Crítica: Um Lugar Silencioso (A Quiet Place) | 2018

Apesar de seus 95 minutos de duração, este Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, EUA, 2018), provavelmente tem um roteiro de no máximo sessenta páginas, acredito eu. Não que isto seja algum demérito para a produção, de jeito nenhum. Fiz esta analogia pelo motivo de que grande parte deste Um Lugar Silencioso habita exatamente no… silêncio. Quase que destituída de diálogos, este acerto na direção do ator John Krasinski (do thriller de guerra 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi), se assemelha muito à uma outra produção recente, o thriller francês Les Affamés (cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), e cuja narrativa também é toda permeada pelo silêncio absoluto.

A trama também é parecida: um casal de fazendeiros, John e Mia (o próprio Krasinski e a bela Emily Blunt, de Sicario: Terra de Ninguém e esposa de Krasinski na vida real), e seus dois filhos pequenos, precisam se comunicar sem nenhum tipo de conversação comum, para que assim possam evitar cair nas garras uma terrível e violenta criatura que caça suas presas humanas através do som. Aliás, se o filme de Krasinski não fosse tão bem executado e não tivesse alguns elementos bastante originais dentro de sua narrativa, eu poderia dizer que trata-se de um remake não declarado do filme francês.

Mesmo abordando um tema de certa forma limitador para se conduzir um longa-metragem, o roteiro da dupla de novos roteiristas Scott Beck e Bryan Woods é certeiro em evitar o excesso de clichês, além de trazer uma quantidade impressionante de tensão. Querem uma amostra? Mia está grávida, prestes a ter um bebê. E só de se imaginar a possibilidade de se trazer um bebê, um ser recém-nascido cujo choro é incapaz de ser controlado, à um mundo pós-apocalíptico onde qualquer emissão de som pode ser o seu fim, é de gelar a espinha. O mundo foi varrido por tais criaturas, cuja audição é tão afiada, que qualquer sussurro humano é o equivalente à um grito para seus ouvidos.

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É realmente interessante observar a maneira esperta com que Krasinski e o roteiro de Woods e Beck desenvolvem a ideia central e simples da produção: um mundo onde se você falar, você morre. Eu costumo dizer que a chave para se evitar o clichê é desenvolver um conceito único, o que, consequentemente, levará a narrativa à cenários únicos. E é exatamente o que acontece aqui. Cada cena soa diferente de tudo o que eu tenho visto dentro do gênero nos últimos anos. Uma destas cenas, mais precisamente a sequência-chave do filme, que traz um desempenho fenomenal de Blunt em um cenário insuportavelmente agoniante (não se preocupem, vocês vão sacar a cena de cara), é tão perfeitamente executada que fica difícil não situá-la já entre os grandes momentos da história do horror no cinema.

É bem inteligente também a maneira com que a narrativa explora o lado emocional da periclitante situação. O roteiro extrapola o conceito do “não falar” e o transforma na falha da família como um todo, mesmo antes da chegada das criaturas. Através de uma série de flashbacks, o público aprende que os membros da família já não falavam uns com os outros mesmo quando eles podiam fazer isso. Especialmente John, um homem fechado e que tem uma extrema dificuldade em se abrir e expressar seus sentimentos para seus familiares.

À partir do momento em que as regras do filme passam a ser aplicadas (que resumem-se a: “grite, tropece ou derrube algo e você está ferrado”), cada cena passa a transpirar tensão. As breves aparições dos monstros à princípio dão a impressão de um orçamento de produção modesto, mas quando tais criaturas finalmente dão as caras em detalhes, elas não decepcionam, graças ao trabalho da Industrial Light and Magic, que mais uma vez entrega criaturas medonhas além da imaginação. Estas repulsivas criações insectoides remetem à um horripilante híbrido entre o Alien do cinema e um velociraptor de Jurassic Park, que consegue ser tão apavorante quanto grotesco.

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Para John Krasinski, tanto o diretor quanto o ator, este Um Lugar Silencioso marca um recomeço de sua carreira, depois de sua excessivamente verborrágica adaptação de Brief Interviews With Hideous Men (2009) e do mundano drama familiar Família Hollar (The Hollars, 2016), que falharam em indicar o surgimento de um cineasta sofisticado. Agora, Krasinski encontrou o material ideal para um completo reboot profissional, entregando uma produção perfeita para agradar a plateia, onde os sustos não chegam com um estrondo, mas sim com sussurros e silêncio. Nesta caótica era de informação que vivemos hoje, chega a ser um alívio encontrar-se imerso em um filme onde o barulho pode matá-lo.

Um Lugar Silencioso estreia nos cinemas brasileiros no dia 05 de Abril.

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Uma resposta

  1. FANTÁSTICO!!! Qualquer coisa que eu diga pode e vai estragar, simplesmente fantástico. Aquela trilha sonora com Neil Young quase me fez ter um treco de tanta emoção!

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