Crítica: Thelma (2017)

O sutil e sobrenatural romance Thelma (NOR/FRA/DIN/SUE, 2017)  foi a indicação oficial da Noruega para o Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro. Tal candidatura é merecida. O filme, escrito e dirigido pelo norueguês Joachim Trier (dos dramas Oslo, 31 de Agosto e Mais Forte Que Bombas) aborda de maneira forte a história de uma jovem e tímida mulher, que descobre sua sexualidade quando deixa sua pequena cidade natal e o convívio com seus pais fundamentalistas, em seu primeiro ano de faculdade. Criada em um regime opressivo e rígido, a protagonista Thelma ainda continua a ser assombrada pelo controle dos pais, mesmo vivendo na cidade grande. Seus pais ligam diariamente, exigindo detalhes de sua vida, e Thelma sempre responde.

Thelma pode ser mansa e tímida, mas há uma força dentro dela que aterroriza até mesmo seus próprios pais. O diretor Trier deixa isso evidente logo na primeira cena da produção, onde a pequena Thelma acompanha seu pai em uma caçada pela mata. Quando seu pai coloca um cervo na mira de seu rifle, Thelma apenas assiste e aguarda, até que o homem aponta o rifle para a cabeça da própria filha. Ele não atira, mas a intenção existe, e a intenção é suficiente para deixar as coisas bem claras para o público: Há muito mais em Thelma do que os olhos podem ver.

O filme retoma sua trama décadas depois, com Thelma já adulta (interpretada por Eili Harboe, do thriller A Onda); doce, quieta e pura. Ela anseia por amigos em sua solitária vida de universitária, no entanto, ela não bebe, não fuma, é uma recatada garota Cristã, e resumindo, não socializa com ninguém. É então que Thelma conhece Anja (Kaya Wilkins), uma bela e carismática colega de classe, e responsável direta por despertar a sexualidade velada da protagonista. Em um dia qualquer na biblioteca do colégio, Thelma se senta para estudar. Momentos depois, Anja senta ao seu lado, e o mundo de Thelma muda para sempre.

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Pássaros se chocam contra as janelas, tudo começa a tremer e Thelma sofre uma violenta crise epiléptica. Alguns dos estudantes se assustam com a cena, mas o acontecido acaba por aproximar Thelma e Anja, dando início a uma profunda amizade que logo se torna algo mais íntimo. Thelma experimenta sua recém encontrada sexualidade em ondas de felicidade, luxúria, terror e repulsa. Uma constante rotação de emoções incertas, que vão totalmente contra sua educação bíblica. A nova Thelma bebe, fuma, mente para os pais, e se envolve com o proibido. Os médicos tentam encontrar uma explicação para o surgimento de suas convulsões, e o diagnóstico acaba por ser uma condição que ao longo da história, chegou a ser associada com a existência de bruxas. Ao mesmo tempo, Thelma passa a vivenciar uma série de de estranhos fenômenos inexplicáveis, à medida em que se entrega à sua sexualidade e se afasta de criação repressiva. Ela começa a descobrir o perigoso poder dentro de si. O mesmo poder que quase levou seu pai a matá-la.

Revelar mais sobre a produção, teria um efeito negativo na apreciação do filme. Apesar de que uma das qualidade do filme é a facilidade com que seus eventos se desenrolam aos olhos do público. Em um dado momento, Thelma retorna para casa, para a suposta segurança do lar de sua infância, e acaba por descobrir os mistérios de sua família e aprender a horripilante verdade por trás de sua condição. E enquanto que a primeira metade do filme é elétrica com sua sensualidade e romance, a metade conclusiva da produção toma um rumo obscuro, discorrendo sobre os efeitos da repressão religiosa e sobre o quanto o poder e potencial de Thelma foram direcionados e determinados por sua criação.

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Apoiado por uma fenomenal performance de sua protagonista Ellie Harboe, Thelma é uma fascinante investigação sobre os efeitos da opressão, e sobre o fenomenal poder do ato de descobrir suas verdades pessoais. Trata-se de uma jornada de fantasia embebida em pesadelo, magistralmente fotografada e composta de maneira elegante. Thelma é a primeira vez que Trier se aventura por um gênero distinto, e mesmo assim o diretor não descuida do drama e de seus personagens, tratando os elementos sobrenaturais e mundanos da produção de maneira igualmente respeitosa.

Por fim, Thelma acaba perdendo um pouco de sua força em seus momentos finais, à medida em que a poderosa primeira metade do filme dá lugar a uma narrativa que amarra os mistérios da produção de maneira bastante previsível. No entanto, o olhar clínico de Trier para o horror sutil e inabalável intimidade faz de Thelma uma cativante experiência sensorial e emocional.

Thelma não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente em serviços de streaming e VOD.

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