e outras produções do octogenário deixaram MUITO a desejar, como a fraca “Sessão da Tarde” Curvas da Vida (Trouble With the Curve, 2012), onde Clint só atua, e o ruim 15:17: Trem Para Paris (15:17 to Paris, 2018), que definitivamente figura entre os piores filmes da carreira do diretor.

Portanto, confesso que até sua chegada, este drama A Mula (The Mule, EUA, 2018), nova produção dirigida e estrelada por Eastwood, era uma incógnita para mim. Inspirado na história verídica de um nonagenário que se torna mula de drogas para um perigoso cartel, o filme se apoia completamente no charme cansado de seu ator e diretor, no papel de um motorista desesperado para juntar dinheiro, mesmo que suas ações o levem à cadeia ou coisa pior. A abordagem de Eastwood é crítica com seu protagonista, onde a simpatia do público pelo personagem é sempre abalada pelo egoísmo do próprio.

Eastwood interpreta Earl Stone, um horticultor que é tão devotado às suas flores, que o próprio acabou negligenciando e alienando grande parte de sua família, incluindo sua ex-esposa Mary (Dianne Wiest, de Hannah e Suas Irmãs). Mas com seu negócio indo à falência e a hipoteca batendo à porta, Earl recebe uma inesperada proposta: Dirigir ao redor do país, deixando algumas encomendas em determinados endereços. O trabalho parece fácil, e o pagamento por seus serviços seria substancial. Entretanto, há uma exigência por parte de seus empregadores: Earl deve sempre obedecê-los e nunca olhar dentro dos pacotes que transporta.

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Logo se torna óbvio que Earl foi na verdade contratado para ser uma mula para o tráfico de drogas, e um dos aspectos mais interessantes do filme é que este idoso nunca realmente questiona a legalidade de seu trabalho. Na perspectiva de Earl, as contas têm de ser pagas, o casamento de sua neta precisa ser financiado, e instituições comunitárias que estão mal das pernas bem que poderiam precisar de uma ajuda financeira de sua parte. Para o protagonista, ele está cometendo um crime onde não há vítimas.

No entanto, é claro que esta não é a mesma perspectiva de Colin Bates (Bradley Cooper, do maravilhoso Nasce uma Estrela, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), um ambicioso agente da narcóticos de Chicago que está tentando derrubar justamente o cartel que empregou Earl. Só o que falta para Bates é descobrir quem diabos está transportando a droga para eles, e A Mula explora a ironia da situação, onde o cartel contrata um homem velho e branco para o trabalho, quando Bates e seu parceiro (o ótimo Michael Peña, de Extinção, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), estão ocupados procurando por jovens mexicanos. O roteiro de Nick Schenk (Gran Torino, O Juiz), baseado em um artigo do jornalista Sam Dolnick publicado no The New York Times, dá à investigação destes homens uma natureza lenta e procedural, ao mesmo tempo em que observa seu inerente racismo.

Eastwood não esteve muitas vezes à frente das câmeras neste século, e quando ele o faz, ele tem a tendência de interpretar um tipo de homem virtuoso que logo já não existirá mais, com o fim de sua geração. Foi assim especialmente em seu Gran Torino (2008), onde seu personagem, que consiste em um poço de preconceito, revela-se muito mais humano do que parece. Mas em A Mula, Eastwood é bem mais crítico em relação ao seu personagem, confrontando à todo momento a empatia do público com o egoísmo de Earl.

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O filme também mostra como (e sem nenhum tipo de militância mimimi aqui, pelo amor de Deus), o fato de Earl ser branco permite a ele que navegue em torno da lei de maneiras que um cidadão de etnia mexicana nunca poderia. Há uma amarga porém sutil justaposição de ideias na narrativa, onde fica evidente que Earl desperdiçou sua excelente vida devido às suas próprias tolices, enquanto que os operários no pé da pirâmide do cartel que interagem com Earl, são o retrato das oportunidades desperdiçadas por ele, oportunidades as quais eles nunca terão.

Uma coisa é certa em A Mula; nem a história de Earl ou a investigação para capturá-lo são exatamente vibrantes. Contudo, a confiança narrativa e a variante da imersão de Earl em um mundo totalmente novo (e perigoso), garantem bom ritmo à produção. Vale ressaltar também todas as performances do elenco de apoio, que vão desde o carisma e talento cada vez maior de Cooper (repetindo aqui a parceria com Eastwood iniciada em Sniper Americano), até o sempre formidável Andy Garcia, no papel de um chefão do tráfico.

À medida em que Eastwood chega ele próprio aos 90 anos de idade, sua visão de seu Earl é a de um homem comum que já não mais reconhece seu lugar no mundo moderno. Mantendo o seco senso de humor e o estilo de atuação minimalista que carrega há mais de 60 anos, Eastwood conduz os temas do filme de maneira até graciosa, principalmente quando trabalha a noção de um homem envelhecido chegando ao fim de sua estrada. E ainda que este discreto filme talvez soe um pouco longo demais ou mesmo privado de dinamismo ou momentos memoráveis, a pureza de seu tom delicado e lúgubre permanece com o espectador após os créditos finais. Sutil, A Mula ressoa no subconsciente do público especialmente por seu olhar direto e sem rodeios sobre a corrupta guerra americana contra as drogas, além de se firmar como um honesto retrato de um homem velho e falho, cujas opções e segundas chances estão chegando ao fim.

A Mula estreia nos cinemas brasileiros no dia 14 de fevereiro de 2019.

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