Quem conhece o cinema do insano cineasta espanhol Álex de La Iglesia, sabe da veia do diretor para o inusitado. Cada nova produção deste diretor, produtor e roteirista, tem o costume de mergulhar o espectador em uma montanha-russa de emoções e gêneros, onde o diretor flerta com o humor, o horror, e com as convenções sociais, seu principal alvo. Foi assim com seu filme de estreia, Ação Mutante (Acción Mutante, 1993), passando pelo divertidíssimo As Bruxas de Zugarramurdi (Las Brujas de Zugarramurdi, 2013), e também com o recente e bizarro Peles (Pieles), onde atuou como produtor e padrinho do jovem diretor Eduardo Casanova.
E não é diferente com este O Bar (El Bar/The Bar, Espanha/Argentina, 2017), seu novo trabalho como diretor e também roteirista, onde Iglesia mais uma vez contesta e confronta não só alguns dogmas da sociedade atual, como também (e principalmente), os estereótipos. Já que ao situar sua história em um bar, o diretor consegue criar um pequeno microcosmo social, inserido em um contexto inusitado, onde o desconhecido transforma as interações humanas em conflitos, e onde o medo domina uma situação, transformando-a completamente.
A produção tem início com uma vibe bastante chupada do clássico conto do mestre Stephen king, O Nevoeiro, onde um grupo de pessoas dos mais variados tipos, encontram-se presas em um bar, no centro de Madrid, depois que um dos fregueses é baleado na cabeça (aparentemente por um sniper), logo após pisar fora do estabelecimento. Em dúvida sobre se é seguro ou não sair do local, os elementos do grupo decidem esperar lá dentro, aguardando para ver o que acontece, e aos poucos, as coisas dentro e ao redor do bar vão ficando cada vez mais estranhas e inexplicáveis.
Assim como o mestre King fez em seu conto, Iglesia e seu co-roteirista Jorge Guerricaechevarría (Cela 211, Carne Trêmula), elaboram um interessante mosaico de personagens, onde cada um traz consigo o melhor e o pior da espécie humana, quando esta é inserida em um contexto de pavor. Tem a bela mulher que entrou no bar por acaso (a estonteante Blanca Suárez, de A Pele Que Habito); tem também o mendigo um tanto louco da cabeça que cita passagens da Bíblia o tempo todo (o excelente Jaime Ordóñez, do citado As Bruxas de Zugarramurdi, disparado o melhor personagem e a melhor performance do filme); um ex-policial pavio-curto dono da única arma de fogo existente no recinto (Joaquín Climent, do citado Peles); e é claro, a dona e o atendente do bar (Teréle Pávez, também de As Bruxas de Zugarramurdi e Secun de la Rosa, também do bizarro Peles), que tentam (ou não), de alguma maneira apaziguar a periclitante situação.
A primeira hora de O Bar é puro cinema de Iglesia. O humor é corrosivo e exagerado, os personagens são verdadeiras metralhadoras verborrágicas que proferem um palavrão atrás do outro, e a crítica social permeia todo o texto do filme. Contudo, em sua meia hora final, a produção toma um rumo não completamente inesperado, mas que ainda assim não funciona, totalmente em desalinho narrativo com o que veio antes na produção. O filme veste a capa do thriller de suspense violento, e esquece completamente do humor, dando um aspecto completamente desconjuntado à produção. Não vejo nenhum problema em um filme transitar entre os gêneros, entretanto, é complicado quando a produção não se decide a qual gênero pertence, o que resulta em um filme que não funciona nem como comédia e nem como thriller, quando poderia ser uma ótima comédia de humor-negro.
Mas esta é a síntese do cinema ousado e um tanto amalucado do espanhol Álex de La Iglesia, um diretor que está pouco se lixando para o que eu, você, ou qualquer outro crítico possa vir a falar deste seu O Bar, uma produção que se não tem o brilhantismo original de outras obras do diretor, ao menos carrega sem pudor a essência vertiginosa de seu cinema ácido e sem concessões.
O Bar não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar diretamente ao país através de serviços de streaming e VOD.
Respostas de 2
É impressão minha, ou a dubladora da mulher mais jovem é a Deborah Secco?
Não assiti este filme (O bar), mas o que voce fala sobre o cineasta dá pra perceber no Perfeitos desconhecidos, Vi primeiro o filme italiano e ao ver o espanhol, notei exageros desnecessários, as tentativas que introduzir o magico e o fantastico em medida um tanto exagerada. O final do filme foi uma ducha fria ( ou não entendi, ou não percebi o jogo do cineasta). Na versão italiana o final é muito mais condizente com tudo que foi mostrado magnificamente no desenrolar da historia. Teatro filmado da melhor qualidade nas duas versões.