Crítica: Ordinary Love (2019)

Um retrato dolorosamente íntimo de um casamento que enfrenta uma verdadeira tempestade, este Ordinary Love (UK, 2019), marca o terceiro trabalho da dupla de diretores Lisa Barros D’Sa e Glenn Leyburn (Good Vibrations, 2012), e ao contrário de seu título, nada tem de comum ou ordinário. Os espetaculares Lesley Manville (Trama Fantasma, de Paul Thomas Anderson) e Liam Neeson protagonizam a obra nos papéis de Joan e Tom, casados há muito tempo e cujo costumaz equilíbrio da relação é seriamente prejudicado quando ela é diagnosticada com um câncer nos seios.

O filme combina com brilhantismo o roteiro impiedosamente honesto de Owen McCafferty, com as duas adoráveis e emocionantes performances de sua dupla de protagonistas. Performances repletas de textura e realidade à flor da pele. Trata-se do primeiro roteiro do renomado roteirista teatral McCafferty, ainda que uma de suas peças, Eternos Heróis (Mickybo And Me, 2004), já tenha sido previamente adaptada para o cinema. Ordinary Love é um trabalho bastante pessoal, uma vez que McCafferty extraiu muito das experiências que ele próprio e sua esposa compartilharam durante o tratamento dela contra um câncer de mama. Não surpreende, portanto, o fato de que Ordinary Love seja uma obra profunda e comovente, que leva o público às lágrimas sem fazer nenhum esforço.


O filme utiliza-se dos ritmos da rotina do casal – como as caminhadas no final da tarde – para evocar um relacionamento que transcorre de maneira fácil e repleto de companheirismo. Dizer que Joan e Tom se acomodaram em seus hábitos não traduz a verdade, pois sugere que são os hábitos, e a rotina, que os mantém unidos. Na verdade, desde a primeira pequena discussão entre os dois, um debate sobre quem será o responsável por desmontar a decoração de Natal, já fica bem claro que os dois ainda se amam. À medida em que descobrimos mais sobre o casal, torna-se ainda mais nítido que estas rotinas banais têm um outro propósito; uma tentativa de impor ordem em uma vida que pode ser selvagemente imprevisível. Joan e Tom já sobreviveram a uma impensável tragédia juntos: A morte de sua filha.

Quando Joan recebe o diagnóstico de câncer, seu primeiro pensamento é justamente sobre sua filha: (“Estou contente por Debbie não estar aqui para ter que passar por isso,” ela murmura, como se até o fato de proferir tais palavras em alto e bom som fosse uma traição.) Mais tarde, ela envia Tom para visitar o túmulo de Debbie, sozinho, mas o proíbe de dizer à filha do casal que ela está doente. Tom, por sua vez, trava uma batalha consigo mesmo para não sucumbir ao medo e à tristeza na frente da esposa. Mas basta um olhar mais à fundo para perceber que Tom está completamente perdido, sem nenhuma noção de normalidade em sua vida.

A qualidade do roteiro é evidente ao longo de toda a produção, mas é particularmente mais potente quando Joan e Tom se estranham por algum motivo. As discussões, muitas delas banais e sem propósito algum, são verdadeiras válvulas de escape para a tristeza. Mesmo um casamento tão sólido quanto o deles encontra-se desafiado e abalado pelo câncer de Joan. É ela, e não eles, quem enfrenta o martírio das sessões de quimioterapia; é ela quem enfrenta as dores em seu corpo; e o mais difícil: É ela quem precisa confrontar a própria mortalidade. Enquanto Tom lida com a situação da melhor maneira que pode, Joan encontra conforto em suas conversas com Peter (David Wilmot, de Uma Razão Para Viver, 2017), um antigo professor de sua filha, e que também está lidando ele próprio com uma doença terminal.

Neeson (que é meu ator preferido já há muito tempo), e a excepcional Lesley Manville, como não poderia ser diferente, estão excepcionais. Suas interpretações impecáveis são o grande trunfo desta produção de foco intimista, e alçam o patamar do filme muitos graus acima. A direção de Barros e Leyburn é firme e está longe de ser desnecessariamente chamativa. Em nenhum momento a dupla se distrai da verdade central da história. Um belo adorno, entretanto, é o score de David Holmes e Brian Irvine (Onze Homens e um Segredo, 2001), que dá ao filme uma sensação de tempo em suspensão, um tipo de limbo musical que captura o estado de aprisionamento em que Joan e Tom se encontram, mesmo que a vida normal siga seu curso, inerte à tudo que acontece ao redor.

Ordinary Love não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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