Crítica: História de um Casamento (Marriage Story) | 2019

O cada vez melhor diretor Noah Baumbach (Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe, cuja crítica está disponível aqui no Portal do Andreoli), sai totalmente de sua zona de conforto com este potente e devastador drama da Netflix, História de um Casamento (Marriage Story, EUA, 2019), onde troca o humor ácido de suas comédias dramáticas por um íntimo retrato de um relacionamento que se dissolve, se deteriora e se transforma em uma perigosa zona de combate. Movendo a ação entre Nova York e uma ensolarada Los Angeles, Baumbach mais uma vez examina o tema do divórcio, num retorno ao terreno de seu primeiro sucesso, A Lula e a Baleia (The Squid And The Whale), lançado em 2005. História de um Casamento carrega elementos que imediatamente remetem ao sólido drama Kramer Vs Kramer, que em 2019 completa 40 anos de seu lançamento, mas o filme de Baumbach consegue ser ainda mais duro e impiedoso com seu espectador.

Muito desta natureza impiedosa do filme se deve às cruas e excepcionais performances de seus protagonistas, Adam Driver (o vilão Kylo Ren da saga Star Wars), e a musa Scarlett Johansson, a Viúva-Negra do universo cinematográfico Marvel. O elenco de apoio também é fenomenal, e conta com performances do grande Alan Alda e da maravilhosa Laura Dern (do drama The Tale, cuja crítica também está disponível aqui no Portal). Com um roteiro afiado e inteligente, e a usual timidez visual de seu diretor, História de um Casamento é um filme bastante particular, que provavelmente levará alguns prêmios para casa no início de 2020.

De maneira semelhante ao clássico de Ingmar Bergman, Cenas de um Casamento (Scenes From A Marriage, 1974), Baumbach começa seu filme com os protagonistas discorrendo sobre as qualidades de seu parceiro. Nicole (Johannsson) é uma “boa cidadã”, diz seu marido, Charlie (Driver), enquanto que ele é “legal e auto-suficiente”, ela declara. Com elogios deste quilate, não é surpresa que o casamento dos dois está indo pro vinagre, sem falar que estas são palavras que eles haviam preparado para uma sessão de aconselhamento. Por razões não-explicadas, Nicole, uma atriz frustrada, decide que não quer mais continuar com a terapia, o que leva o casal a entrar com o divórcio. Obs.: Eles tem um filho, o pequeno Henry (Azhy Robertson).

Veja Também  Crítica: Hounds of Love (2017)

Charlie é um jovem e talentoso diretor de teatro e Nicole abandonou sua carreira para ser parte da trupe de seu marido, se mudando de Los Angeles para Nova York e para o conforto da trupe vanguardista de Charlie, praticamente uma segunda família para ambos. Quando Nicole recebe a oferta para um papel em uma série de TV em Los Angeles, ela dá um tempo na relação e leva Henry à tira-colo para ficar com sua mãe, Sandra (a veterana Julie Hagerty, de Perdidos na América) e sua irmã, Cassie (a ascendente Merritt Wever, da série Godless). O problema é que Nicole não quer mais voltar para Nova York. Ela procura uma advogada (Dern), e então tudo descamba de vez, já que Charlie também contrata seus próprios representantes legais (inicialmente um calmo Alan Alda, e mais tarde um invocado Ray Liotta), e a guerra começa.

A dupla de protagonistas impressiona: Johansson expande o alcance do que ela já havia mostrado anteriormente na carreira, ao interpretar uma mulher que pode ser amável mas que nem sempre evoca a simpatia do espectador. Driver entrega uma performance ousada onde demonstra as exatas observações do controle inconsciente que seu personagem tem exercido sobre sua parceira ao longo dos anos. Suas escolhas adicionam grande profundidade ao papel. Nos papéis dos advogados do casal (ou ex-casal), Dern mais uma vez está excelente, e sua personagem recebe alguns dos melhores diálogos do filme; já o honesto advogado interpretado por Alda mostra-se superado em um mundo onde os tubarões sempre atacam uns aos outros.

Fotografado por Robbie Ryan (Docinho da América e A Favorita, cujas críticas também estão disponíveis aqui no Portal), o filme de Baumbach utiliza-se muito bem dos cenários contidos, que vão desde os pequenos interiores na cidade de Nova York, até o pequeno apartamento que Charlie aluga em Los Angeles com a esperança de conseguir a guarda-conjunta de seu filho. É neste cenário sem vida e sem mobília, onde o bege predomina desde o carpete até a cor das paredes, em que os atores realmente têm a oportunidade de brilhar. Em uma indústria onde tanta coisa é adaptada para a tela grande, sejam peças ou romances, História de um Casamento é um filme que poderia facilmente tomar o caminho inverso e ser transformado em uma peça.

Veja Também  Crítica: Midsommar: O Mal não Espera a Noite (Midsommar) |2019

História de um Casamento é sempre muito verdadeiro. Seja à sua história ou à seus personagens. Ainda que a narrativa procure o realismo e aposte tudo na credibilidade de sua história, o filme pode às vezes manipular alguns eventos que levam a situações que não são totalmente convincentes, principalmente depois de algumas circunstâncias estabelecidas e certas declarações de alguns personagens feitas anteriormente na trama. Um exemplo disso é uma sequência de discussão entre Charlie e Nicole, um verdadeiro espetáculo de Driver e Johansson, que é ao mesmo tempo um tanto exagerada e não está muito em linha com alguns acontecimentos anteriores. Entretanto, estamos falando de uma discussão entre as partes de um casal que está em processo de divórcio, o que de fato pode gerar todo e qualquer tipo de discussão e agressão verbal, que foge da coerência.

Contudo, é quando Baumbach realmente se rende à inerente teatralidade de sua criação, que História de um Casamento finalmente abre suas asas e começa a voar. E o ritmo deste vôo é extremamente sólido e surpreendente, uma vez que Baumbach se arrisca um bocado em suas cenas finais, que alçam o filme de sua realidade do dia-a-dia em direção a algo mais singular. História de um Casamento é um dos grandes filmes do ano.

História de um Casamento estreia no catálogo da Netflix no dia 06 de dezembro.

Loading

Uma resposta

  1. Que filme maravilhoso. Sem sombra de dúvida a cena da discussão é uma das maiores atuações que já assisti em toda minha curta lista cinematográfica. Uma atuação precisa e com sentimentos bastantes expressivos. Ambos personagens principais fizeram um excelente trabalho. Fico felissíssimo por ter a oportunidade de assitir essa belíssima obra.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Compartilhe esta notícia

Mais postagens