Crítica: American Fable (2017)

O cinema americano tem sido cada vez mais crítico com sua própria pátria mãe. O recente e fantástico À Qualquer Custo (Hell or High Water), cuja crítica você pode conferir aqui mesmo no Portal do Andreoli, antes de ser uma história sobre mocinhos e bandidos, é um ataque aberto à economia falida do país, onde os bancos comem propriedades (e a saúde dos proprietários) como cupins.

Esta pequena, porém profunda em sua natureza contestadora, American Fable (EUA, 2017), é mais uma obra recente a atacar o status quo econômico norte-americano, mesmo que o faça de maneira singela, quase fantasiosa, sob a ótica de uma criança cuja saída do mundo dos contos de fada e a entrada na vida adulta, acontece de maneira pesada e dramática, dentro de um contexto insólito e moralmente perigoso.

A criança em questão é a adorável Gitty (a carismática e talentosa Peyton Kennedy, do recente horror XX, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), uma doce e sonhadora garota na casa dos doze anos de idade, cuja vida consiste da segura sensação de estar protegida no seio de sua família, formada pelo trabalhador casal de fazendeiros Abe (Kip Pardue, de Duelo de Titãs, 2000) e Sarah (Marci Miller, de Death Race 2050), e de seu instável irmão mais velho Martin (Gavin MacIntosh). Contudo, o que a jovem Gitty ainda é inocente demais para perceber, é que seus pais vivem o pesadelo de estar perdendo a fazenda da família para o banco, e que para piorar, estão mantendo como refém a Jonathan (o ótimo Richard Schiff, da série Ballers), um homem de negócios que estaria ligado ao imbróglio envolvendo a propriedade da família. E quando Gitty descobre o homem mantido dentro do silo da fazenda e passa a interagir com ele, as coisas nunca mais serão as mesmas para todos os envolvidos.

Escrito e dirigido com segurança pela estreante Anne Hamilton, American Fable é uma interessante história de auto-descobrimento, sobre amadurecer em tempos de crise, ainda que a história seja ambientada nos anos oitenta. A época entretanto, pouco importa. E Hamilton visivelmente procura cutucar a atual política americana, que visa o lucro das grandes instituições e a consequente ruína do proletariado, aqui personificado mais especificamente na figura do pai de família, que acaba forçado a tomar medidas drásticas para proteger os seus.

Nem tudo funciona no filme, contudo. O personagem do irmão, interpretado por Gavin MacIntosh é extremamente irritante, e alguns personagens coadjuvantes são mal aproveitados pela trama. O filme também mantém um subtexto alegórico, que vai de encontro ao título da produção. Mas este aspecto da narrativa nunca é trabalhado de maneira satisfatoriamente completa pela produção, que funciona melhor quando foca no segredo que corrói por dentro a família de protagonistas, e principalmente, quando centraliza a ação nos diálogos entre Gitty e Jonathan, de longe os melhores personagens e intérpretes da produção.

De tom simplista, mas com um inegavelmente forte motor narrativo, valorizado por sua maravilhosa protagonista mirim (fiquem de olho nesta Peyton Kennedy), American Fable é uma válida experiência cinematográfica, especialmente pela maneira sutil mas inteligente com que confronta os meandros cada vez mais sujos da situação político-econômica norte-americana, nação cada vez mais órfã dos valores mais básicos necessários para proteger e respeitar seus cidadãos.

American Fable não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar diretamente ao mercado de streaming e home-video.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Compartilhe esta notícia

Mais postagens