Crítica: Creed II (2018)

Creed

Sou fã incondicional da franquia Rocky Balboa, indubitavelmente a maior underdog story da história do cinema. Mas é preciso reconhecer o gap abissal que existe entre o original Rocky: Um Lutador, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1976, e suas sequências. Sua continuação imediata, Rocky II: A Revanche (1979), até segura a mesma vibe do primeiro filme, mas já dava alguns indícios do que viria à partir do terceiro filme, lançado em 1982, e que culminaria no absurdo Rocky IV (1986), filme que transformou um ídolo dos ringues saído da pobreza e anonimato em um inconcebível artifício para falar do patriotismo americano. Quem não se lembra do estádio lotado de soviéticos no final do filme gritando o nome do protagonista? De lascar.

Talvez percebendo o que fez, Stallone decidiu trazer Rocky de volta às origens no famigerado Rocky V (1990), filme que foi massacrado pela crítica, mas do qual confesso que gosto bastante. Mesmo sendo impossível engolir que Rocky pudesse perder toda sua fortuna da maneira que o filme retrata. Rocky V ao menos abriu caminho para que, longos 16 anos depois, Stallone pudesse trazer o personagem de volta no excelente Rocky Balboa (2006), e mais nove anos depois, em Creed: Nascido Para Lutar (2015), sétimo filme da saga Balboa/Creed e o primeiro a tirar os holofotes de cima do personagem-título.

Em Creed, o foco da narrativa se concentra no jovem boxeador Adonis Creed (Michael B. Jordan, de Pantera Negra e do remake de Fahrenheit 451, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), filho do campeão Apollo Creed (Carl Weathers, de O Predador), que faleceu após ser nocauteado pelo russo Ivan Drago (Dolph Lundgren, da franquia Os Mercenários), em uma luta de exibição que acontece em Rocky IV. Creed colocava Balboa como o treinador e orientador de Adonis, ao mesmo tempo em que retrata a luta de Rocky contra um câncer recém-descoberto.

Dirigido por Ryan Coogler (do citado hit da Marvel Pantera Negra), Creed foi um merecido sucesso de público e crítica, a ponto de valer uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Stallone. Já este Creed II (EUA, 2018), é mais uma vítima da maldição das sequências: o filme é desnecessariamente maior, mais barulhento e grandioso do que seu predecessor, mas ainda assim consegue manter seu caminho ao não perder o foco na humanidade de seus personagens. As vidas de Adonis “Donnie” Creed, de sua namorada Bianca (Tessa Thompson, da sci-fi Aniquilação, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), e de seu mentor Rocky Balboa são tão bem exploradas quanto no filme original.

Há mais suspense em saber se Rocky se reunirá com seu filho, Robert (mais uma vez interpretado por Milo Ventimiglia, da série dramática de sucesso This Is Us), e nas batalhas do casal Creed, do que em qualquer soco desferido em cima do ringue. É admirável que o filme seja compromissado em desenvolver o mundo de seus personagens, algo tão evidente no primeiro Creed. Com esta sequência, entretanto, a franquia Creed parece destinada a viajar pela mesma estrada que a franquia Rocky viajou, onde a visão intensamente pessoal e original de seu criador é aos poucos corrompida pelos sedutores demônios do chamado fan service.

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De certo modo, este destino parece apropriado, já que o primeiro Creed consiste em uma adorável meditação em como os pecados dos pais eventualmente serão visitados por seus filhos. Naquele filme, Adonis enfrenta seu legado antes mesmo de emergir por trás da sombra de seu pai famoso para trilhar seu próprio caminho. O mesmo aconteceu com o próprio filme, que abandona o ninho de sua “franquia-pai” ao mesmo tempo em que homenageia o Rocky de Stallone com um papel escrito de maneira belíssima. Aqui, Stallone mais uma vez interpreta Rocky com as boas qualidades interpretativas que sempre esquecemos que o ator possui. Interpretar Rocky, especialmente na velhice, desperta o que há de melhor em Stallone, e em seu novo papel de mentor e técnico, Rocky se tornou uma versão menos bruta mas não menos devotada do velho Mickey, seu treinador nos três primeiros filmes, interpretado pelo eterno Burgess Meredith. Sabendo o que Mickey significava para ele, podemos sentir o desejo de Rocky em honrá-lo com seu trabalho.

Stallone, o ator, incorpora o Rocky do primeiro filme de sua franquia, mas o Stallone roteirista vem direto do citado Rocky IV. Em 1986, a fome que o levou a criar o personagem de Rocky Balboa já tinha se transformado em uma preguiça de dar dó, voltada exclusivamente para o o objetivo de fazer dinheiro. Um pouco desta preguiça está presente no roteiro de Creed II, o qual Stallone co-escreveu ao lado do estreante Juel Taylor. Enquanto que o filme de Coogler usava Rocky IV como um ponto de partida, a sequência dirigida por Steven Caple Jr. (do drama The Land, 2016), é praticamente um remake que parece encomendado por fãs que, após assistirem a Creed, imediatamente passaram a ansear por uma disputa entre os filhos de Apollo Creed e Ivan Drago. Creed II se aproxima tanto de Rocky IV que traz até uma insana (mas tenho que confessar, sensacional) montagem de treino que acontece no meio do nada, e pasmem (!) a luta final do filme também acontece em Moscou.

Creed II compartilha até da visão que Rocky IV tinha da Rússia, o que acaba sendo uma oportunidade perdida de construir uma convicção política para o filme. O toque mais subversivo em 1986 foi apresentar Apollo Creed, um homem negro, como o símbolo da América. Apollo inclusive entra no ginásio para a luta contra Drago ao som de “Living in America”, canção do Rei do Soul, James Brown. Por mais cafona que pudesse parecer, o filme ao menos tinha uma certa convicção em torno do momento político ao redor, o que falta nesta sequência. Aqui, Adonis veste o papel de representante americano, e o filme nunca leva em conta que hoje em dia, muitas pessoas poderiam torcer para o oponente russo, como acontece no MMA, por exemplo. O roteiro de Creed II se desenrola como se o mundo ainda vivesse os temores da Guerra Fria. Com isso, o conflito central do filme acaba simplesmente baseado na vingança pura e simples. Apesar da performance habilidosa de Jordan ainda conseguir justificar as razões pessoais para o conflito, teria sido interessante um olhar sobre a condição política atual.

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Creed II tem início não com Adonis, mas com Drago, que se encontra treinando impiedosamente seu filho, Viktor (o boxeador alemão de origens romenas Florian Munteanu). Lundgren, assim como Stallone, envelheceu de maneira bruta e carismática, o que faz com que sua mera presença se imponha em cena. Mantendo a pegada dos “pecados dos pais que refletem em seus filhos”, Drago quer usar o seu para voltar a ser bem quisto na Rússia, já que após a derrota para Rocky, só lhe restou a ruína. Tudo o que ele precisa fazer é esperar Adonis ganhar o cinturão dos pesos-pesados e em seguida capitalizar em cima de um novo conflito Creed vs. Drago. Enquanto o Rocky de Stallone é um silencioso e introspectivo estudo sobre os arrependimentos do passado, Lundgren interpreta Drago com desmedido desejo de reviver as glórias do seu próprio passado. É tão deliciosamente excessivo que chega a dar vontade de ver uma revanche entre ele e Rocky.

Em paralelo à tudo isso, Jordan e Thompson nos lembram que sob toda a pompa e exageros de Creed II, existe uma história bonita e bastante honesta a ser contada. Os dois esbanjam charme e química, onde ele permite que ela seja durona e onde ela permite que ele demonstre vulnerabilidade. A dupla tem ótimos momentos em cena, como a sequência em que Bianca canta para Adonis numa recriação daquele momento musical antes da luta entre Apollo e Drago em Rocky IV; e principalmente a divertida e emocionante sequência onde Adonis finalmente pede Bianca em casamento. Assim como as cenas onde Rocky age como o mentor do protagonista, o relacionamento entre Adonis e Bianca é construído de maneira complexa e identificável, e permanece no centro da narrativa. Para o espectador fica impossível imaginar um sem o outro.

As cenas de luta cumprem seu papel, ainda que não haja nada tão visualmente impactante. Mesmo quando o eternamente empolgante tema musical da franquia, “Gonna Fly Now”, estoura nas caixas de som, o impacto não é tão forte quanto nos filmes anteriores. Ainda assim, há muita coisa para deleite dos fãs, desde participações especiais de atores que estiveram nos filmes anteriores, até a revelação do físico impecável de Jordan após aquela sessão maluca de treinamento que mencionei anteriormente. A narrativa traz momentos grandes e pequenos, mas que fazem valer a sessão por sua vibração e energia, o que é mais do que se pode pedir de uma continuação.

O comprometimento e visível amor com o qual Jordan interpreta o personagem-título é admirável, e apesar de minhas inseguranças com relação ao futuro da franquia, que pode eventualmente vir a produzir criações cada vez mais comerciais e egocêntricas, confesso que adoraria ver uma continuação. E se Creed II fizer bonito nas bilheterias, pode ter certeza de que os produtores não perderão a chance de fazer mais uma.

Creed II estreia nos cinemas brasileiros no dia 24 de Janeiro de 2019.

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