Em uma publicação recente que escrevi para uma outra revista online, falei brevemente sobre as creepypastas. Creepypasta é o nome dado para as histórias de terror ou lendas urbanas que são divulgadas e espalhadas através da internet. Esta é uma palavra em inglês, formada a partir da junção do termo “creepy”, que significa “arrepiante” ou “assustador”, com a expressão “copypaste”, que quer dizer “copiado e colado”.
De todas as creepypastas existentes na internet, a mais famosa é sem dúvidas a que se refere ao “Slenderman“. Mesmo quem nunca pesquisou sobre as creepypastas, já deve ter visto imagens ou ouvido falar sobre a lenda, criada por um tal Eric Knudsen (sob o pseudônimo Victor Surge) em 2009. O Slenderman é uma figura absurdamente esguia e alta, que traja um terno preto e gravata, além de não ter rosto. Segundo a lenda, o Slenderman atrai e sequestra pessoas, principalmente crianças, e o destino de suas vítimas nunca foi descoberto. E é exatamente aí que mora o perigo.
Tornando-se um mito da internet, e por consequência, uma figura supostamente verdadeira no mundo real, o tal Slenderman passou a ocupar, de maneira incômoda, o subconsciente de muitos jovens e adolescentes, cuja grande fatia deste público, acredita que a criatura não é exatamente má, mas sim um “anti-herói”, que sequestraria crianças e adolescentes para ajudá-lo em diferentes propósitos, tornando-se assim, um amigo para estas crianças. E foi baseado em cima deste preceito, que uma história tão horripilante quanto o próprio Slenderman e qualquer outra creepypasta existente, aconteceu em meados de 2014, e que dá origem à este documentário Beware the Slenderman (EUA, 2017), produção original da gigante do entretenimento, HBO.
No dia 31 de Maio de 2014, na pequena cidade de Waukesha, no estado de Wisconsin, duas garotas de 12 anos de idade, Morgan Geyser e Anissa Weier, atraíram uma de suas melhores amigas, Payton Leutner, da mesma idade, para um parquinho nos arredores. Uma vez no local, desferiram à sangue-frio dezenove facadas na menina. Gravemente ferida, Payton se arrastou por vários metros, até chegar à uma calçada e conseguir socorro. Morgan e Anissa foram encontradas longe do local, caminhando na direção de um parque florestal, onde supostamente ficaria a casa do Slenderman, criatura que, segundo as duas garotas, teria ordenado o brutal ataque desferido pelas amigas.
Dirigido pela documentarista indicada ao Oscar Irene Taylor Brodsky (do comovente documentário The Final Inch, 2009), Beware the Slenderman acompanha a investigação policial envolvendo a ação criminosa e o desenrolar das graves consequências dos atos perpretados por Geyser e Weier, apoiado em depoimentos dos familiares das envolvidas, da polícia de Wisconsin, e das próprias meninas, além de imagens reais do julgamento das garotas.
O real foco do documentário, no entanto, é procurar encontrar explicações de como um mórbido fenômeno da internet, pode ter sido o causador de um ato tão macabro quanto a própria criatura que o teria originado. Através de trechos de entrevistas com especialistas em internet, psicólogos e outros profissionais, Brodsky cria um interessante mosaico, que evidencia a falta de controle dos pais com relação ao uso mal-direcionado da internet por parte de seus filhos, que com apenas alguns poucos cliques no mouse, ficam expostos à conteúdos tão mal-intencionados quanto perigosos.
Tal uso descontrolado e irrestrito da internet (mais precisamente da famigerada “Deep Web” – diretórios da rede mundial de computadores sem nenhum tipo de monitoração), é o responsável direto pela inserção de fatores de completa alienação nas cabeças não só das citadas Geyser e Weier, como de centenas de milhares de jovens ao redor do mundo. Chega a ser chocante observar o grau de alienada subserviência destas jovens aos mitos da internet, mais precisamente o deste tal Slenderman, e de como a linha que separa fantasia e realidade, é completamente obliterada da cabeça das garotas, que segundo elas, após terem completado o famigerado ato a que se propuseram, seriam aceitas na mansão da criatura, onde viveriam felizes para sempre, como uma família.
O documentário aborda de maneira concreta os efeitos devastadores de tamanha exposição por parte dos jovens aos perigos do submundo da internet, mas comete algumas falhas, especialmente na maneira com que a narrativa acaba tornando-se repetitiva, e também um tanto manipulativa, procurando chocar o espectador mais do que o necessário. O próprio evento abordado pelo documentário, mesmo sendo horrendo como é, de certa forma carece de um “twist” em seus acontecimentos, e o espectador parece esperar por algum novo acontecimento revelador que na verdade não existe. À título de informação, o caso ainda está em aberto, e Geyser e Weier aguardam o julgamento final de seu crime no final de 2017, onde serão julgadas como adultas pelo crime de tentativa de homicídio. As garotas podem pegar mais de 45 anos de prisão em regime fechado.
Longe do sobrenatural que sua assustadora figura central parece implicar, Beware the Slenderman é mais um sólido esforço da HBO no campo do documentarismo. Uma obra triste e ao mesmo tempo sombria, que revela um mundo muito mais assustador do que o de criaturas que não pertencem à este plano da existência. Os monstros de Beware the Slenderman são infelizmente muito reais, têm apenas 12 anos de idade, e carregam consigo uma estranha incongruência de caráter, onde é impossível discernir o que é real, do que é fabricado em uma fantasiosa e mortal ferramenta digital.
Beware the Slenderman está disponível no canal pago HBO.