Crítica: Brinquedo Assassino (Child’s Play) | 2019

Brinquedo Assassino

Em 1988, um filme sobre um certo boneco que se revelava um assassino maligno chegou timidamente aos cinemas e se tornou um improvável mega-sucesso. Brinquedo Assassino, filme dirigido por Tom Holland (A Hora do Espanto, 1985), não só foi um inesperado hit de bilheteria, como acabou gerando uma das mais longas e rentáveis franquias do cinema. Além do primeiro (e disparado o melhor) exemplar de franquia, o encapetado boneco Chucky esteve ainda em seis outros filmes, sempre com resultados no mínimo duvidosos, e ao longo do caminho tornou-se figurinha cativa na galeria dos ícones do cinema de horror.

Chucky, para quem não se lembra ou conhece bem a mitologia em torno do personagem, é na verdade um serial-killer, Charles Lee Ray (Brad Dourif, que aparece apenas no primeiro filme e dubla o boneco nos outros seis), que mortalmente ferido após um tiroteio com a polícia, consegue através de um ritual de magia negra, transferir sua alma/espírito maligno para o boneco de cabelos vermelhos que todo mundo passou a conhecer. O tal boneco é então comprado por uma mãe solteira que o dá de presente para seu filho, Andy, de seis anos de idade. Chucky marca Andy como o perfeito novo receptáculo humano para abrigar sua alma, e deste ponto em diante, Chucky persegue Andy através das sequências e das décadas matando todos que cruzarem seu caminho.

Entretanto, este novo reboot de Brinquedo Assassino (Child’s Play, EUA/FRA, 2019), toma bastante liberdade em relação à mitologia da franquia original. Este Brinquedo Assassino é o primeiro da série a contar uma nova história original, começando tudo do zero. Mas a premissa básica continua a mesma: Uma mãe solteira (a bela Aubrey Plaza, de An Evening with Beverly Luff Linn e Ingrid Goes West, cujas críticas também estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli), compra para seu filho um boneco conhecido como “Buddi”, a sensação do momento entre a criançada. Logicamente, aos poucos o boneco revela-se o cramulhão em forma de brinquedo, mas o novo Chucky não tem nada de serial-killer que conhece rituais de vudu, mas consiste sim em um brinquedo de alta tecnologia cuja Inteligência Artificial assume uma personalidade maligna (desta vez dublada pelo “Luke Skywalker” Mark Hamill).

Este novo ângulo “tecnológico” abre possibilidades interessantes para a série, assim como o fato de que Andy (Gabriel Bateman, de Quando as Luzes se Apagam), não é um garoto de seis anos, mas sim um solitário adolescente de 12 anos de idade, que se muda para um novo condomínio com sua mãe, Karen (Plaza). Karen só quer que seu filho introvertido tenha um amigo, que se materializa à princípio no boneco que ela compra para ele. Como Andy já não é mais uma criança, ele não aceita o presente lá muito bem, mas aos poucos, começa a se empolgar com as características do boneco, que aprende através da interação humana, tem mais de vinte sensores e câmeras pelo corpo e compreende inglês e espanhol (sim, este Chucky é bilíngue). A melhor parte, entretanto (que depois revela-se um tremendo problema para o garoto), é que como o boneco foi fabricado por uma sombria mega-corporação conhecida como Kaslan Corporation, ele consegue controlar todos os outros produtos da Kaslan, como por exemplo eletrodomésticos, telefones, etc…

Desta vez, os bonecos Buddi do filme vêm em diferentes modelos, que vão desde o padrão ruivo com sardas, passando pelo loiro, pelo afro-americano e até uma versão ursinho de pelúcia (com garras um tanto afiadas, diga-se de passagem). Cada boneco tem os conhecidos olhos azuis, mas que mudam para vermelho quando estão com algum mal-funcionamento (Hal9000, alguém?). Muito se falou do design do novo Chucky (aliás, há uma cena muito bacana no filme onde Andy e o boneco discutem sobre como o boneco se chamará, e a I.A. do boneco insiste em ser chamada de Chucky. Se eu disser o porquê da insistência do boneco em se chamar Chucky, estarei entrando no temível território dos spoilers).

Voltando à questão do design do novo boneco, apesar de ter sido criticado à princípio, ele acaba funcionando. O visual geral dos Buddi remete bastante ao do boneco da série original, e a grande diferença entre as versões está nos olhos. Os olhos do novo Chucky, devido ao advento da Inteligência Artificial, passa mais “vida” ao boneco como um todo, tornando-o mais ameaçador. Dirigido pelo norueguês Lars Klevberg (do recente Polaroid: Morte Instantânea), este Brinquedo Assassino ganha pontos também no que diz respeito ao arco narrativo de seu Chucky, que segue a linha da “tragédia grega” e justifica suas motivações, que acabam sendo compreensíveis tanto do ponto de vista do boneco quanto do espectador. De fato o público se torna capaz de entender porque ele faz o que faz ao longo do filme, e como trata-se do antagonista da produção, as coisas ficam mais interessantes uma vez que o espectador se identifica com ele. Inclusive, Klevberg declarou em entrevista que sua influência primordial para o reboot e o arco de Chucky em seu filme foi a clássica história de Frankenstein de Mary Shelley.

O elenco é outro ponto forte deste Brinquedo Assassino. O elenco adulto, é claro, precisa atuar em cima do clichê de que mesmo com todo o caos se instaurando ao redor, seus personagens não podem simplesmente acreditar que um boneco demoníaco está causando tudo isso. Plaza se sai muito bem no papel da mãe solteira à procura de uma figura paterna para seu filho solitário, enquanto que Bryan Tyree Henry (do thriller As Viúvas, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), acrescenta peso ao filme no papel do Detetive Mike Norris, incumbido de desvendar quem está causando uma série de assassinatos na vizinhança. O garoto Gabriel Bateman também entrega o esperado no papel do sofrido Andy, que ao menos neste filme, não passa tanto tempo solitário assim, já que em dado momento da produção, ele se junta à um grupo de garotos (bem ao estilo Stranger Things e It: A Coisa), que assim como ele, sabem a verdade em torno de Chucky e dos assassinatos que estão acontecendo no condomínio.

O tema central deste novo Brinquedo Assassino lida com as ramificações que giram em torno da ideia de que “todo mundo quer um modelo mais novo”. O clima da produção é repleto de sombras e a estética soa bem mais realista e urbana do que todas as sequências do filme original de 1988. O filme, entretanto, ainda carrega bastante do humor-negro marca registrada da franquia original, ainda que tal humor seja utilizado de maneira bem mais pé no chão. Não há espaço para o humor bobinho ou cafona de bombas como A Noiva de Chucky ou O Filho de Chucky por exemplo, e tudo gira em torno da história da nova versão e do novo papel de Chucky nela. Este reboot de Brinquedo Assassino pode não ser nenhum primor do gênero, mas ao menos o gasto Chucky voltou a soar novo e assustador. Já é alguma coisa.

Brinquedo Assassino estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de Julho.

3 respostas

    1. Cara, obrigado pela confiança! Fico sempre muito feliz quando usam algum texto meu como referência.
      Agradeço a visita e os comentários!
      Grande abraço e volte sempre ao Portal do Andreoli!

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