Crítica: Okja (2017)

Sempre fui fã confesso do cinema sul-coreano. Especialmente dos thrillers oriundos do país. Quem me conhece e segue minhas postagens, sabe do meu apreço por esta vertente que se tornou praticamente um subgênero cinematográfico, à partir do início dos anos 2000. Um dos expoentes deste boom do cinema sul-coreano, é o diretor e roteirista Bong Joon-ho, cineasta responsável por verdadeiras pérolas, como os thrillers Memórias de um Assassino (2003), e Mother: A Busca Pela Verdade (2009).

Bong também dirigiu a elogiada sci-fi dramática Snowpiercer: Expresso do Amanhã (2013), uma co-produção Coréia do Sul/EUA, estrelada por nomes como o Capitão América Chris Evans, a vencedora do Oscar Octavia Spencer (da comédia Histórias Cruzadas, 2011), e o falecido John Hurt (do clássico O Homem-Elefante, 1980). Dentre estas produções citadas, no entanto, Bong dirigiu o filme que considero sua obra-prima, o impressionante O Hospedeiro (The Host/Gwoemul), lançado em 2006. Um empolgante e extremamente bem realizado “filme de monstro”, onde uma espécie de peixe mutante gigante sai do rio Han na cidade de Seul, e passa a aterrorizar a cidade.

Neste Okja (Coréia do Sul/EUA, 2017), nova produção original bancada pela gigante Netflix, o diretor volta ao mundo das fábulas sobre monstros, tanto os que habitam o fantástico, como também os que habitam a carapuça humana. No filme, uma empresa multinacional, através da excêntrica persona de sua CEO Lucy Mirando (a sempre ótima e esquisita Tilda Swinton), anuncia que sua companhia encontrou no Chile uma espécie de “super-suíno”, que poderia ser a solução para a falta de comida no mundo, com um mínimo efeito no meio-ambiente. Após dar o pontapé inicial para a criação da espécie em suas instalações, a empresa planeja colocar um pequeno número destes animais em diferentes criadouros ao redor do mundo, e no espaço de uma década, o animal que tiver sido criado da melhor maneira, será a estrela de um concurso transmitido pela TV.

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Dez anos depois, a história se concentra na jovem Mija (a espetacular An Seo Hyun), que ao lado de seu avô (Byun Heebong), criou o energético e jovial “super-suíno” chamado Okja, nas belas florestas espalhadas pelas montanhas da Coréia do Norte. A menina e o animal criaram um forte laço de amizade ao longo destes dez anos, de forma que Okja remete mais à um amigável hipopótamo do que o que poderia se esperar de um porco gigante. Okja é leal, esperto e amoroso, e os sensacionais efeitos-especiais por trás da concepção da criatura, são impecáveis e essenciais para o desenvolvimento da narrativa.

Como tudo que é bom dura pouco, a idílica convivência entre Mija e Okja chega ao fim, quando a companhia responsável pelo envio da criatura à Coréia do Norte – desta vez representada pelo Dr. Wilcox (Jake Gyllenhaal, que ultimamente está em todas) – escolhe Okja como o vencedor do concurso idealizado há dez anos atrás, e contra a vontade de Mija, decide transportar o animal para Nova York. Determinada a não perder seu melhor amigo para sempre, Mija embarca em uma jornada alucinante para resgatar o super animal, onde ela será inesperadamente auxiliada por um grupo ambientalista liderado por Jay (o ótimo Paul Dano, de Um Cadáver Para Sobreviver, cuja crítica você também encontra aqui no Portal do Andreoli), e K (Steven Yeun, o eterno Glenn da série The Walking Dead).

Bong Joon-ho, conforme sua filmografia indica, não é um diretor que costuma ter medo de ideias grandes e não-convencionais. Seu filme O Hospedeiro é uma total subversão dos “monster movies”, por exemplo, e com este Okja, o diretor aborda assuntos como o consumismo, direitos animais, o meio-ambiente e a ganância corporativa. Na teoria, parece que são temas em demasia para apenas um filme, mas Bong tem um notável talento para abordar diferentes conceitos e temas, e em cima deles, criar algo extraordinário no processo.

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Não que o filme seja perfeito. Longe disso. Quase todos os personagens, principalmente Swinton e Gyllenhaal, caem na caricatura, e durante boa parte do miolo do filme, o espectador é martelado com jargões corporativos e com a operação corrupta das engrenagens da maléfica corporação retratada no filme. A produção é um tanto inconstante em seu tom, já que a relação entre Mija e a criatura é retratada de maneira doce, quase infantil, e de repente, Bong massacra o espectador (e a própria criatura) com um doloroso castigo, resultando em vinte excruciantes minutos iniciais, e vinte minutos finais que dão um nó no estômago, ao mesmo tempo em que comovem bastante.

Novamente, tem-se a impressão de que Bong e seu Okja mordem um pedaço muito maior do que podem mastigar. Contudo, a produção é bela (a fotografia do mestre Darius Khondji é impecável), emocionante, vibrante, engraçada, inventiva e imprevisível. E é a perfeita tradução de porque Bong é visto como um visionário entre seus pares, e também uma constatação do porque vamos ao cinema, no final das contas.

Okja estreia no catálogo da Netflix no próximo dia 28 de Junho.

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