Crítica: Krisha (2015)

Motivado pelo excelente suspense Ao Cair da Noite (It Comes at Night, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), segundo filme do jovem diretor e roteirista norte-americano Trey Edward Schults, resolvi conferir o primeiro esforço de Shults como cineasta, este drama quase experimental Krisha (EUA, 2015), produção exibida nos festivais de Cannes e no SXSW, e que pavimentou o caminho do jovem diretor.

Mesmo estruturado como um produto do gênero drama, Krisha é essencialmente um aterrador estudo de pouco mais de 80 minutos sobre as complicadas relações familiares, e principalmente sobre as devastadoras consequências de um passado repleto de ressentimentos que não podem mais ser superados. Tal estudo ganha a cor e a relevância necessárias graças à estupenda performance da veterana e desconhecida atriz Krisha Fairchild, tia do diretor Shults, cujo papel-título foi especificamente escrito pelo próprio para sua tia.

O filme se passa durante a véspera do Dia de Ação de Graças, na enorme residência de uma família americana na cidade de Houston. Para celebrar a data e preparar o peru para o jantar, a instável Krisha retorna após dez anos sem contato com seus familiares, incluindo seu filho Trey (o próprio diretor Trey Edward Schults), após ser convidada por sua irmã, Robyn (Robyn Fairchild), que acredita na recuperação de Krisha. Contudo, o que começa como uma tarde de harmoniosa reunião familiar, logo desanda para um pesadelo completo, quando a instabilidade e o descontrole de Krisha, começam a tomar as rédeas da situação.

Chega a ser incrível o resultado que Schults alcança com seu filme, sendo a produção praticamente um projeto de guerrilha. Com um roteiro discreto, sem grandes situações ou mesmo um texto mais trabalhado, Schultz coloca todo o peso de sua narrativa nas costas de sua colossal protagonista, e do numeroso mas correto elenco de apoio, que curiosamente, é composto em sua maioria por membros reais de uma mesma família, com a inclusão de um pequeno grupo de atores profissionais atuando entre eles.

Filmado em apenas nove dias, na casa da mãe do diretor, a enxuta produção carrega enorme profundidade e impacto junto ao público. A personagem-título, é inspirada em uma prima de Shults (e sobrinha da protagonista Krisha Fairchild), que durante muitos anos lutou contra o vício das drogas, mas que teve uma recaída durante uma reunião familiar, e morreu de overdose pouco tempo depois.

A veracidade da situação vivida pelo diretor e família, é transportada para dentro da tela, e todas as agruras do peso de um passado na vida de um indivíduo são expostas de maneira crua, sem dó nem piedade. Shults trata sua protagonista de maneira neutra, colocando o espectador no incômodo papel de juiz de uma mulher cujo caráter é uma incógnita, mas que de certa forma, evoca a compaixão do público, que aos poucos, vê esta conexão com a personagem central estilhaçar-se, à medida em que tudo o que parecia estar sendo construído por ela, transforma-se em ruína total.

Apoiado em uma das mais espetaculares performances femininas que tive a sorte de ver no cinema, e conduzido sem dúvida nenhuma por um dos grandes novos nome do cinema americano, Krisha é um pequeno, porém potente exemplar do cinema independente, implacavelmente desconcertante, e brutal em sua execução. Suas reuniões familiares nunca mais serão as mesmas.

Krisha pode ser encontrado em alguns serviços de streaming.

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