Produzido pela Netflix, estrelado pela bela e talentosa dupla de protagonistas formada por Alicia Vikander (Ex Machina: Instinto Artificial) e Riley Keough (The Lodge, Noite de Lobos, cujas críticas estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli), o drama Pássaro do Oriente (Earthquake Bird, EUA, 2019), marca o retorno do diretor Wash Westmoreland depois de seu drama Colette, lançado no ano passado. Com um interessante apetite visual, Pássaro do Oriente é ambientado em Tóquio no ano de 1989, e sua concepção visual remete bastante ao cinema suculento do diretor Adrian Lyne, que na época dirigiu hits como Atração Fatal e 9 1/2 Semanas de Amor.
A produção é claramente intencionada a se conectar diretamente com o cinema do final da década de oitenta e início dos anos noventa, o que faz o filme ganhar alguns pontos junto ao público que acompanhou a referida época, o que aliás, já se transformou em uma tendência de sucesso nos últimos anos, vide a série Stranger Things e filmes como It: A Coisa, Summer of 84, Super Dark Times e Low Tide, só para citar alguns. Vale lembrar que as críticas de todos os filmes citados também estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli.
Baseado no romance da escritora Susanna Jones, o filme certamente é visualmente autêntico, graças especialmente aos talentos do designer de produção Yohei Taneda (Kill Bill: Volume 1 e Os Oito Odiados), e ao diretor de fotografia sul-coreano Chong-hoon chung (colaborador habitual do genial Chan-wook Park, de filmes como a obra-prima Oldboy e A Criada). Vikander, em seu primeiro papel de protagonista desde o remake de Tomb Raider lançado no ano passado, captura toda sua ação exterior do filme citado e a enterra sob uma performance internalizada no papel de Lucy, uma expatriada sueca que reside no Japão há cinco anos.
Lucy é tão sóbria na maneira como se veste e se comporta, que ela praticamente não se distingue do restante da população de Tóquio, principalmente dos trabalhadores corporativos do centro financeiro da cidade, onde ela trabalha como tradutora. O que Lucy mais quer é se adaptar totalmente na sociedade que adotou como sua, à ponto de como uma atividade extra, ela tenha aprendido a tocar violoncelo e hoje toca em um quarteto de cordas com outras três senhoras japonesas. Ao contrário de Lucy, a ingênua Lily Bridges (Keough), uma ex-enfermeira, acabou de chegar ao país para trabalhar como bartender, sem maiores ambições para o futuro. A questão é que, uma vez que o filme trabalha boa parte de sua narrativa de trás para frente, o espectador já sabe que Lily está desaparecida, e não demora para a polícia colocar Lucy como a principal suspeita pelo desaparecimento da garota.
Através de flashbacks, o filme mostra como Lucy conhece e se envolve com Teiji (Naoki Kobayashi), um estranho fotógrafo japonês que demonstra um interesse excessivo sobre a vida dela. Lucy se aprofunda cada vez mais na relação, ignorando a desconfortável questão de que Teiji só se excita quando ela comenta sobre a morte de uma de suas amigas, e também com o fato de que o fotógrafo mantém guardadas num armário trancado em seu sótão, algumas fotos de uma ex-namorada que desapareceu misteriosamente. Logo, a toda sorridente Lily acaba se envolvendo na dinâmica Lucy/Teiji de maneira que claramente não terminará bem. E Lucy, que apesar da pouca idade já esteve envolvida em algumas mortes ao longo da vida, repentinamente começa a ter estranhas visões. Ou não.
Além do suspense e do clima sexy oitentista, o filme é visualmente atraente. A megalópole japonesa é mostrada em todas suas luzes e contrastes, e é impossível não lembrar ao menos uma vez do thriller policial Chuva Negra (Black Rain), dirigido pelo mestre Ridley Scott (que inclusive é produtor-executivo deste Pássaro do Oriente) justamente no ano de 1989. Os personagens japoneses são tratados com respeito e até veneração, com apenas uma exceção bastante evidente e necessária para a narrativa. À título de conhecimento, Pássaro do Oriente carrega uma conexão subliminar com o caso real de Lucie Blackman, que para quem não conhece, foi uma britânica vítima de um notório serial-killer e estuprador coreano, de nome Joji Obara, que teria abusado sexualmente de mais de 150 mulheres nos anos 90.
Vikander impressiona com seu domínio do idioma japonês, e enquanto que sua performance propositalmente fria e apagada parece diminuir um pouco a força do filme, Pássaro do Oriente é um suspense perfeito para aquela tarde chuvosa e preguiçosa na frente da televisão. Os bons valores de produção e especialmente as beldades que formam a dupla de protagonistas são um atrativo para aquele “guilty pleasure” com o selo Netflix. A trilha-sonora à cargo da dupla Atticus e Paul Ross (vencedor do Oscar pela trilha de A Rede Social, em 2010), é por si só um deleite, especialmente para os entusiastas dos anos 80. Os Ross capricham no som, que vai desde versões para karaokê de sucessos da antiga banda Foreigner, até uma sutil homenagem ao compositor Giorgio Moroder, autor de scores musicais célebres para filmes como Top Gun: Ases Indomáveis e O Expresso da Meia-Noite. Todos os aspectos da produção parecem deitar e rolar com a ótima oportunidade de aquecer as memórias do público com relação à tudo envolvendo os hits da época, como o citado Atração Fatal e o subestimado Mulher Solteira Procura (1992).
Mas é Vikander, com sua notável beleza e talento vocal/linguístico, o fiel da balança e o elemento-chave de um filme que evoca uma energética atmosfera de nostalgia em terras estrangeiras. Ainda que sua Lucy vá totalmente na contramão e se estabeleça como uma alma elusiva do início ao fim deste Pássaro do Oriente, a amarga conclusão de sua história exerce certo poder junto ao espectador.
Pássaro do Oriente estréia no catálogo da Netflix no dia 15 de novembro.