Já faz um bom tempo desde que escrevi uma crítica sobre um filme de super-heróis. Creio que o último filme que analisei tenha sido o excepcional Logan, quando este foi lançado. O motivo de eu não ter mais escrito sobre filmes de herói é surpreendente até para mim, que sempre fui um entusiasta do gênero; mas a verdade é que eu dei uma boa desanimada, e tais filmes já não me atraem tanto. A razão para este desânimo, vem do fato de que para mim, guardadas as devidas proporções de cada produção, os filmes de herói se tornaram todos iguais. Vejam bem, não estou dizendo que os filmes do MCU (o universo cinematográfico da Marvel), por exemplo, são ruins. Pelo contrário, os recentes Thor: Ragnarok, Pantera Negra (Black Panther), e o bruto Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War), por exemplo, funcionam muito bem cada um à sua maneira, e mostraram uma certa percepção da própria Marvel em trabalhar melhor seu conteúdo, ao menos de maneira mais original.
Existem entretanto, o que considero duas exceções à esta mesmice narrativa dentro dos filmes de heróis (e eu me refiro à todos os selos, Marvel, DC, sem distinção), e curiosamente, tais exceções pertencem ao que pode-se chamar de “time B” da Marvel nos quadrinhos; a primeira delas é a franquia Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy), adaptada com muito bom humor e inventividade visual pelo diretor James Gunn (a crítica do segundo exemplar da franquia está disponível aqui no Portal do Andreoli); e a segunda, é a versão cinematográfica do mercenário deformado e falastrão Wade Wilson, mais conhecido como Deadpool. Dirigido por Tim Miller em 2016, Deadpool extrapolava o bom humor e carregava na anarquia e na ação violenta, valorizadas por um Ryan Reynolds impecável. Vale lembrar que era um sonho antigo de Reynolds reprisar o papel do herói, depois de sua aparição na bomba X-Men Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine), onde o personagem foi adaptado de maneira completamente equivocada pelo diretor Gavin Hood em 2009.
E como já era de se esperar, depois do estrondoso sucesso de público e crítica que foi o primeiro filme, o mercenário boca-suja ganha sua merecida sequência com este Deadpool 2 (EUA, 2018), filme que desta vez traz mais dois personagens-chave dos quadrinhos para as telonas ao lado de seu herói protagonista. E o fato de ser uma sequência de um blockbuster, o que costuma sempre atrair um público ainda maior do que o do filme original, não quer dizer que a Fox pensou em mudar a censura da produção. Portanto, assim como acontece com o primeiro filme, podem esperar por muita violência, palavrões e uma pitadinha de safadeza para completar.
O que muda, entretanto – e esta é realmente uma mudança significativa – é o nome do diretor. Devido à diferenças criativas, Tim Miller deixou a produção em outubro de 2016, o que levou à contratação de David Leitch, co-diretor do ótimo De Volta ao Jogo, que deu o pontapé inicial na sensacional franquia de ação John Wick, protagonizada por Keanu Reeves; e também do recente Atômica (Atomic Blonde), protagonizado por Charlize Theron. As minhas críticas de ambos os filmes citados podem ser conferidas aqui mesmo no Portal do Andreoli. Enquanto que Miller trouxe sua expertise em efeitos-visuais para o primeiro filme, Leitch faz valer seus dons para a ação, o que faz de Deadpool 2 uma sequência menos engraçada e vistosa do que seu predecessor, mas que apresenta sequências de ação superiores, mais complexas e ainda mais violentas.
Enquanto que Deadpool funciona como um filme de origem para o herói, mostrando como o mercenário falastrão Wade Wilson se candidata para um tratamento experimental para cura do câncer e termina por se tornar um ser praticamente imortal e com sede de vingança, Deadpool 2 utiliza-se mais uma vez de um roteiro escrito pela dupla Rhett Reese e Paul Wernick, e mostra a entrada em cena de outro anti-herói, o poderoso mutante Cable (Josh Brolin, ninguém mais ninguém menos que o mega-vilão Thanos, do citado Vingadores: Guerra Infinita). Cable, além de super forte fisicamente, é também dotado de poderes telecinéticos e telepáticos, e ele acabou de chegar do futuro com a missão de eliminar o jovem Russell (Julian Dennison, da comédia A Incrível Aventura de Rick Baker, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), um garoto mutante dono de inimagináveis poderes. Agora, cabe a Deadpool tentar parar Cable e impedir a morte do menino, e para isso, ele conta com a ajuda de seus velhos e novos amigos, como por exemplo, os membros da recém formada equipe X-Force.
Falar mais sobre a trama de Deadpool 2 pode entregar alguns spoilers, especialmente no que diz respeito à conexão do filme com os quadrinhos. O que dá para adiantar é que o filme também conta com a nova presença da mercenária mutante Domino (interpretada pela bela Zazie Beetz, do drama Wolves, cuja crítica também está disponível aqui no Portal). Assim como Domino, outros novos personagens oriundos dos quadrinhos também dão as caras, mas assim como acontece com a trama do filme, melhor não entrar em detalhes para não estragar algumas surpresas bem interessantes (se bem que os trailers do filme já entregaram boa parte delas). Das caras conhecidas do primeiro filme, destaque para a bela atriz carioca Morena Baccarin, no papel de Vanessa, a musa do protagonista; a herói adolescente de pavio curto Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand), e é claro, o ingênuo taxista indiano Dopinder (Karan Soni, do thriller Creep 2, cuja crítica você também confere aqui no Portal), responsável por momentos bastante engraçados da produção.
Apesar de um desenrolar menos fluente do que o do primeiro filme, que praticamente passa voando pelos olhos do espectador, Deadpool 2 também é entretenimento de primeira. Eu particularmente gosto do ritmo e da mão pesada dos filmes de Leitch, e sua pegada é sentida aqui. É claro que o “fator novidade” já se foi com o primeiro exemplar da franquia, como por exemplo a quebra da quarta parede (artifício narrativo usado para que o protagonista possa “conversar” com seu público), mas mesmo assim, a sequência soa sempre original, sem mergulhar na mesmice que permeia o gênero dos super-heróis, além de continuar a apresentar algumas gags hilárias (a cena em que Wade menciona os sombrios filmes da DC, por exemplo, é uma pérola).
Falando em Wade, o show em Deadpool 2 é mais uma vez de Reynolds, completamente inspirado e à vontade no papel. Chega a ser impossível imaginar outro ator encarnando o cínico e letal personagem. Brolin, outro ator de que sou fã declarado, também emprega sua competência e confiabilidade de sempre, e não chega a ser surpresa o ator interpretar dois super vilões (bem, um super vilão e outro nem tanto) em duas superproduções da Marvel lançadas no mesmo semestre num intervalo de menos de um mês. Façanha para poucos.
Resumindo, Deadpool 2 mantém o mercenário boca-suja longe dos clichês e da cansativa mesmice narrativa do MCU e outros selos do cinema de super-heróis, que já mostram sinais de exaustão. O filme poderia em alguns breves momentos ser um pouco mais “leve” e descontraído de uma maneira mais convencional (o excesso de ironia e sarcasmo do herói cansa um pouquinho), mas em um mundo onde o mimimi do politicamente correto se tornou insuportável, Deadpool acaba por ser o herói que precisamos hoje em dia. Ainda bem.
Ah! Não saiam da sala de cinema antes dos créditos finais. A cena pós-créditos do filme é de arrasar!
Deadpool 2 estreia nos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira, 17 de Maio.