Crítica: Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit)

É admirável que uma atriz conceituada e vencedora do Oscar se envolva em produções tão intimistas e importantes como este Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit, França, 2014). A bela e talentosa Marion Cotillard (de Piaf: Um Hino ao Amor, A Origem e Ferrugem e Osso), mais uma vez se entrega de corpo e alma interpretando uma das mais íntegras personagens que vi no cinema nos últimos tempos, em um filme que discute de maneira tão madura o cada vez mais impiedoso mundo corporativo em que vivemos.

Nesta produção francesa parte integrante da 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, realizada em 2014, Cotillard interpreta Sandra, uma jovem mãe de família que afastada do emprego devido à uma depressão, descobre pouco antes de seu retorno que seus colegas de trabalho optaram por receber um bônus trabalhista, em troca de sua demissão. Ou seja, se Sandra for restituída no emprego, nenhum de seus colegas de trabalho receberá o bônus, numa absurda e covarde maneira de cortar custos. Ainda muito frágil emocionalmente, Sandra tentará durante o final de semana que antecede sua volta, ao lado de seu dedicado marido (Fabrizio Rongione, de La Sapienza, do diretor Eugène Green), convencer seus colegas um à um, a abrirem mão de seus bônus, em troca de tê-la de volta ao trabalho.

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Escrito e dirigido pela dupla Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne (O Garoto da Bicicleta, 2011), Dois Dias, Uma Noite começa meio truncado, nos colocando lado a lado com a protagonista, que já começa o filme imersa em uma situação tão triste quanto absurda. Usando enquadramentos fechados, os Dardenne retratam de maneira íntima a via-crucis da protagonista, que é forçada a confrontar seus medos e sua depressão ainda latente, em troca do emprego que foi covardemente ameaçado de ser tirado de suas mãos. Aos poucos, a triste história desta valente personagem vai se desenrolando e revelando toda sua complexidade, e o público se torna cúmplice da difícil jornada que ela precisa enfrentar.

Mais uma vez, Marion Cotillard está impecável, entregando uma performance na medida certa entre a coragem e a fragilidade de sua personagem. Algumas de suas cenas, nas quais ela é obrigada a quase que implorar para seus companheiros de trabalho a abrirem mão de seus bônus, são literalmente de partir o coração.

Simples e direto, Dois Dias, Uma Noite é ao mesmo tempo rico e profundo, além de corajoso ao escancarar as artimanhas cada vez mais sujas do mundo corporativo canibal em que vivemos hoje, que sujeitam o ser-humano a abrir mão de sua dignidade em troca do pão de cada dia.

Não é só no Brasil que vivemos chafurdando na vergonha.

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