Crítica: Bright (2017)

É interessante acompanhar passo a passo a evolução da Netflix como potência do entretenimento. Começou como um pioneiro serviço de streaming e se solidificou no mercado como tal. Em seguida, partiu para a criação de conteúdo próprio, começando discretamente com algumas séries e animações, até também se tornar referência com verdadeiras potências no portfólio, como a série Stranger Things e a parceria com a powerhouse Marvel, que rendeu series como Daredevil: Demolidor, Jessica Jones e The Punisher: O Justiceiro.

O passo seguinte foi mais ambicioso, e o selo passou a investir na produção de longa-metragens, também começando por baixo com pequenas produções, como os bons thrillers Shimmer Lake e Pequenos Delitos (Small Crimes), até chegar com força em 2017, investindo tanto em produções de forte cunho artístico e dramático como o drama Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi e a comédia dramática Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe, protagonizada por um elenco estelar, de nomes como Adam Sandler, Ben Stiller e Dustin Hoffman. A produtora também resolveu investir pesado na produção de obras adaptadas, por exemplo duas adaptações da obra literária do mestre Stephen King, os suspenses Jogo Perigoso (Gerald’s Game) e 1922. Vale lembrar que você encontra as críticas de TODOS os filmes citados acima aqui no Portal do Andreoli.

Mas então surge a pergunta: E agora? Qual o próximo passo da Netflix para se consolidar ainda mais como a potência do entretenimento que já se tornou? O que falta ao portfólio da produtora? Eu respondo para vocês: Uma superprodução. E esta primeira superprodução com o selo de qualidade Netflix chega representada por este Bright (EUA, 2017), que vem armado com o astro Will Smith no papel principal, repetindo sua parceria com o diretor David Ayer, com quem trabalhou na adaptação da DC Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016). E apesar do resultado final de Esquadrão Suicida ter sido decepcionante, Smith foi um dos elementos que se salvaram no filme, e Ayer continua um diretor no qual aposto graças a outros filmes no currículo dele, como os excelentes Tempos de Violência (Harsh Times, 2005) e Corações de Ferro (Fury, 2014).

Smith e Ayer ainda chegam acompanhados de um elenco de apoio sensacional, realmente digno de uma superprodução de quilate, de nomes como o cada vez melhor Joel Edgerton (do thriller Ao Cair da Noite e do drama Loving, cujas críticas você também confere aqui no Portal do Andreoli), Noomi Rapace (Prometheus, 2012), Edgar Ramírez (de Ouro, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), Jay Hernandez (também de Esquadrão Suicida), e a bela Lucy Fry (das séries Wolf Creek e 11.22.63), o que mostra o engajamento da Netflix em transformar Bright o maior lançamento da produtora até hoje. Se é que o orçamento de mais de U$100 milhões já não corrobora esta afirmação.

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O que é curioso no entanto, é o fato de a Netflix ter apostado tão alto em uma sinopse no mínimo curiosa e um tanto arriscada, que faz uma verdadeira salada de elementos de diferentes gêneros. Escrito por Max Landis (Poder Sem Limites, 2012), o roteiro é ambientado nos dias atuais, porém em uma realidade alternativa (ou universo paralelo, se preferirem), onde humanos, orcs, elfos e fadas coexistem desde o início dos tempos. Apesar do cenário fantasioso idealizado por Landis, Bright é um thriller de ação (!) que acompanha dois policiais de backgrounds bastante distintos: o humano Ward (Smith), e o orc Jakoby (Edgerton), que embarcam em uma patrulha noturna de rotina, cujo desenrolar pode vir a alterar completamente o futuro de seu mundo. Lutando contra suas próprias diferenças pessoais e também um bocado de diferentes tipos de inimigos, os dois tiras precisarão trabalhar juntos para proteger uma jovem elfa (Fry), e ainda uma relíquia esquecida, que nas mãos erradas pode vir a destruir o universo.

Flertando de leve com a premissa do pouco conhecido Missão Alien (Alien Nation), filme dirigido por Graham Baker em 1988 e estrelado por James Caan, onde num futuro próximo um tira da cidade de Los Angeles se vê obrigado a trabalhar com um outro tira de origem alienígena, Bright desenvolve bem sua ideia central, e a aproveita de maneira relevante ao usá-la como uma alegoria para falar sobre o racismo (Ward, que é negro, carrega um forte preconceito contra seu parceiro, que é um orc). Essa “inversão de valores” do pêndulo racial é muito bem-vinda, mas poderia ter sido melhor explorada por Ayer e Landis. Aliás, meu sentimento ao final de Bright foi o mesmo que tive quando assisti ao citado Esquadrão Suicida: O filme renderia bem mais com menos.

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Ayer e Landis incham demais a trama do filme, que precisa funcionar não só como um filme policial, mas também como uma alegoria de fantasia, o que deixa o conjunto da produção um tanto desequilibrado. Como era de se esperar, a fatia mais realista da produção, que envolve a relação e convivência entre os dois tiras tão diferentes, funciona melhor do que a trama envolvendo elfos, fadas e relíquias capazes de destruir o mundo. As figuras femininas da trama, interpretadas por Lucy Fry e Noomi Rapace são fortes e determinantes para o filme, o que não pode ser dito da presença do competente Edgar Ramírez, cujo personagem não acrescenta nada de muito interessante na narrativa.

Ayer, entretanto, ganha pontos com a excelente ambientação urbana de sua trama, cujos momentos mais pungentes da ação policial remete à seus excelentes filmes policias do início de sua carreira, como Os Reis da Rua (Street Kings, 2008) e o primoroso Marcados Para Morrer (End of Watch, 2012), até hoje seu melhor filme na carreira. A excelente qualidade técnica e visual da produção, também mostra que a Netflix realmente desembolsou para transformar Bright em um evento a ser aguardado como uma estreia dos cinemas (ao lado de Star Wars: Os Últimos Jedi, Bright é um dos filmes mais aguardados do segundo semestre de 2017). Mas é mesmo nas presenças de seus atores centrais, Smith e Edgerton, que a produção encontra seu viés mais forte. Mesmo sob pesada maquiagem, Edgerton continua uma figura competente e confiável frente às câmeras, enquanto que Smith faz o que faz melhor: esbanjar carisma em uma superprodução, e mostrar eficiência dramática quando necessário. Smith continua sendo um dos melhores leading men do cinemão americano.

Primeira superprodução do selo Netflix, Bright faz jus à seu papel, e entrega um produto que com certeza agradará a grande fatia de seu público. Contudo, não consigo deixar de imaginar uma produção levemente mais sóbria, talvez sombria, valorizada mais pela interpretação de seu fortíssimo par de protagonistas do que por tramas fantasiosas recheadas de magia e efeitos-especiais. Espera… Mas aí não seria uma superprodução, seria?

Bright estreia no catálogo da Netflix na próxima sexta-feira, dia 22 de Dezembro.

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